Em plena crise, o pensamento inquieta-se e interroga-se; ele pesquisa as causas mais profundas do mal que atinge a nossa vida social, politica, económica e moral.
As correntes de ideias, de sentimentos e interesses chocam brutalmente, e deste choque resulta um estado de perturbação, de confusão e de desordem que paralisa toda a iniciativa e se traduz na incapacidade de encontrarmos soluções para os nossos males.
Portugal perdeu a consciência de si mesmo, da sua origem, do seu génio e do seu papel, de herói intrépido, no mundo. Chegou a hora do despertar, do renascimento, de eliminar a triste herança que os povos do velho mundo nos deixaram, as bafientas formas de opressão monárquicas e teocráticas, a centralização burocrática e administrativa latina, com as habilidades, os subterfúgios da sua politica e dos seus vícios, toda esta corrupção que nos tolda a alma e a mente.
Para reencontrar a unidade moral, a nossa própria consciência, o sentido profundo do nosso papel e do nosso destino, isto é, tudo o que torna uma nação forte, bastaria a nós portugueses eliminar as falsas teorias e os sofismas que nos obscurecem o caminho de ascensão à luz, voltando à nossa própria natureza. Às nossas origens étnicas, ao nosso génio primitivo, numa palavra, à rica e ancestral tradição lusitana e/ou celtibera, agora enriquecida pelo trabalho e o progresso dos séculos.
Um país, uma nação, um povo sem conhecimento, saliência do seu passado histórico, origem e cultura, é como uma árvore sem raízes. Estéril e incapaz de dar frutos.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Ídolo de Pedralva



"Grosseira escultura viril (ídolo?) de granito, cortada por baixo da cintura, contendo a representação sexual bem evidente, apesar de mutilada .Não tem o carácter da estatuária castreja, mais parecendo um monumento de procedência exótica. Esta escultura (talvez relacionada com o culto fálico), encontrava-se caída dentro de uma poça na Casa da Eira, na freguesia de Pedralva (Braga), sendo ali tradição de que tinha vindo do Monte dos Picos, da mesma freguesia. (...) Mede 1 m de altura. ...".




Coarse virile sculpture in (Idol?) granite, cut below the waist, obviously containing the sexual representation, although being mutilated. Has not the character of Castro's Culture statuary, looking more like a monument with an exotic provenance. This sculpture 8maybe related with the phallic cult), was lying in a puddle in Casa da Eira (House of the Eira), in the village of Pedralva (Braga), being of tradition that she came from Monte dos Picos (Mount of Picos), of the same village. (...) She's 1 meter tall.

In CSMartins Sarmento / Guimarães

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Máscaras tradicionais num "Halloween" transmontano em Vinhai

A pequena aldeia do concelho de Vinhais, no distrito de Bragança, tornou-se local de romaria para a festa que pretende marcar a "noite das bruxas", mas com rituais e disfarces bem diferentes do 'Halloween' americano.
No evento que reclama reatar tradicionais ancestrais, este ano estão em destaque as típicas máscaras de madeira e lata, emblemas sobretudo dos conhecidos "Caretos", os mascarados que animam as festas de inverno no Nordeste Transmontano.
A Câmara Municipal de Vinhais associou-se à iniciativa e durante três dias, entre 31 de outubro e 02 de novembro, organiza o 1.º Simpósio Internacional de Máscaras Artesanais, no Centro Cultural da vila, onde estará também patente uma exposição de pintura da autoria de Balbina Mendes, intitulada "Máscaras Rituais do Douro e Trás-os-Montes".
Na noite do dia 31 de outubro, ainda no Centro Cultural de Vinhais, há música com um concerto de Las Çarandas. E na noite de 02 de novembro, a ESTE -- Estação Teatral, leva ao palco a peça "Eles tapam a cara com máscaras de lata e de madeira".
O programa da Festa da Cabra e do Canhoto de Cidões foi hoje apresentado, em Vinhais, e, como indicou Luís Castanheira, um dos promotores, mais uma vez se assinalará "o fecho da estação clara e a entrada na estação escura" com uma tradição ancestral de origem celta.
A organização do evento está a cargo de pessoas com raízes na aldeia de Cidões, mas a maior parte a residir fora, nomeadamente nos centros urbanos mais próximos como Bragança.
"Quem da cabra comer e ao canho se aquecer, um ano de sorte vai ter" - esta continua a ser a crença que sustenta a fé e a dedicação com que, ano após ano, se repete esta festa num "cenário místico e até, em alguns momentos, terrorífico".
A aldeia vai estar toda iluminada com tochas e decorada.
A organização veste indumentária própria, representando druidas, deusas, plebeus, bailarinas, o diabo, e outras figuras que contribuem para animar a noite.
A fogueira fica acesa para, no final da noite, queimar o Cabrão ou Bode, construído por alunos e professores da Escola Secundária de Vinhais.
Manda a tradição que os rapazes da localidade roubem a lenha pelas serras e a carreguem num carro de bois até ao centro da aldeia para a fogueira gigantesca, onde se coloca um enorme canhoto (tronco de madeira), que simboliza o diabo.
"Toda a gente deve dar duas voltas à fogueira para afastar os azares e a má sorte", explicou aquele elemento.
Na mesma fogueira é cozinhada, em potes de ferro, a "cabra machorra" (infértil) e que serve de repasto a todos os presentes, regado com o "Ulhaque", uma bebida tradicional à base de aguardente e ervas.
"É uma festa mística única que marca a abertura das festas de inverno em toda a região", segundo Roberto Afonso, vereador da Câmara Municipal de Vinhais.
Fonte: Porto Canal

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

OS LUSITANOS E AS CONSTRUÇÕES MEGALÍTICAS


“Os Lusitanos estavam genealogicamente relacionados com os antigos construtores dos megálitos peninsulares. Quer isto dizer que a sua presença na faixa ocidental da Península Ibérica remonta a tempos imemoriais, muito anteriores à vinda dos Celtas, bem como dos próprios Iberos. Mas o que importa acima de tudo salientar é que as influências culturais e talvez somatológicas de povos que penetraram tardiamente na Península, esbarraram com os vestígios de uma cultura pré-histórica de tipo superior que, embora desactivada após uma longa estagnação e decadência, não deixou de contribuir poderosamente, quer na preservação das “tendências autonómicas hereditárias” dos Lusitanos quer no domínio cultual pelo simples facto da sua presença e conteúdo mágico. Os Celtas limitaram-se apenas a dar-lhe um novo uso, revitalizando as forças que estes objectos possuíam ou canalizavam.”


in “UNIVERSO MÁGICO E SIMBÓLICO DE PORTUGAL” – Eduardo Amarante

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O Burro Lanudo de Miranda do Douro


A Raça Asinina de Miranda (Burro Lanudo ou Mirandês):

Animal bem conformado, com manifesta acromegalia, corpulento e rústico.

Altura média, medida com hipómetro ao garrote, nos animais adultos: > 1,20 m. (a altura recomendável é 1,35 m.).

