Em plena crise, o pensamento inquieta-se e interroga-se; ele pesquisa as causas mais profundas do mal que atinge a nossa vida social, politica, económica e moral.
As correntes de ideias, de sentimentos e interesses chocam brutalmente, e deste choque resulta um estado de perturbação, de confusão e de desordem que paralisa toda a iniciativa e se traduz na incapacidade de encontrarmos soluções para os nossos males.
Portugal perdeu a consciência de si mesmo, da sua origem, do seu génio e do seu papel, de herói intrépido, no mundo. Chegou a hora do despertar, do renascimento, de eliminar a triste herança que os povos do velho mundo nos deixaram, as bafientas formas de opressão monárquicas e teocráticas, a centralização burocrática e administrativa latina, com as habilidades, os subterfúgios da sua politica e dos seus vícios, toda esta corrupção que nos tolda a alma e a mente.
Para reencontrar a unidade moral, a nossa própria consciência, o sentido profundo do nosso papel e do nosso destino, isto é, tudo o que torna uma nação forte, bastaria a nós portugueses eliminar as falsas teorias e os sofismas que nos obscurecem o caminho de ascensão à luz, voltando à nossa própria natureza. Às nossas origens étnicas, ao nosso génio primitivo, numa palavra, à rica e ancestral tradição lusitana e/ou celtibera, agora enriquecida pelo trabalho e o progresso dos séculos.
Um país, uma nação, um povo sem conhecimento, saliência do seu passado histórico, origem e cultura, é como uma árvore sem raízes. Estéril e incapaz de dar frutos.

Bosque sagrado


Para os antigos pagãos os bosques eram sagrados, pois era lá que idolatravam as suas divindades e deidades. Os espiritos das árvores, plantas e animais ensinavam e protegiam. As pedras e  as águas gélidas dos rios  revelavam misterios.

A religião na antiga Lusitânia




Embora fossem um povo com forte influencia celta, não se reconhece a existência de Druidas entre os Lusitanos. No entanto é certo que teriam um género de classe sacerdotal, constituída por homens e mulheres sábios, os quais presidiam aos mais variados rituais de carácter religioso, tais como casamentos, baptizados e festivais sazonais. O festival mais conhecido entre os clãs lusitanos era a festa de Bel, semelhante ao Beltane celta que era um antigo festival lunar de fertilidade, festejado no primeiro dia de Verão. A estes homens dava-se o nome, consoante a região e o clã de onde eram provenientes, de homens da árvore, serpentes ou ainda corvos. A imolação era uma realidade entre si, quando não eram apenas cortadas as mãos aos prisioneiros de guerra, estes eram oferecidos em sacrifício aos Deuses, sendo geralmente arremessados de um precipício ou escarpa.




Os três principais Deuses lusitanos:


ARENCIA (ARENTIA, ARANTIA, ARENGIA) – Deusa guerreira Lusitana, Ela representa a vitória dos que lutam pelo seu povo. Ela é a esposa de Arencio, e é representada por uma égua.


ARENCIO (ARENGIOTANGINAECO, ARENTIO, ARENTIUS, ARANTIO) – Deus da Guerra e nacional dos Lusitanos. Representa a força. Juntamente com sua esposa, a Deusa Arencia, formam o par divino principal dos Lusitanos.


QUANGEIO (QUANGEIUS, KUANIKIO) – Deus criador, da fertilidade, dos campos e protector dos animais. É o terceiro Deus mais importante dos Lusitanos.




TREBARUNA (TREBARUNE, TRIBORUNIS, TRIBORUNNI, TRIBARONA) – Deusa Guerreira e Protectora dos heróis, é também a Protectora da propriedade, do Lar e das Famílias. É a divindade feminina mais importante do Panteão Lusitano, esposa de Brigo, Ela é a Deusa lunar e do destino.

Outros Deuses


BRIGO (BRIGUS) – Deus da Criação. É um Deus protector e fomentador da civilização humana. É o destruidor do caos, das trevas e do inferno, está ligado à criação do Cosmo. É o símbolo da vitória do homem racial sobre a natureza selvagem. Ele representa a ordem, a estabilidade e a felicidade. Os cristãos adoptaram-no como S. Miguel que vence o dragão. É o esposo de Trebaruna.


DURBEDICO (DURBEDICUS, DURBEICUS) – Deus ligado a cultos aquáticos. É uma divindade dos rios, lagos e fontes, assim como do tempo e da chuva.


ICCONA (ICCONALOIMINA, EPONA) – Deusa guerreira e dos cavalos, muito venerada pelas tribos Lusitanas que vivem nas montanhas ocidentais.


