Em plena crise, o pensamento inquieta-se e interroga-se; ele pesquisa as causas mais profundas do mal que atinge a nossa vida social, politica, económica e moral.
As correntes de ideias, de sentimentos e interesses chocam brutalmente, e deste choque resulta um estado de perturbação, de confusão e de desordem que paralisa toda a iniciativa e se traduz na incapacidade de encontrarmos soluções para os nossos males.
Portugal perdeu a consciência de si mesmo, da sua origem, do seu génio e do seu papel, de herói intrépido, no mundo. Chegou a hora do despertar, do renascimento, de eliminar a triste herança que os povos do velho mundo nos deixaram, as bafientas formas de opressão monárquicas e teocráticas, a centralização burocrática e administrativa latina, com as habilidades, os subterfúgios da sua politica e dos seus vícios, toda esta corrupção que nos tolda a alma e a mente.
Para reencontrar a unidade moral, a nossa própria consciência, o sentido profundo do nosso papel e do nosso destino, isto é, tudo o que torna uma nação forte, bastaria a nós portugueses eliminar as falsas teorias e os sofismas que nos obscurecem o caminho de ascensão à luz, voltando à nossa própria natureza. Às nossas origens étnicas, ao nosso génio primitivo, numa palavra, à rica e ancestral tradição lusitana e/ou celtibera, agora enriquecida pelo trabalho e o progresso dos séculos.
Um país, uma nação, um povo sem conhecimento, saliência do seu passado histórico, origem e cultura, é como uma árvore sem raízes. Estéril e incapaz de dar frutos.

terça-feira, 12 de abril de 2016

Arte Pagã Contemporânea - O que é?


- Toda Arte Contemporânea é pagã; respondeu-me um filósofo, surpreendido com a pergunta. Afinal, há muito que as vinculações religiosas não são mais uma necessidade para a arte. Resposta que não me surpreendeu, num primeiro instante, pois a palavra “pagão” passou a assemelhar-se à palavra“ateu”, ganhando o significado daquele que “não é cristão” ou que não recebeu o baptismo. Assim a palavra tem sido compreendida no mundo judaico cristão, mas se retrocedermos um pouco e atentarmos para a etimologia, veremos que paganus significa “do campo” ou ainda “morador do campo”. E também tem o significado extra de "civil", ou seja, pessoa que não mantém relações com o militarismo, o que nos faz lembrar da natural postura anárquica do pagão (no sentido político que é dado à palavra “anarquia”, é claro).

Obviamente usamos o sentido original da palavra "pagão", deixando de lado o seu significado corrompido. Acrescentando-lhe ainda outros significados, já que uma postura pagã frente à vida tem-se vindo a enraizar na sociedade actual, não se restringindo mais nem  à etimologia original, acima referida, invadindo o campo das realizações e reflexões humanas em diversas áreas de actuação. Deixando-se de lado a apropriação da palavra “paganismo” feita pela Igreja, descortina-se um imenso leque de possibilidades. No entanto, a excessiva proficuidade do termo é também um factor que levanta dificuldades, porque, afinal, o que seria Arte Pagã Contemporânea? Um olhar pagão sobre o mundo? Caracterizar-se-ia pela escolha dos suportes? Pelo que é representado? Um determinado estilo? Uma arte engajada? Uma arte interdisciplinar? Definir-se-ia pela decifração de um determinado Imaginário?

Cumpre primeiro procurar definir o que é paganismo na contemporaneidade e observar como a Arte vai se apropriando disso.

Se a alma pagã é a mesma através dos tempos, a sua materialização se insere em outra leitura do mundo; estamos no século XXI. O pagão é um panteísta - os deuses são a natureza do mundo - e, antes de tudo, um animista - as coisas naturais são todas animadas, tem vida. O pensamento pagão é mágico, por excelência. Os deuses pulsam em nós e ao nosso redor. O prazer é lícito, a fruição necessária. O poder do pagão é o exercício pleno da sua vontade. Comprometido com a Natureza, assim como preserva a sua vida, encara o mundo como uma grande rede que a tudo permeia e no qual as suas acções fazem toda a diferença.