Pelagem castanha escura, com gradações mais claras nos costados e face inferior do tronco; branca no focinho e contorno dos olhos; hirsutismo acentuado com pêlo abundante, comprido e grosso, aumentando em extensão e abundância nos costados, face, entre-ganachas, bordos das orelhas e extremidades dos membros; crinas abundantes; ausência de sinais.


Temperamento dócil.

Cabeça volumosa e ganachuda de perfil recto; fronte larga e levemente côncava na linha mediana, coberta de abundante pêlo (chegando a formar-se sobre a fronte uma espécie de “franja”); arcadas orbitárias muito salientes; face curta de chanfro largo; canal entre-ganachas largo; lábios grossos e fortes; orelhas grandes e largas na base, revestidas no seu bordo interior de abundante pilosidade, arredondadas na ponta (formando uma espécie de borla) e dirigidas para a frente; olhos pequenos, dando ao animal uma fisionomia sombria.

Pescoço curto e grosso. Garrote baixo e pouco destacado. Dorso tendendo para a horizontalidade, curto e bem musculado. Peitoral amplo com quilha saliente. Tórax profundo. Costado encurvado. Garupa em ogiva mais elevada que o garrote, pouco destacada. Espáduas curtas e bem desenvolvidas, com ligeira inclinação. Ventre volumoso.

Membros grossos de articulações volumosas, providos de pêlo abundante cobrindo os cascos, machinhos bem desenvolvidos; membros posteriores com tendência a serem estendidos e um pouco canejos; cascos amplos.

Andamentos de grande amplitude mas lentos, pouco ágeis.

Área geográfica de implantação:

Nordeste de Portugal, distritos de Bragança (planalto mirandês, nomeadamente concelhos de Bragança, Miranda do Douro, Vimioso, Mogadouro).

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

A irmandade de Bandua (Conto fantástico de minha autoria)

A irmandade de Bandua


O sacerdote ergueu o cajado e o troar retumbante que, por momentos, enchera os gélidos ares da serrania de alegria e magia, tal como havia começado, cessou abruptamente. Naquele ano haviam sido muitos os jovens da Lusitânia e da Galaecia que haviam comparecido à chamada dos tambores. As terras ibéricas estavam infestadas por romanos. Bandua ressurgia agora das trevas para fazer a guerra e semear o caos entre o inimigo.
Naquele local, onde outrora os antigos já haviam invocado os deuses sem nome, os sacerdotes da irmandade iriam agora, entre as centenas de candidatos que se haviam apresentado, apurar os trinta melhores guerreiros, a fim de os enviar como reforço aos caudilhos da confederação de tribos que combatia o inimigo a sul.
Entre os jovens candidatos a expectativa era muita, esta era a derradeira oportunidade de virem a ser alguém na vida. Na sua grande maioria eram provenientes de famílias de guerreiros, porem como só o primogénito herdava as armas e as posses do pai, a estes segundos filhos só restava esperar que fossem escolhidos pelos sábios para aprender as suas artes e conhecer os segredos dos deuses. Caso tal não se viesse a suceder e nenhum artesão se prestasse a revelar-lhes os seus saberes o único caminho que tinham pela frente era o do bandoleirismo e a árdua vida nas montanhas. 
Mellia, a mãe de Attanius, que fora quem o acompanhara na rumaria às montanhas, ao entregá-lo aos insondáveis guerreiros de Bandua, despediu-se deste com um beijo na testa. Este ficou a vê-la partir, no entanto antes que desaparecesse na linha do horizonte gritou-lhe: - Mãe!!! 
- Este não vai lá! – Notou um dos guerreiros.
- É muito novo ainda, dificilmente será um dos escolhidos! – Concordou o outro.
Procurando disfarçar o seu olhar lacrimejante, quando Mellia se voltou para o lugar onde entregara o filho já este, depois de se libertar aparatosamente dos guerreiros, corria para os seus braços. 
- Não me abandones – disse subvertido pela brumosa cortina negra que persistia em encobrir o seu futuro desde que nascera há doze primaveras.  
- Eu não te estou a abandonar, volto daqui a dias para saber se foste aceite ou se te levo de volta. Agora vai e dá o teu melhor, o teu futuro começa aqui!
Na ausência do marido que guerreava no sul, Mellia depois do filho ter resistido às largas noites com sucesso – os rituais de passagem à idade adulta a que os jovens das tribos da grande ibéria eram sujeitos –, achara por bem que ele deveria responder à chamada do tambor. Pertenciam ao clã dos Oilienaici, o qual se dedicava à criação de ovelhas. Por tal, não podendo Attanius vir a erguer as armas do pai, uma vez que o sacerdote Oilienaici já tinha três discípulos e eram já imensos os pastores guerreiros que olhavam pelo gado do clã. A mulher, desesperada por assegurar um futuro àquele seu filho decidira entregá-lo a Bandua.
Enquanto aguardavam pelo discurso de recepção do sacerdote, os jovens candidatos numa autêntica algazarra, aproveitaram para exibir as suas aptidões uns aos outros, criando e reforçando assim laços de amizade. Uns eram muito bons com a lança, outros com a funda e os demais nas corridas e nas lutas corpo a corpo. Embora conseguisse fazer tudo aquilo relativamente bem e até mesmo conseguisse desafiar os campeões, Attanius não era “muito bom” em nada, pelo que se decidiu apartar do ruidoso bando, aguardando pelo que se seguiria sentado num penedo orlado por musgo e líquenes.
- Eiha! – Disse alguém, roubando Attanius aos seus pensamentos.
- Eiha!
- Porque não te juntas àquele bando de idiotas? – Perguntou-lhe o rapaz que o abordara. Alto e espadaúdo de cara afunilada e cabeça raspada, apenas com tufo de cabelo no cocuruto. 
- Talvez por não ser um idiota!
- Sou Adronus dos Caielobricoi – apresentou-se o rapaz, estendendo-lhe a mão.
- E eu Attanius dos Oilienaici, – respondeu, apertando-lhe a mão.
- O meu pai enviou-vos vinte falcatas e algumas espadas, o ano passado, em troca de cinquenta ovelhas. A vossa carne é muito boa!
- Obrigado, mas eu nunca terei o gosto de a criar!
- Nem eu o gosto de forjar espadas, são precisos anos para aprender!
- Achas que teremos hipóteses contra aqueles rudes de entrar na irmandade?
- Claro que temos, podem vencer as provas todas, mas se ao fim de três dias não regressarem dos bosques com um precioso troféu, não entram.
- Como sabes isso?
- Tenho cá um irmão.
Attanius sorriu.
- Vês aquele ali, de sago castanho e de fita negra na cabeça?
- Sim vejo, o que tem?
- É do meu clã e há anos que me persegue.
- Porquê?
- Como é forte e bom lutador vive rodeado de bajuladores e não sei se é dos seus olhos ou do seu cheiro, mas também vive rodeado de raparigas. Todos o desprezam, no entanto caiem-lhe aos pés apenas para conseguirem os seus favores. Como eu não lhe dou importância alguma, diz que o invejo e sempre que pode faz-me a vida negra.
- Já reparaste que é bem mais velho do que nós?
- Sim, aí umas duas ou três primaveras! Porquê?
- Se tivesse de facto o valor que os outros idiotas pensam que tem, há muito que já fazia parte da irmandade.
Attanius voltou a sorrir, Adronus com a sua jovialidade havia conseguido animá-lo.
Burralus, o tratante de quem falavam, acabara de esmurrar um desgraçado qualquer, deixando-o em muito mau estado. Caso os guerreiros da irmandade não interviessem o pior podia mesmo ter acontecido. Perante o ar transtornado dos irmãos, os seus adoradores davam vivas.
- Vês, é disto que falávamos!
Adronus torceu os lábios.
Notando que o observavam, Burralus apontou na direcção de Attainus e passou o dedo indicador pela faringe, como que a ameaçá-lo de morte. Surpreso, este engoliu em seco. 
Notando o ar apreensivo do companheiro, depois de levar a mão às partes baixas para afastar o azar. Adronus colocou-lhe uma mão nos ombros, procurando tranquilizá-lo ao mesmo tempo que firmava estar do seu lado.
O intimidador rapaz, esboçando um esgar de desprezo voltou-se para o lado e cuspiu para a terra chã.
Estava lançado o desafio dentro do desafio.