LURU (LURUNI, LURUNIO) – Deus dos infernos ligado aos cultos ctónicos. Deus da morte que liberta os vivos do seu corpo, no sentido da orientação e de procura a luz atravessando as trevas e o caos, é também um Deus dos viajantes, dos caminhos, das águas, da caça e dos comerciantes. Como divindade que nasce da terra é o símbolo da imortalidade que desafia o poder dos deuses tutelares como Banda e Brigo.


Deuses marciais


ARUS (ARO) – Deus Lusitano da guerra equivalente ao Ares romano.

CARIOCECO (CARIOCIECO, CARIOCECUS) – Deus Lusitano da Guerra, da caça, dos animais, dos mistérios e do futuro. Bodes, cavalos e prisioneiros eram muitas vezes sacrificados a este Deus.

COSSUE (COSUS, COSO, COSUE) – Deus guerreiro e marcial equivalente ao Consus Martiano romano, adorado pelos Lusitanos.

Algumas Divindades de origem estrangeira veneradas na Lusitânia




BEL – Deus de origem Fenícia adorado pelas classes mercantis da Lusitânia, como Baal ele representa o deus das batalhas, da fertilidade e fecundidade.

CERNUNOS – Deus cornudo guerreiro dos Celtas e da Realeza Lusitana, muito venerado na parte oriental do país.

CYBELE (CIBELES, MATRI DEUM) – Deusa mãe de Origem Oriental (Trácia) muito venerada pelos jovens das cidades Lusitanas.

EPONA (EPANE) – Deusa de origem Celta.

MITRAS (MITHRAS, MITRA) – Divindade Oriental muito venerada pelos Lusos.

NEMESIS – Divindade Oriental venerada pelos Lusitanos do litoral.


Ref. http://revvane.com.sapo.pt/panteaodeus.html

Os Galaicos e a Religião

 
Embora pouco se conheça sobre as suas práticas relegiosas, se tinham alguma classe sacerdotial ou não, o certo é que o símblo acima era uma precensa constante em toda esta cultura. O trisquel é e era um simblo mágico com três braços girando em sentido contrário aos ponteiros dos relógios que simbolizava a continuidade da vida e do crescimento espiritual, o fluir constante do processo natural com um triplo significado místico entre os povos celtas que unia o fisico, o mental e o espiritual, sendo o três um número mágico para eles e origem do que posteriormente o cristianismo adoptaria como "Santíssima Trindade": Um só deus com três formas.

Os seus principais Deuses

BANDUA (BANDUE, BANDUJE) – Este seu carácter de Deus masculino, é o protector dos territórios e das localidades. Ele é quem ordena e faz por cumprir as leis tradicionais estabelecidas.

BANDOGA (BANDONGA) - É uma divindade importante no norte da Lusitânia. É o carácter feminino da divindade, é a protectora da tribo e da família, quem ordena e faz as leis.

BANDERAEICUS - É uma outra adoração do deus Bandua.

BANDIOILENAICO - É uma outra manifestação do deus Bandue no norte da Lusitânia.

BANDUEAETOBRIGUS - É mais uma outra natureza do Deus Bandue.

BANDUS (BANDI, BANDE, BANDA, BAND) – É uma divindade importante venerada pelas tribos da federação Galaica no norte da Lusitânia. É esta divindade quem ordena e faz as leis.

NABIA (NABICA, NAVIA, NABIAE) – Deusa mais importante no norte da Lusitânia. É uma Deusa fertilizadora da natureza, das águas, fontes e rios, assim como dos bosques. Está casada com o Deus Coronus.

Ara dedicada a Nabia
REVA (REUA)– É uma manifestação feminina do deus REVE. O seu carácter Feminino é Reua, o seu carácter masculino é Reue. Tanto personifica a Mãe deusa da vida e da morte como protege os homens e é o protector dos mundos.

REVE (REUE, RAUUE, REUS)– É a divindade mais importante de todo o Panteão supranacional Galaico-Lusitano original. Ele personifica, como o Grande Espírito masculino da Natureza que protege os homens e os mundos.

CORONO (CORONUS)– Deus cornudo coroado nos mundos subterrâneos, está ligado à guerra e à morte. É o esposo da Deusa Navia. Adorado pelos Calaicos.



Outros Deuses


AERNO (AERNUS)– Deus poderoso do norte da Lusitânia. É o Deus do Tempo e das Tempestades e principalmente é o Senhor dos ventos do norte.

BORMANICO (BORMO, BORMANICUS) – Deus tutelar das águas termais. Está ligado às águas, ao dilúvio, à catástrofe e à morte. As águas possuem a virtude da purificação, do renascimento e da revelação. É uma divindade do oceano primordial e era adorado perto de Guimarães.

