Em plena crise, o pensamento inquieta-se e interroga-se; ele pesquisa as causas mais profundas do mal que atinge a nossa vida social, politica, económica e moral.
As correntes de ideias, de sentimentos e interesses chocam brutalmente, e deste choque resulta um estado de perturbação, de confusão e de desordem que paralisa toda a iniciativa e se traduz na incapacidade de encontrarmos soluções para os nossos males.
Portugal perdeu a consciência de si mesmo, da sua origem, do seu génio e do seu papel, de herói intrépido, no mundo. Chegou a hora do despertar, do renascimento, de eliminar a triste herança que os povos do velho mundo nos deixaram, as bafientas formas de opressão monárquicas e teocráticas, a centralização burocrática e administrativa latina, com as habilidades, os subterfúgios da sua politica e dos seus vícios, toda esta corrupção que nos tolda a alma e a mente.
Para reencontrar a unidade moral, a nossa própria consciência, o sentido profundo do nosso papel e do nosso destino, isto é, tudo o que torna uma nação forte, bastaria a nós portugueses eliminar as falsas teorias e os sofismas que nos obscurecem o caminho de ascensão à luz, voltando à nossa própria natureza. Às nossas origens étnicas, ao nosso génio primitivo, numa palavra, à rica e ancestral tradição lusitana e/ou celtibera, agora enriquecida pelo trabalho e o progresso dos séculos.
Um país, uma nação, um povo sem conhecimento, saliência do seu passado histórico, origem e cultura, é como uma árvore sem raízes. Estéril e incapaz de dar frutos.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Lendas associadas à fundação de Santarém

A lenda de Scalabis

Diz o mito que Ulisses passou por Lisboa durante a sua odisseia e fez um filho à princesa local, logo lançado ao Tejo pelo velho rei lusitano.
No entanto, em vez de o levar para o mar, o rio transportou o bebé para montante, onde gentilmente o depositou nas suas margens. Mais tarde, a criança coroar-se-ia rei e fundaria Santarém no local onde aportou e cresceu.

Antes da famosa cena do regresso a Ítaca (na imagem), Ulisses teria deixado um herdeiro, o futuro fundador de Santarém.
A lenda do nascimento de Santarém bebe inspiração na Bíblia e nas crónicas sobre a fundação de Roma.

A história leva-nos aos anos da Odisseia, quando o mítico herói grego Ulisses vagueou durante dez anos pelo mundo conhecido e desconhecido, antes de regressar ao seu reino, Ítaca. Entre1188 e 1178 a.C., portanto. Além das muitas aventuras contadas por Homero na sua obra épica, incontáveis outras brotaram nas regiões visitadas pelo mesmo homem que concebeu o truque do cavalo de Tróia. Da Itália continental às suas ilhas mediterrânicas, da Grécia à Espanha, passando pelo norte de África, não faltam lendas protagonizadas por Ulisses. Incluindo, claro está Portugal. Uma das mais conhecidas atribui a Ulisses a criação de Lisboa, e outra a de Santarém.

Clique aqui para ver: O mito de Ulisses na formação de Portugal


Há mais de três mil anos, reinaria então no local onde hoje se ergue Lisboa o rei lusitano Gorgoris, que significava “o Melícola”, cognome que lhe tinha sido atribuído por ter ensinado os seus súbditos a aproveitarem o mel dos favos das abelhas. Um dia, a frota de Ullisses entrou pela foz do Tejo e aportou junto à cidade e por aqui decidiu ficar algum tempo, a descansar, antes de partir, com a anuência do rei.

O notável convidado, como hóspede de honra, tinha todas as liberdades. Menos uma: meter-se com a única filha de Gorgoris. Como de costume, o fruto proibido tinha de ser colhido. O grego foi passando cada vez mais tempo com a bela Calipso até a amizade se tornar numa quente paixão.

A princesa engravidou, e assim que soube, o rei furibundo com o forasteiro que abusara da sua confiança e hospitalidade, mandou os seus homens prenderem-no e trazê-lo à sua presença, mas Ulisses foi mais lesto. Alguém lhe soprou o que aí vinha, e o soberano de Ítaca rapidamente saltou para o seu navio, ancorado no Tejo, e se pôs ao largo.

A fúria de Grogoris não se dissipou com o tempo. Pelo contrário. Quando o seu neto nasceu, este mandou pô-lo dentro duma cesta e atirá-la ao mesmo rio por onde Ulisses se havia ido. Que a corrente o levasse ao alto mar, como ao pai, amaldiçoou Gorgoris, sem se deixar comover pelas lágrimas de Calipso.

No entanto, a cesta não desceu o Tejo. A maré subia, nessa altura, e empurrou o bebé rio acima, até muito para lá das lezírias. Acabou preso nos juncos e foi encontrado por uma loba, que o amamentou e criou. O príncipe abandonado tornou-se um jovem forte e saudável, alimentando-se do peixe que apanhava no rio e das bagas que colhia nas suas margens.