Um corno suou estridente e Cilius, o sacerdote que havia sido escolhido para receber os jovens candidatos, entrou na clareira. Uma figura negra, nebulosa e insondável. Um manto negro com capuz ocultava-o por completo, deixando apenas antever o rosto e as mãos, por sua vez cobertos na totalidade por pez. Apenas dois sinistros círculos brancos em redor dos olhos atenuavam o negrume. Dizem que era velho, muito velho, já no começo dos tempos. A reencarnação do próprio Bandua. 
Silenciosamente, com um indicador longo e nodoso, o sacerdote apontou Burralus e três dos seus parceiros, chamando-os a si. Um sorriso arrogante e triunfante enchia-lhes o rosto, porem este esmoreceu quando a insondável figura negra lhes disse que tinham fracassado o primeiro teste. Enquanto aguardavam pelo começo das provas, os caracteres dos candidatos haviam estado a ser avaliados, pelo que logo à partida estavam fora da irmandade.
- Isto não fica assim, criatura medonha!
Apoiado no cajado, Cilius fitou Burralus de alto abaixo sem nada dizer.
- Eu e os meus companheiros iremos dar caça aos vossos candidatos e no final é a nós quem ireis aceitar.
Cillius cortou velozmente o ar com o cajado e com a sua voz profunda disse; - Amaldiçoo-te, a ti e aos teus companheiros e às vossas famílias por três gerações. Que os maus ventos vos levem para as profundezas abismais das montanhas e os vossos ossos enegreçam ao sol e ao vento destas terras sem quaisquer honrarias fúnebres, tal a vossa insolência para comigo e acima de tudo para com a irmandade. 
Com estas palavras, tomados pelo pânico, Burralus e os seus companheiros evolaram-se nos bosques.
Volteando subitamente o cajado na direcção de Attanius, Adronus e dos restantes rapazes, sem deixar margem para quaisquer dúvidas, Cellius disse; - Se durante a vossa prestação de provas, algum destes miseráveis se atravessar no vosso caminho não hesitem em fazer o que tem de ser feito. E agora que a noite já vai alta desejo-vos um bom descanso e que amanhã pelos primeiros alvores voltem a este local para receberem as armas e darem inicio às provas.
O silêncio abismal daquela noite, negra e sem lua, apenas era quebrado aqui e ali pelos urros das bestas nocturnas. Pouco faltava, agora, para os primeiros alvores e Attanius ainda não havia conseguido pregar olho, voltando-se constantemente no seu leito de folhas e líquenes.    
- Porque não sossegas, amigo? – Perguntou Adronus, que entretanto despertara com o inquietante roçagar das folhas. 
- Não vou conseguir passar as provas.
- Porquê, o que te preocupa?
- Burralus.
- Burralus!!! Mas esse traste e os seus lacaios já estão fora das provas.
- Pior ainda! Estou certo que nos vão dar caça.
- Porque o dizes?
- Fez-me a vida negra nas largas noites!
- Eles que venham. Não estarás sozinho!
- Estarei, não te quero estragar as provas.
- Bandua preza o companheirismo entre os seus, ele irá proteger-nos. Assim espero que seja essa a sua vontade.
Uma faixa de luz cinzenta emergiu a Este e de novo as trompas ecoaram. Os candidatos acorreram à presença de Cillius e as armas que iriam levar consigo durante as provas foram entregues. Um punhal. Iriam ter que sobreviver nos bosques da Lusitânia, onde centenas de ossos de crianças incautas jaziam na poeira e enegreciam ao sol, munidos apenas de um punhal.
Junto do local escolhido para os jovens entrarem nos bosques estava um grupo de sacerdotes, tão misteriosos como o mestre Cilius, que aspergiram os jovens à sua passagem com o sangue de um cabrito sacrificado durante as trevas da noite. Palavras indecifráveis foram proferidas e um a um os jovens desapareceram por entre a densa vegetação dos bosques. Curiosamente os únicos que permaneceram juntos, tendo os outros seguido cada um o seu caminho, foram Attanius e Adronus. 
Cilius sorriu.
O chilrear dos pássaros que anunciava o novo dia era ensurdecedor. O que os deixou apreensivos, pois se algum inimigo se aproximasse dificilmente o iriam ouvir atempadamente. O céu estava coberto de nuvens brancas e, raso à terra chã, o vento soprava forte e frio. Adronus, embora mostrasse uma calma fora do comum, ansiava por encontrar algo, pois não havia árvore ou arbusto que não examinasse cautelosamente. 
- O que tanto procuras, amigo?
Adronus sorriu.
- Precisamos de construir uma arma possante para conseguir os nossos troféus ou pensas que é com o punhal que o vamos conseguir?
- Madeira! É isso que procuras?
- Nem mais!
Embora tímido, o sol atingira o zénite e os pássaros agora bem mais silenciosos descansavam à sombra das ramagens, deixando os demais ruídos do bosque alcançarem os seus ouvidos com mais facilidade. Pelo que, ao escutarem as suas ruidosas águas, foram ao encontro de um ribeiro. Depois de saciarem a sua sede, Adronus procurou um rochedo onde se sentou examinando os vários ramos que haviam colhido durante a manhã.
- Procura algo que se coma – disse para um atónito Attanius. 
- Não precisa de ajuda com isso?
- Não! Procura comida enquanto trato disto.
- Vou então ver o que encontro!
Quando Attanius  regressou ao local onde deixara Adronus, para se embrenhar no matagal, já este, servindo-se do punhal cedido pela irmandade havia talhado vários dardos que estavam cravados na terra, dormindo a seu lado.
- Eiha! – Gritou Adronus, a fim de verificar se o companheiro era sempre assim tão tranquilo, mesmo perante uma ameaça.
Sem que esperasse, em menos de um piscar de olhos, Adronus estava à sua frente segurando um dardo, cuja ponta lhe roçava o peito.
- Calma, calma, sou só eu!
- Não tornes a assustar-me, a brincadeira pode-te sair cara.
- Afinal também reages perante o perigo.
- Obviamente, mas só quando este é real! Ao contrário de ti que não paras de olhar sobre os ombros à espera de encontrar Burralus.
O rosto de Attanius  ensombrou-se.
- Estou certo de que aparecerá para nos atrapalhar a prova, garanto-te.
- E depois, quando aparecer enfrentamo-lo!
- Como se tudo fosse assim tão simples.
- Ou ganhas ou perdes!
- Trouxe amoras silvestres – disse, procurando mudar de assunto.
Depois de se empanturrarem com os frutos, agora munidos também com os dardos, permaneceram, ocultando-se na vegetação junto ao curso de água, aguardando o momento certo para lhes darem uso. Pois todos os animais que podem potenciar bons troféus, mais cedo ou mais tarde têm de beber. Porem não foi um animal que escutaram, mas sim alguém que chorava. Um choro envergonhado e abafado por um desespero frenético. Agachado junto ao frondoso ramo de um carrasco, estava um rapaz que segurando os joelhos balançava de um lado par o outro.
Sobressaltado pelos passos dos dois companheiros, o rapaz levantou-se e encarou-os desesperado. Era o mesmo que havia sido violentado por Burralus no dia anterior, sendo ainda visível no rosto o hematoma que este lhe provocara. A sua túnica estava esfarrapada, o seu corpo escoriado, sujo e ensanguentado. Do seu punhal, nem sinal.
- Do que te escondes? – perguntou Attanius . 
- De Burralus e dos seus companheiros, são perto de dez e estão montados! Deram-me caça e só escapei por uma unha negra. Caí por uma ladeira coberta de arbustos espinhosos onde perdi o punhal e me arranhei todo. Depois corri para aqui.
- Eu sabia que o bastardo viria!
- Calma Attanius, agora somos três, o que equilibra os números!
- Não me vão deixar aqui?
- Claro que não, não escutaste o meu companheiro?
O rapaz sorriu, agora aliviado por não ter mais que passar pelas suas provações sozinho.
- Toma – disse Adronus – atirando um dardo para o recém-chegado apanhar. – Defende-te com isto. Agora vamos para as fragas, não tarda apanham-nos o rasto, temos de nos preparar para os receber.
- Obrigado, amigos! A propósito, sou Licus dos Petranioi.