A Arte Pagã Contemporânea absorve as tecnologias, os avanços e aprecia a evolução dos tempos. Mas guarda a essência pagã, que existe há milénios. Para ser mais exacto, a alma pagã, o paganismo como filosofia de vida, é Extemporâneo, assim como a Natureza é atemporal, perene em sua magnitude, embora em constante mutação - a única coisa que não muda é a mudança, é bom lembrar. O Paganismo escapa às particularidades do mundo presente exactamente porque não se localiza em lugar algum do tempo; o que a alma pagã tem de mais peculiar, é que pertence a todos os tempos. A palavra "Contemporâneo" neste contexto apenas indica o uso de materiais dos tempos actuais, assim como antes foram usados os materiais do passado: o mármore das esculturas gregas e os pigmentos da pintura rupestre.

Podemos pensar no que nos diz o filósofo Schweppenhäuser, ao se reportar ao distanciamento humano em relação à Natureza:

“O distanciamento da natureza através da moderna racionalidade é o meio de sua dominação, que, entretanto, não produz liberdade, mas sim o retorno violento da natureza esquecida, reprimida. Assim, a dominação da natureza torna-se irmã gémea da sua decadência”.

Absorvemos a tecnologia porque não encaramos a racionalidade como algo separado do corpo, contrariando o ponto de partida dualista do filósofo. E porque os instrumentos são prolongamentos dos nossos gestos. O difícil é a justa medida, saber temperar as necessidades da Terra com a sede pelo domínio tecnológico que, não raro, ultrapassa as fronteiras do permissível. Dominando a Terra e o Corpo, considerados aprisionamentos do Homem, a Alma e o Espírito se soltariam, para cumprir a sua verdadeira Missão: a de uma racionalidade canhestra, ou de uma religiosidade tapada. Este é o império das Religiões, dos inúmeros re-ligares que observamos em ação e dos excessos cometidos em nome da Ciência. O retorno da Natureza esquecida, vilipendiada, é sempre violento, principalmente no âmago, no inconsciente do ser humano. Dominar a natureza é causar o seu estrago e nesse sentido, apesar do didactismo de uma separação entre a realidade e a natureza, é impossível não concordar com Schweppenhäuser.

É uma das funções críticas da Arte reflectir sobre essa questão. Eduard Kac, por exemplo, ao trabalhar com a Arte Bio telemática e a Arte Transgénica, questiona a apropriação do uso da genética em Arte e levanta questões de cunho ético e social que dizem respeito à apropriação excessiva da Natureza pela tecnologia.

O Paganismo Contemporâneo busca repensar o que ainda se costuma ver como dicotomia: corpo e espírito estão juntos e não separados. Ainda dentro de uma lógica e filosofia marxista, cantou a bola o visionário Oswald de Andrade : a vida primitiva integrada na civilização, criando a sua síntese. A vida primitiva de que fala Oswald é, a meu ver, a alma secular pagã.

Existe uma correlação, uma cooperação entre o homem e máquina, que pode ser traduzido em gesto, em Linguagem, em Arte. Então, temos incluídas no paganismo contemporâneo também as propostas de uma arte da cibercultura, uma percepção física de um modelo teórico e a compreensão formal das sensações físicas.

Os deuses não negam a máquina, os avanços, as possibilidades inúmeras da criação humana. Não é mais possível ressentir-se com o que está feito, somos agentes do mundo presente e nos cabe a tarefa de preservar a Terra com inteligência, respeitando e fluindo nos seus ritmos diversos. E procurando coibir abusos contra a Natureza, que também é a nossa Natureza Humana. E a melhor crítica sempre foi, através de todos os tempos, a Arte.

O Paganismo Contemporâneo nesse sentido faz uso do que é essencialmente anárquico, no melhor sentido do termo: auto gestão e responsabilidade.

Procurando responder às questões levantadas no início deste artigo, podemos dizer que se incluem no Paganismo Contemporâneo a EcoArt, a LandArt, a pintura matérica. O uso de materiais naturais, recicláveis e reciclados; nas Artes Plásticas, a paisagem como suporte para intervenções. Na música, os ritmos tribais, a boa World Music, as temáticas autócnes, as danças sagradas, os mantras pessoais. Na literatura, a poesia de fôlego, intensa, muitas vezes desencanada, de sentido libertário - mas concebida com rigor - e identificada com as aspirações do seu tempo. A Arte Pagã Contemporânea se associa aos mitos e ritos e está imbuída de Magia, a sua Mãe, a temática primordial.
Seria então toda Arte Contemporânea, pagã?


Talvez seja muito cedo para definir, muito cedo para vislumbrar ou tentar cercear o que seja uma expressão que encerra três palavras tão abrangentes e complexas.