Certo dia. Vinte anos depois, andavam uns caçadores lusitanos a deambular pela região quando depararam com a inusitada imagem de um rapaz que corria e saltava como os cervos – e também nu tal como eles. Intrigados, montaram uma armadilha e conseguiram capturá-lo. Levaram-no a Calipso. A princesa olhou para o jovem selvagem e logo viu a cicatriz que Gorgoris lhe causara à nascença, como marca para que nunca lhe conseguissem esconder a sua identidade.

Calipso teve pouco tempo para decidir o que fazer. Os caçadores espalharam a mensagem, de que o neto de Grogoris estava vivo e tinha sido encontrado, a qual depressa chegou aos ouvidos do velho rei. Desta vez, de humor apaziguado por duas décadas e com um problema de sucessão por resolver, Gorgoris decidiu educá-lo e prepará-lo para ocupar o trono, dando-lhe o nome de Abidis.

Abidis coroou-se rei assim que o avô morreu e reinou na região com sabedoria e justeza, ensinando a arte da agricultura a um povo que, até aí, vivia da caça e da pastorícia. Agradecido por tudo, o novo rei decidiu imediatamente fundar uma cidade nas margens do Tejo, no agreste local que o alimentara e onde crescera isolado do mundo. Deu-lhe o nome de Esca-Abidis,. Com o tempo Esca-Abidis passou a Scalabis, e é por isso que, hoje, os naturais de Santarém se chamam escalabitanos.

A freira de Tomar

Contudo, a antecedente lenda não é caso único, havendo uma outra mais tardia que também associa o Tejo a Santarém e está ligada à origem da nominação da cidade em questão. 


Conta-se que, em meados do sec.VII, quando os visigodos reinavam na maior parte da península, nasceu Irene, filha da nobreza de Nabância, frente a Tomar. A rapariga tornou-se uma belíssima mulher, mas, resistindo a todos os seus pretendentes, decidiu entrar num mosteiro cristão e fazer-se freira. A opção pela castidade não impediu o monge Remígio, seu tutor espiritual, de tentar seduzi-la. Irene nunca cedeu aos seus avanços, e Remígio, frustrado, mandou um dos seus servos trespassá-la pela lâmina de uma espada e atirá-la ao rio Nabão. O corpo despido de Irene foi arrastado pela corrente até ao Zêzere, e daí para o Tejo. Quando passou em frente a Scalabis, ficou imobilizado nas areias da cidade e aí a população o sepultou. A localidade passou, então, a ser conhecida por Santa Irene, e os mouros, que começaram a conquistar a Ibéria em 711, adaptaram o nome à sua língua, chamando-lhe Chantirein ou Chantarim – que por sua vez, evoluiu para Santarém. Mais tarde, no início do sec.XIV, D.Dinis, o sexto rei de Portugal, visitou a sepultura para aí mandar erguer um pedestal a Santa Irene. Conta-se que as águas do Tejo se abriram para deixar passar a comitiva real.


Este artigo é uma adaptação de um dos capítulos do livro Historias do Tejo, do jornalista Luís Ribeiro (A Esfera dos Livros, 2013) http://bit.ly/1hrY8Zc

In revista “Super Interessante” N.º195 Julho 2014 Págs. 14 e 15 L.R./A.R.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Guerreiro lusitano



Os guerreiros ibéricos são citados como tropas mercenárias na batalha de Hímera em 480 a.C.. Os mercenários ibéricos aparecem nos principais confrontos bélicos do Mediterrâneo, tornando-se num dos pilares dos exércitos do Mediterrâneo central. Estão presentes na batalha de Selinute, Agriento, Gela e Calamina. Surgem em outros conflitos na segunda guerra grego-púnica, na Sicília, em Siracusa, em Atenas e estão presentes na defesa de Esparta na batalha de Krimios, na Primeira Guerra Púnica, e com os púnicos no norte de África.18 Tito Lívio (218 a.C.) descreve os Lusitanos pela primeira vez como mercenários ao serviço dos cartagineses na guerra contra os romanos.


Os lusitanos foram considerados pelos historiadores como hábeis na luta de guerrilhas. Eram indivíduos jovens na plenitude da sua força e agilidade e seleccionados entre os mais fortes. Neles recai a defesa da comunidade quando está ameaçada. A preparação militar dos jovens guerreiros tinha lugar nas montanhas em lugares específicos.


O traje de um guerreiro lusitano era composto por um sago de lã (antigo saio militar) que os guerreiros usavam debaixo da couraça, geralmente de pele ou linho grosso. Como protecção serviam-se ainda depolainas, peça de vestuário em couro ou pele, para resguardar a parte inferior das pernas. Para protegerem os braços ao nivel dos bíceps usavam as virias.
A principal arma de um guerreiro lusitano era a falcata. Como protecção usavam as caetras,um pequeno escudo redondo com o tamanho de dois pés, muito boas também para atacar. Estas eram presas ao braço do guerreiro através de correias de couro ou correntes de ferro que lhe permitiam uma mobilidade acima da média. Para a luta corpo a corpo e também como arma para guerreiros montados, excelente para abrir e/ou rasgar armaduras, tinham ainda o soliferrum (Uma lança toda em ferro, mais ou menos com o tamanho de um homem, tendo em conta que os lusitanos eram baixos e um pouco atarracados). Como arma de arremeço usavam a trágula, uma lança de madeira apenas com a ponta em ferro ou bronze. Quando iam para combate apanhavam os seus compridos cabelos na nuca, cobrindo a sua face com pez ou um outro pigmento. Os seus trajes eram tingidos de escarlate por uma pigmento importado da Fenícia, o qual apenas muito mais tarde foi adoptado pelo exercito romano que na altura da republica trajava em tons de cinzento.