Confirmando as suspeitas de Adronus, depressa Burralus lhes seguiu o rasto. No entanto para chegar até si e aos seus companheiros, o traste e os seus seguidores teriam agora de percorrer uma estreita vereda por entre fragas escabrosas, onde fazia já tempo era esperado. Não conseguindo avançar lado a lado, Burralus e os seus seguiam em fila, devagar e atentos. Escurecia rapidamente e os perigos da noite avizinhavam-se.
Lançando uma chuva de pedras sobre a vanguarda do grupo, a qual lhe precipitou a fuga, Attanius e os companheiros atacaram a retaguarda, degolando dois dos seus oponentes e desaparecendo tal como haviam surgido, três sombras na escuridão. No rosto de Burralus, o qual a luminosidade da lua deixava vislumbrar, via-se um vincado ódio glacial. Afinal os miúdos, que julgava caçar, davam luta. Receando perder mais elementos ordenou ao grupo que volta-se a trás para montar acampamento. Ao ver o grupo descer a vereda, Adronus não resistiu e pegando no dardo que julgava ser o mais maleável, arremessou-o derrubando mais um. Attanius exultava, afinal Burralus e os seus comparsas eram, tal como ele e os seus companheiros, meros seres humanos. E neste momento aterrorizados.
Sabendo que Burralus não iria cometer o mesmo erro duas vezes, atravessaram as fragas descendo o outeiro pelo lado oposto, ao qual este se encontrava. Porem, ao fazê-lo deram por si num terreno desabrigado, rochoso e árido, onde a erva era fortemente violentada por um vento frio que lhes enregelava os ossos.
- E agora, – perguntou Licus – o que fazemos?
- Temos de atravessar o ermo até aqueles montes além – respondeu Adronus, o mais experiente neste tipo de andanças.
- Mesmo que o façamos durante a noite, Burralus amanhã apanha-nos antes de lá chegarmos – disse o ponderado Attanius.
- Estou certo que, temendo outro ataque, não voltará a entrar montado pelas fragas adentro e quando perceber que atravessamos o ermo voltará atrás para ir buscar os cavalos, o que nos dará tempo suficiente para ali chegarmos.
- Corramos então!
Quando avistaram a silhueta dos cavalos contra o sol matinal, encontravam-se já ao abrigo de um maciço de árvores. 
- Com mil trovões! – clamou Attanius quando viu um dos outros jovens candidatos à irmandade passar ao largo, carregando o seu troféu, uma raposa.  
- Eu conheço-o, é do meu clã – disse Licus!
- Chama-o, então. Se Burralus se cruza com ele temo o pior.
- Pellius, eiha, Pellius, aqui!
Desconfiado, Pellius olhou em redor, empunhado o seu punhal.
- Quem são e o que querem?
- Não tarda que Burralus e os seus facínoras alcancem este lugar, vem abrigar-te connosco.
O troar dos cavalos do bando de Burralus estava cada vez mais audível.
- Não sejam tolos, não passa de um rapazola! Tenho mais do que fazer do que perder tempo com tal figura.
- Corre depressa, para aqui – gritou Attanius , o qual ficou perplexo ao não avistar Adronus. – Onde raios se meteu Adronus?
- Não sei, ainda agora aqui estava!
- E Burralus onde está, deixei de ver e ouvir os cavalos!
- Olha, vêm ali!
Um grito de morte ecoou pelos ares, deixando os companheiros apreensivos. Arfando, com um dardo nas costas e o corpo descaído sobre os joelhos, Pellius deixava escorrer um fio de sangue pela boca. Não tardaria que caísse morto. Burralus alcançara-os por fim. Embora, na noite anterior, tivessem aniquilado alguns dos seus oponentes, o grupo adversário ainda assim ultrapassava o seu em duas unidades, para alem de estar bem armado e protegido. Pelo que seria deveras difícil levá-los de vencida apenas com dois punhais e alguns dardos toscos.
Todavia, Adronus equilibrara as forças, ao surgir sorrateiramente perante o homem que Burralus havia deixado de guarda aos cavalos. Para este a morte chegara rápida e silenciosamente. E, munindo-se das polainas, da caetra e da falcata deste, regressou para junto dos companheiros com as montadas do inimigo.
De caçador Burralus passara a presa, vendo-se rodeado pelos seus inimigos, que agora montados, nos seus próprios cavalos, o espicaçavam a ele e aos seus três companheiros. Dos quais um, desesperado, tentou a fuga. Não deixando escapar a oportunidade, Licus, arremeçou-lhe um dos dardos que carregava, atirando-o por terra. 
Aproveitando a distracção, um dos outros lançou as mãos à perna esquerda de Attanius que desequilibrando-se caiu desamparado. Em pânico a montada fugiu, deixando-o apeado. Burralus ao vê-lo caído depressa investiu, mas temendo o pior já Adronus havia atirado a caetra a este, que servindo-se desta conseguiu aparar o ataque.
Saltando da montada como um louco, Adronus caiu em cima de um dos dois restantes, esfaqueando-o consecutivamente com o seu punhal. Salpicando todos de sangue. Attanius, aproveitando a distracção jogou o seu dardo às pernas do lacaio sobrevivente de Burralus e derrubou-o, para o regressado Licus terminar o serviço empalando-o com o dardo que restava. Aterrado por ver a morte cada vez mais de perto, Burralus desatou a correr, mostrando a sua verdadeira natureza ao fugir. A natureza de um cobarde.
Banqueteando-se com as provisões de Burralus e dos outros acenderam uma fogueira, agora que não eram perseguidos por ninguém, decidindo pernoitar por ali mesmo.
- Temos apenas mais um dia para conseguir os nossos troféus e regressar – disse Attanius.
- Com as armas de Burralus e dos outros, agora tudo estaria mais fácil, não fosse o tempo estar-se a escoar rapidamente – afirmou Licus.
Perante o que os companheiros haviam dito, Adronus deu uma valente gargalhada.
- Basta que façamos o caminho de volta por onde viemos, os nossos troféus estão lá!
Percebendo o que Adronus pretendia dizer, Licus ululou rejubilante, pois não haveria troféu mais precioso do que aquele que iriam apresentar. Adronus ululou também e Attanius, ainda assim pensando se tal seria uma boa ideia, começou a cantar partilhando da alegria dos companheiros.
- Ainda me custa a acreditar como conseguimos escapar a esta provação – disse Licus.
- Foi a união e a luta por um propósito comum que nos levou consegui-lo – respondeu Attanius. – Espero que os outros membros da irmandade sejam assim tão unidos quanto nós.
- Acredita que são – declarou Adronus.
- Quem nos viu e quem nos vê – disse Licus. – No começo disto tudo éramos apenas três rapazes assustados e eu até chorar, chorei.
- Se não tivesses chorado, nós não tínhamos dado por ti e ainda lá estavas!
Licus e Adronus riram.
- Foi Bandua quem lutou por nós!
No dia seguinte, tal como planeado fizeram o caminho inverso, agora mais rapidamente, devido ao facto de estarem montados. E, já com os seus preciosos troféus partiram ao encontro de Cilius e dos outros irmãos. Avistavam já o lugar, quando um grito horripilante, seguido pelo troar de um cavalo a galope cortou o silêncio da manhã. 
Pegando Licus pela gola da túnica, Burralus que surgira das trevas para reclamar a sua vingança, arremessou o pobre coitado contra um consistente tronco de árvore, deixando-o inconsciente. Dando meia volta, colocando-se de frente para os companheiros lançou uma trágula certeira que arrancou parte da orelha direita de Adronus, arremessando-o para a terra chã, onde permaneceu, açoitado por uma dor lancinante. Restava apenas Attanius para lhe fazer frente. 
Attanius desmontou, seguido por Burralus e as falcatas entrechocaram-se. Recuando uns passos, estudaram-se mutuamente. Destemido, Attanius avançou em frente erguendo a sua caetra, Burralus desviou-se ligeiro. Contudo, prevendo o movimento, Attanius golpeou baixo a fim de lhe atingir as pernas, mas Burralus mais uma vez esquivou-se habilmente, atacando de seguida com a caetra levantada e a falcata para baixo.
Os escudos chocaram com estrondo e Attanius aparou o golpe baixo. Empurraram-se mutuamente, tentando subjugar o outro. Attanius percebeu que Burralus era rápido e hábil e com isso recuou. Sem ter tempo que fosse para respirar,  Attanius viu Burralus a atacá-lo arrebatadamente e, embora, em dificuldade aparente acabou por suster com a sua caetra uma sucessão de golpes impulsivos.
Burralus obrigou Attainus a recuar novamente, desviando a direcção de um golpe a meio, procurou atingi-lo de novo por baixo. Desta vez conseguiu e Attanius vacilou, não ganhando para o susto, pois apenas havia sido atingido de raspão numa das polainas que surripiara a um dos cadáveres dos companheiros do seu oponente. Contudo descuidou a defesa e Burralus lançou a caetra sobre a sua, tentando derrubá-lo. De súbito movido pela raiva que sentia pelo biltre soltou toda a tensão que acumulara ao longo dos anos e gritou a bom gritar, e parecendo ter ganho nova vida empurrou-o violentamente com o escudo, acabando por libertar-se deste.
Burralus sabia agora que se quisesse levar Attanius de vencida que se tinha de aplicar ao máximo. Berrou e voltou a carregar sobre ele com todas as suas forças. E, este aparando as suas investidas ora com o escudo ora com a falcata foi recuando até que quando se preparava para contra atacar, com tudo o que tinha, tropeçou num sulco de terra e caiu desamparado. Burralus voltou a lâmina da sua falcata para baixo e deixou-a cair sobre o peito desprotegido de Attanius.
Burralus arfou e agarrado à trágula, a mesma que arremessara a Adronus, caiu sobre Attanius , que com um pontapé o atirou por terra, cada vez mais longe desta vida, tentando impedir que as suas entranhas lhe saíssem para fora do ventre. 
Quando Attanius se desequilibrou, caíra junto da trágula que jazia abandonada por terra. Vendo que Burralus vinha para cima de si, sem que este esperasse, ergueu-a fazendo com que este se empalasse a si próprio.
Chegados ao lugar onde a irmandade os aguardava, apresentaram os seus troféus a Cilius. Nem mais, nem menos que as cabeças daqueles que lhes haviam dado caça, tendo passado a prova com distinção. 
Como parte integrante da irmandade, os três companheiros e os demais escolhidos que também haviam regressado com troféus receberam dos sacerdotes, uma túnica, umas polainas e uma couraça, todas elas negras. Sobre a ultima uma corda com nós, simbolizando a sua amarração ao deus.
- Pois bem meus jovens irmãos chegou a hora de partirem e de deixarem para trás a vida que sempre conheceram, Bandua chama por vós. – Declarou o ancião. – Caturis conduzirá-vos-á ao vosso destino.
Ao ver o irmão, Adronus sorriu, abraçando-o.
- Onde nos levas irmão?
- Viriathus precisa de nós!