Mulheres guerreiras


Apiano relata que quando o pretor Brutus, ao perseguir Viriato, atacou as cidades da Lusitânia as mulheres lutavam e morriam valentemente lado a lado com os homens. Depreende-se que de alguma forma o treinamento militar também era dado às mulheres a quem recaia também a defesa dos castros.

Iuventus lusitana


A iuventus, uma organização paramilitar que preparava os jovens para a guerra, era uma adaptação urbana das fraternidades guerreiras da idade do bronze. A iuventus lusitana era formada por grupos de jovens, que recebiam treinamento militar e que provavelmente serviam como militares de reserva na defesa dos castros. Organizações similares encontravam-se entre os celtas, celtiberos e romanos.




Viriato - Novas perspectivas


Segundo a tradição, o herói nacional lusitano - Viriato - teria nascido no Monte Hermínio, desde há muito identificado com a nossa Serra da Estrela. Outra tradição diz que a aldeia serrana de Folgosinho, no concelho de Gouveia, localizada em plena Serra da Estrela, teria assistido ao nascimento de Viriato (vide O Interior 16-05-03).


No entanto, em nenhuma fonte antiga se encontra a afirmação que a pátria de Viriato era o Monte Hermínio. Segundo Jorge de Alarcão, apenas o historiador Diodoro Sículo se refere ao local de nascimento do herói, embora em termos vagos: "Viriato era um dos Lusitanos que viviam perto do Oceano e, tendo sido pastor desde a infância, era um montanhês experiente". De acordo com esta passagem apenas se sabe que Viriato era um "montanhês experiente". Mas qualquer associação à Serra da Estrela é uma mera hipótese que não tem qualquer prova escrita ou arqueológica a apoiá-la. Pelo contrário, as lutas lusitanas conduzidas por Viriato e os seus companheiros tinham como centro de acção a zona de Cáceres, localizada entre a Serra Morena e o Alto Guadiana e onde se situava a cidade de "Arse", conhecida como uma das principais cidades de Viriato. Já vimos, também, noutra ocasião que os povos Lusitanos se estendiam muito para além da fronteira portuguesa, para territórios actualmente espanhóis. Na região de Cáceres, mais precisamente, em Arrayo de la Luz, foi mesmo descoberta uma inscrição em língua lusitana semelhante à inscrição do Cabeço da Fráguas.
Face ao exposto, nenhum dado nos autoriza a afirmar que a Serra da Estrela foi a "Pátria de Viriato". No entanto, as vertentes orientais da Serra da Estrela terão sido ocupadas por povos Lusitanos que construíram as suas aldeias – os castros - em cabeços elevados e as fortificaram.


Os Lusitanos das montanhas da Beira e os seus vizinhos são descritos pelo geógrafo grego Estrabão. Na sua obra "Geografia", mais precisamente no seu livro III, escrito entre os anos 20 e 7 antes de Cristo, apresenta os povos do Norte da Península Ibérica, incluindo os Lusitanos: "Dizem que os "Lysitanoí" são hábeis nas emboscadas e nas perseguições, ágeis, espertos e dissimulados. O seu escudo é pequeno, de dois pés de diâmetro, e côncavo pelo lado interior: levam-no suspenso à frente com correias e não tem, ao que parece, braçadeiras ou asas. Vão armados, também, de um punhal ou faca; a maior parte leva couraças de linho e, alguns, cota de malha e capacetes de três penachos. Outros cobrem-se com tecidos de nervos; alguns servem-se de lanças com ponta de bronze". Prosseguindo a sua descrição diz que: "…Todos os habitantes da montanha são sombrios: não bebem senão água, dormem no solo e usam cabelos compridos ao modo feminino. Para combater cingem a frente com uma fita".


Viriato seria um destes Lusitanos das montanhas da Beira ou das montanhas de Cáceres. Para muitos autores espanhóis, Viriato é originário das serras espanholas. Para muitos portugueses não há dúvida que Viriato nasceu na maior montanha portuguesa. Esperemos que a arqueologia venha a trazer novos dados sobre o assunto. Para tal é necessário apostar na investigação dos muito mal conhecidos povoados Lusitanos da Beira Interior e do seu território.

Para aprofundar o tema ver Jorge de Alarcão - Novas perspectivas sobre os Lusitanos (e os outros mundos). Revista Portuguesa de Arqueologia. Volume 4, n.º 2. 2001.

Por: Manuel Sabino Perestrelo