Ricardo Alves

sábado, 30 de agosto de 2014

Guerreiros Galaico - Lusitanos


Estas estátuas encontram-se por todo o noroeste peninsular, e simbolizam um guerreiro. Alguns autores atribuem a sua construção ao séc. I d.c. No entanto, outros arqueólogos como Thomas Schattner, consideram tratar-se de esculturas bem mais antigas.
Um dos argumentos que apontam para a época pré-romana, é o facto de algumas estátuas aparecerem com uma perna ligeiramente flectida, que à boa maneira greco-romana, indicam movimento. Pode portanto pensar-se numa evolução da técnica, com a chegada dos romanos.


Outro aspecto pouco referido pela maioria dos autores, é a profusa decoração existente nalguns exemplares. Encontram-se motivos geométricos em forma de “tartan”, ondas, trísceles e outras decorações, que nos sugerem a utilização de cores no tecido. A análise feita a algumas peças de teares pré-romanos sugerem a possibilidade de um grafismo semelhante ao tartan, que de resto não é nada de extraordinário, tratando-se de um hábito indo-europeu.



Guerreiro de Boticas

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Lendas associadas à fundação de Santarém

A lenda de Scalabis

Diz o mito que Ulisses passou por Lisboa durante a sua odisseia e fez um filho à princesa local, logo lançado ao Tejo pelo velho rei lusitano.
No entanto, em vez de o levar para o mar, o rio transportou o bebé para montante, onde gentilmente o depositou nas suas margens. Mais tarde, a criança coroar-se-ia rei e fundaria Santarém no local onde aportou e cresceu.

Antes da famosa cena do regresso a Ítaca (na imagem), Ulisses teria deixado um herdeiro, o futuro fundador de Santarém.
A lenda do nascimento de Santarém bebe inspiração na Bíblia e nas crónicas sobre a fundação de Roma.

A história leva-nos aos anos da Odisseia, quando o mítico herói grego Ulisses vagueou durante dez anos pelo mundo conhecido e desconhecido, antes de regressar ao seu reino, Ítaca. Entre1188 e 1178 a.C., portanto. Além das muitas aventuras contadas por Homero na sua obra épica, incontáveis outras brotaram nas regiões visitadas pelo mesmo homem que concebeu o truque do cavalo de Tróia. Da Itália continental às suas ilhas mediterrânicas, da Grécia à Espanha, passando pelo norte de África, não faltam lendas protagonizadas por Ulisses. Incluindo, claro está Portugal. Uma das mais conhecidas atribui a Ulisses a criação de Lisboa, e outra a de Santarém.

Clique aqui para ver: O mito de Ulisses na formação de Portugal


Há mais de três mil anos, reinaria então no local onde hoje se ergue Lisboa o rei lusitano Gorgoris, que significava “o Melícola”, cognome que lhe tinha sido atribuído por ter ensinado os seus súbditos a aproveitarem o mel dos favos das abelhas. Um dia, a frota de Ullisses entrou pela foz do Tejo e aportou junto à cidade e por aqui decidiu ficar algum tempo, a descansar, antes de partir, com a anuência do rei.

O notável convidado, como hóspede de honra, tinha todas as liberdades. Menos uma: meter-se com a única filha de Gorgoris. Como de costume, o fruto proibido tinha de ser colhido. O grego foi passando cada vez mais tempo com a bela Calipso até a amizade se tornar numa quente paixão.

A princesa engravidou, e assim que soube, o rei furibundo com o forasteiro que abusara da sua confiança e hospitalidade, mandou os seus homens prenderem-no e trazê-lo à sua presença, mas Ulisses foi mais lesto. Alguém lhe soprou o que aí vinha, e o soberano de Ítaca rapidamente saltou para o seu navio, ancorado no Tejo, e se pôs ao largo.

A fúria de Grogoris não se dissipou com o tempo. Pelo contrário. Quando o seu neto nasceu, este mandou pô-lo dentro duma cesta e atirá-la ao mesmo rio por onde Ulisses se havia ido. Que a corrente o levasse ao alto mar, como ao pai, amaldiçoou Gorgoris, sem se deixar comover pelas lágrimas de Calipso.

No entanto, a cesta não desceu o Tejo. A maré subia, nessa altura, e empurrou o bebé rio acima, até muito para lá das lezírias. Acabou preso nos juncos e foi encontrado por uma loba, que o amamentou e criou. O príncipe abandonado tornou-se um jovem forte e saudável, alimentando-se do peixe que apanhava no rio e das bagas que colhia nas suas margens.

Certo dia. Vinte anos depois, andavam uns caçadores lusitanos a deambular pela região quando depararam com a inusitada imagem de um rapaz que corria e saltava como os cervos – e também nu tal como eles. Intrigados, montaram uma armadilha e conseguiram capturá-lo. Levaram-no a Calipso. A princesa olhou para o jovem selvagem e logo viu a cicatriz que Gorgoris lhe causara à nascença, como marca para que nunca lhe conseguissem esconder a sua identidade.

Calipso teve pouco tempo para decidir o que fazer. Os caçadores espalharam a mensagem, de que o neto de Grogoris estava vivo e tinha sido encontrado, a qual depressa chegou aos ouvidos do velho rei. Desta vez, de humor apaziguado por duas décadas e com um problema de sucessão por resolver, Gorgoris decidiu educá-lo e prepará-lo para ocupar o trono, dando-lhe o nome de Abidis.

Abidis coroou-se rei assim que o avô morreu e reinou na região com sabedoria e justeza, ensinando a arte da agricultura a um povo que, até aí, vivia da caça e da pastorícia. Agradecido por tudo, o novo rei decidiu imediatamente fundar uma cidade nas margens do Tejo, no agreste local que o alimentara e onde crescera isolado do mundo. Deu-lhe o nome de Esca-Abidis,. Com o tempo Esca-Abidis passou a Scalabis, e é por isso que, hoje, os naturais de Santarém se chamam escalabitanos.

A freira de Tomar

Contudo, a antecedente lenda não é caso único, havendo uma outra mais tardia que também associa o Tejo a Santarém e está ligada à origem da nominação da cidade em questão. 


Conta-se que, em meados do sec.VII, quando os visigodos reinavam na maior parte da península, nasceu Irene, filha da nobreza de Nabância, frente a Tomar. A rapariga tornou-se uma belíssima mulher, mas, resistindo a todos os seus pretendentes, decidiu entrar num mosteiro cristão e fazer-se freira. A opção pela castidade não impediu o monge Remígio, seu tutor espiritual, de tentar seduzi-la. Irene nunca cedeu aos seus avanços, e Remígio, frustrado, mandou um dos seus servos trespassá-la pela lâmina de uma espada e atirá-la ao rio Nabão. O corpo despido de Irene foi arrastado pela corrente até ao Zêzere, e daí para o Tejo. Quando passou em frente a Scalabis, ficou imobilizado nas areias da cidade e aí a população o sepultou. A localidade passou, então, a ser conhecida por Santa Irene, e os mouros, que começaram a conquistar a Ibéria em 711, adaptaram o nome à sua língua, chamando-lhe Chantirein ou Chantarim – que por sua vez, evoluiu para Santarém. Mais tarde, no início do sec.XIV, D.Dinis, o sexto rei de Portugal, visitou a sepultura para aí mandar erguer um pedestal a Santa Irene. Conta-se que as águas do Tejo se abriram para deixar passar a comitiva real.


Este artigo é uma adaptação de um dos capítulos do livro Historias do Tejo, do jornalista Luís Ribeiro (A Esfera dos Livros, 2013) http://bit.ly/1hrY8Zc

In revista “Super Interessante” N.º195 Julho 2014 Págs. 14 e 15 L.R./A.R.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Guerreiro lusitano



Os guerreiros ibéricos são citados como tropas mercenárias na batalha de Hímera em 480 a.C.. Os mercenários ibéricos aparecem nos principais confrontos bélicos do Mediterrâneo, tornando-se num dos pilares dos exércitos do Mediterrâneo central. Estão presentes na batalha de Selinute, Agriento, Gela e Calamina. Surgem em outros conflitos na segunda guerra grego-púnica, na Sicília, em Siracusa, em Atenas e estão presentes na defesa de Esparta na batalha de Krimios, na Primeira Guerra Púnica, e com os púnicos no norte de África.18 Tito Lívio (218 a.C.) descreve os Lusitanos pela primeira vez como mercenários ao serviço dos cartagineses na guerra contra os romanos.


Os lusitanos foram considerados pelos historiadores como hábeis na luta de guerrilhas. Eram indivíduos jovens na plenitude da sua força e agilidade e seleccionados entre os mais fortes. Neles recai a defesa da comunidade quando está ameaçada. A preparação militar dos jovens guerreiros tinha lugar nas montanhas em lugares específicos.


O traje de um guerreiro lusitano era composto por um sago de lã (antigo saio militar) que os guerreiros usavam debaixo da couraça, geralmente de pele ou linho grosso. Como protecção serviam-se ainda depolainas, peça de vestuário em couro ou pele, para resguardar a parte inferior das pernas. Para protegerem os braços ao nivel dos bíceps usavam as virias.
A principal arma de um guerreiro lusitano era a falcata. Como protecção usavam as caetras,um pequeno escudo redondo com o tamanho de dois pés, muito boas também para atacar. Estas eram presas ao braço do guerreiro através de correias de couro ou correntes de ferro que lhe permitiam uma mobilidade acima da média. Para a luta corpo a corpo e também como arma para guerreiros montados, excelente para abrir e/ou rasgar armaduras, tinham ainda o soliferrum (Uma lança toda em ferro, mais ou menos com o tamanho de um homem, tendo em conta que os lusitanos eram baixos e um pouco atarracados). Como arma de arremeço usavam a trágula, uma lança de madeira apenas com a ponta em ferro ou bronze. Quando iam para combate apanhavam os seus compridos cabelos na nuca, cobrindo a sua face com pez ou um outro pigmento. Os seus trajes eram tingidos de escarlate por uma pigmento importado da Fenícia, o qual apenas muito mais tarde foi adoptado pelo exercito romano que na altura da republica trajava em tons de cinzento.

Mulheres guerreiras


Apiano relata que quando o pretor Brutus, ao perseguir Viriato, atacou as cidades da Lusitânia as mulheres lutavam e morriam valentemente lado a lado com os homens. Depreende-se que de alguma forma o treinamento militar também era dado às mulheres a quem recaia também a defesa dos castros.

Iuventus lusitana


A iuventus, uma organização paramilitar que preparava os jovens para a guerra, era uma adaptação urbana das fraternidades guerreiras da idade do bronze. A iuventus lusitana era formada por grupos de jovens, que recebiam treinamento militar e que provavelmente serviam como militares de reserva na defesa dos castros. Organizações similares encontravam-se entre os celtas, celtiberos e romanos.




Viriato - Novas perspectivas


Segundo a tradição, o herói nacional lusitano - Viriato - teria nascido no Monte Hermínio, desde há muito identificado com a nossa Serra da Estrela. Outra tradição diz que a aldeia serrana de Folgosinho, no concelho de Gouveia, localizada em plena Serra da Estrela, teria assistido ao nascimento de Viriato (vide O Interior 16-05-03).


No entanto, em nenhuma fonte antiga se encontra a afirmação que a pátria de Viriato era o Monte Hermínio. Segundo Jorge de Alarcão, apenas o historiador Diodoro Sículo se refere ao local de nascimento do herói, embora em termos vagos: "Viriato era um dos Lusitanos que viviam perto do Oceano e, tendo sido pastor desde a infância, era um montanhês experiente". De acordo com esta passagem apenas se sabe que Viriato era um "montanhês experiente". Mas qualquer associação à Serra da Estrela é uma mera hipótese que não tem qualquer prova escrita ou arqueológica a apoiá-la. Pelo contrário, as lutas lusitanas conduzidas por Viriato e os seus companheiros tinham como centro de acção a zona de Cáceres, localizada entre a Serra Morena e o Alto Guadiana e onde se situava a cidade de "Arse", conhecida como uma das principais cidades de Viriato. Já vimos, também, noutra ocasião que os povos Lusitanos se estendiam muito para além da fronteira portuguesa, para territórios actualmente espanhóis. Na região de Cáceres, mais precisamente, em Arrayo de la Luz, foi mesmo descoberta uma inscrição em língua lusitana semelhante à inscrição do Cabeço da Fráguas.
Face ao exposto, nenhum dado nos autoriza a afirmar que a Serra da Estrela foi a "Pátria de Viriato". No entanto, as vertentes orientais da Serra da Estrela terão sido ocupadas por povos Lusitanos que construíram as suas aldeias – os castros - em cabeços elevados e as fortificaram.


Os Lusitanos das montanhas da Beira e os seus vizinhos são descritos pelo geógrafo grego Estrabão. Na sua obra "Geografia", mais precisamente no seu livro III, escrito entre os anos 20 e 7 antes de Cristo, apresenta os povos do Norte da Península Ibérica, incluindo os Lusitanos: "Dizem que os "Lysitanoí" são hábeis nas emboscadas e nas perseguições, ágeis, espertos e dissimulados. O seu escudo é pequeno, de dois pés de diâmetro, e côncavo pelo lado interior: levam-no suspenso à frente com correias e não tem, ao que parece, braçadeiras ou asas. Vão armados, também, de um punhal ou faca; a maior parte leva couraças de linho e, alguns, cota de malha e capacetes de três penachos. Outros cobrem-se com tecidos de nervos; alguns servem-se de lanças com ponta de bronze". Prosseguindo a sua descrição diz que: "…Todos os habitantes da montanha são sombrios: não bebem senão água, dormem no solo e usam cabelos compridos ao modo feminino. Para combater cingem a frente com uma fita".


Viriato seria um destes Lusitanos das montanhas da Beira ou das montanhas de Cáceres. Para muitos autores espanhóis, Viriato é originário das serras espanholas. Para muitos portugueses não há dúvida que Viriato nasceu na maior montanha portuguesa. Esperemos que a arqueologia venha a trazer novos dados sobre o assunto. Para tal é necessário apostar na investigação dos muito mal conhecidos povoados Lusitanos da Beira Interior e do seu território.

Para aprofundar o tema ver Jorge de Alarcão - Novas perspectivas sobre os Lusitanos (e os outros mundos). Revista Portuguesa de Arqueologia. Volume 4, n.º 2. 2001.

Por: Manuel Sabino Perestrelo

quinta-feira, 12 de junho de 2014

O Basto


Por artes que não vêm ao caso, a escultura jacente e acéfala de um guerreiro lusitano, oriunda da Galiza e datada do século I a.C., há muito foi posta de pé no coração de Cabeceiras de Basto. E, no correr dos tempos, acrescentada: sobre o pequeno escudo circular, com a inscrição «Ponte de S. Miguel de Refoyos 1612»; já no século XIX, com um estupendo par de botas de montar, um facies e uma bigodaça de granadeiro e a barretina de quem ousou enfrentar as tropas de Napoleão. Ali ficou, encostada à parede, devotamente baptizada - o Basto.
Também outrora se roubavam pedras às ruinas dos castelos para fabricar as lareiras dos lares. Há neste portuguesíssimo desrespeito pelo património histórico (no arquelógico caso de o Basto, as estátuas gémeas terão todas permanecido do outro lado do Minho...) qualquer coisa do mais sincero carinho. Em redor do lar se reune a família, enregelada e esfomeada; naquele pitoresco o Basto se revê a região inteira, prenhe de lendas, tradições, episódios de coragem, valentia e resistência - assim catita, meio Viriato meio Gomes Freire, general por inteiro, o Basto foi elevado à dignidade de um símbolo!
E tudo as gerações acabam por perdoar, deixando crescer acima do pecadilho os mimos devidos aos adoptados. Quem ponderaria restituir hoje o Basto às suas origens, à sua essência? Quem enfrentaria, po isso, as hostes, reunidas em fúria, de Cabeceiras, Celorico e Mondim?
Pois se até as torres de Ofir ou o mamarracho Coutinho de Viana vieram para ficar...

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Calendário de Feiras e Mercados Medievais 2014

Algumas das feiras mais populares em Portugal não são exclusivamente medievais, e retratam por vezes também outros períodos da história. Em 2014 serão dezenas de diferentes Feiras Medievais ou Históricas a acontecer em Portugal.


Março

  • 14 a 16 - Feira Medieval de Torre de Moncorvo
  • 21 a 23 - Arzila Medieval
  • 28 a 30 - Mercado Medieval de Santarém

Abril

  • 3 a 6 - Feira Medieval de Évora
  • 4 a 6 - Feira Medieval de Fronteira (Portalegre); Feira Quinhentista e Entrega do Foral (Aveiro),
  • 11 a 13 - Mercado Medieval de Vila do Conde
  • 12 e 13 - Mercado Medieval de Pombal
  • 13 - Mercado Romano do Rabaçal (Coimbra)
  • 17 a 20 - Feira Medieval da Figueira da Foz
  • 18 e 19 - On Troia Mercado Romano
  • 18 a 21 - Mercado Nazareno de Santo Tirso
  • 26 e 27 - Feira Medieval Sefardita de Castelo Mendo (Guarda)
  • 27 - Entrega do Foral Manuelino de Tábua (Coimbra)

Maio

  • 3 e 4 - Mercado Quinhentista Alcachafe (Mangualde); Portucale Fidelis (Santarém)
  • 9 a 11 - Feira Medieval de Avis (Portalegre)
  • 15 a 18 - Feira Medieval de Póvoa de Lanhoso
  • 16 a 18 - Feira Quinhentista de Almodovar (Beja)
  • 17 - Feira Medieval de Estremoz (Évora)
  • 21 a 25 - Braga Romana
  • 22 a 25 - Feira Templária em Tomar
  • 24 e 25 - Feira Medieval de Penela (Coimbra)
  • 29 a 31 - Alhos Vedros Medieval (Setúbal); Feira Medieval de Barcelos
  • 30 e 31 - Feira Medieval de Moreira da Maia, Mercado Romano (Porto)

Junho

  • 1 - Alhos Vedros Medieval (Setúbal); Feira Medieval de Moreira da Maia; Mercado Romano (Porto)
  • 5 a 8 - Feira Medieval de Torres Novas
  • 6 a 8 - Feira Medieval de Vilar de Andorinho (Gaia)
  • 6 a 9 - Vizela Romana
  • 7 a 10 - Feira Medieval de Monte Real (Leiria)
  • 7 e 8 - Mercado Setecentista de Arruda dos Vinhos (Lisboa)
  • 11 a 15 - Feira Medieval de Lamego
  • 20 a 22 - Feira Medieval de Linda-a-Velha
  • 21 e 22 - Feira Medieval de Belver (Portalegre)
  • 27 a 29 - Feira Feira à Moda Antiga de Amarante

Julho

  • 4 a 6 - Feira Medieval de Penedono (Viseu)
  • 10 a 13, 17 a 20, 24 a 27 e 31 - Mercado Medieval de Óbidos
  • 18 a 20 - Galaicofolia de Esposende
  • 23 a 26 - Feira Medieval de Caminha
  • 31 - Viagem Medieval em Terra de Santa Maria da Feira

Agosto

  • 1 a 10 de agosto - Viagem Medieval em Terra de Santa Maria da Feira
  • 1 a 3 - Feira Medieval de Óbidos; Feira Quinhentista da Ribeira Grande (Ponta Delgada)
  • 2 e 3 - Feira Medieval de Arcozelo (Viana do Castelo)
  • 8 a 10 - Feira Medieval de Castelo do Neiva (Viana do Castelo)
  • 8 a 17 - Feira Medieval de Silves
  • 13 a 17 - Feira Medieval de Aljubarrota
  • 14 a 17 - Feira Medieval de Belmonte (Castelo Branco)
  • 21 a 24 - Festa da História (Vila Nova de Cerveira)
  • 29 a 31 - Mercado Medieval da Póvoa do Varzim

Setembro

  • 4 a 7 - Feira Medieval de Castelo de Vide (Portalegre)
  • 5 a 7 - Mercado Pombalino de S. João da Pesqueira (Viseu)
  • 6 e 7 - Feira Medieval de Portel (Évora)
  • 11 a 14 - Feira Medieval do Porto
  • 19 a 21 - Alvalade Medieval (Setúbal)
  • 20 e 21 - Feira Afonsina de Guimarães

Feiras Medievais em Portugal

Distribuídas normalmente no calendário entre os meses de março e dezembro, as Feiras Medievais e Históricas retratam histórias, artes e ofícios das populações na idade média, e permitem apreciar tradições recriadas, com maior ou menor precisão, de uma forma muito visual e atrativa. É comum as feiras medievais recriarem eventos históricos de relevo em Portugal.