CUSUNENEAECUS (CUSUNENEOECUS) - Deus guerreiro venerado pelos Calaicos.

TAMEOBRIGO (TAMEOBRIGUS) – Deus poderoso, protector dos doentes e acompanhante dos defundos. Também é adorado como um Deus guerreiro da guerra, da caça e das florestas dos Calaicos.

TONGOENABIAGO (TONGE, TONGO, TONGENABIAGO, TONGOENABIACO, TONGAE, TONGOENABIAGUS, TONGOE NABIAGOI) – Deus dos Brácaros Calaicos, aquático das fontes e dos juramentos que se faziam a ele junto das fontes da sua invocação. É também um Deus fertilizador.

TURIACO (TURIACUS, TURIAGO, COSUS TURIACUS)– Deus muito poderoso venerado no norte da Lusitânia pela tribo dos Gróvios Calaicos. É o Deus do Poder, é o Senhor da Guerra e o Rei do seu Povo adorador.



Ref. http://revvane.com.sapo.pt/panteaodeus.html

Os Deuses mais adorados nas planícies alentejanas, pelas tribos celtas, eram:

ATAEGINA (ATAECINA, ATTAEGINA, ATAEGINAE, ATTEGINA, ATACINA, ATTAECINA, ADDAECINA, ADAEGINA, ADEGINA, ADECINA) – Deusa mais importante do sul da Lusitânia. Ela é a Renascida. É uma Deusa Mãe Tripla: da Natureza, da Cura e Infernal. Como Deusa da fertilidade é aquela que desaparece no submundo para depois renascer e dar os frutos da terra de onde brota a vida. Assim acompanha os ciclos da vida e como padroeira dos campos estimula a produção e o progresso; após o crescimento, desenvolvimento, morte e ressurreição. Era-lhe também dedicado um culto de invocação, antigamente através de certas fórmulas, invocavam-se divindades para prejudicar alguém. Equivalente à Proserpina romana. Tem várias naturezas.



ENDOVELICO (ENDOVELLICO, INDOVELLICUS) – Deus mais importante em todo o sul da Lusitânia. É o Deus curador ligado aos milagres e à fé, assim como da medicina, saúde, da terra e da natureza, mas também é um deus do mundo subterrâneo e protector da vida após a morte. É o deus da sabedoria e o génio da montanha. Chamam-lhe O Muito Bom. Também foi adoptado pelos cristãos como o arcanjo São Gabriel padroeiro de Portugal. Tem diferentes naturezas e manifestações.



ANDOVELICO – Manifestação celestial ou evolutiva solar do Deus supremo curandeiro e dos céus Endovélico. Representa o bem e está relacionado com os elementos ar e fogo.

ENOBOLICO (INDIBILIS) – Manifestação negra original e infernal do Deus lunar Endovélico, senhor do submundo. Está relacionado com os elementos terra e água.

RUNESOCESIO (RUNESUS, RUNOCESIUS) – Deus guerreiro da guerra e dos mistérios venerado pelos Celtas do sul da Lusitânia.

TOGAE (TOGA) – Divindade adorada localmente por tribos Célticas e Vetões da Lusitânia.

VASECO – Divindade local venerada por tribos Celtas da Confederação Lusitana.

É de referir que existem indícios de que alguns dos Deuses anteriormente referidos foram também venerados em território lusitano, assim como alguns associados aos galaicos. Os factores que tiveram na origem de tal, foram sem duvida a proximidade dos territórios e a grande interacção que os lusitanos teriam com os povos vizinhos, nomeadamente devido à prática da transumância.


Santuário de Endovélico
Rocha da Mina – Alandroal


Terá surgido no século II ou I a.C., no local hoje designado por Rocha da Mina, junto à Ribeira de Lucifécit, um santuário rupestre implantado num esporão rochoso com vertentes abruptas de 12 metros e de área habitável extremamente reduzida. Os quatro degraus talhados na rocha terão sido o primitivo altar utilizado pelos lusitanos e/ou celtas para a prática do culto ao Deus.

Os lusitanos e a religião


O mundo das crenças, das superstições e da religião formam um conjunto basilar, que podemos considerar indicativo do nível cultual do povo lusitano. Foi também um dos principais factores de integração comunitária, ou gentílica.
A importância da religião no comportamento das sociedades antigas vem sendo valorizada pelos investigadores, desde os finais do século passado. Fustel de Coulanges, estruturou uma tese sobre as origens das instituições da cidade antiga, a partir do fenómeno religioso. O estudo das superstições e crenças é um instrumento de análise de incontestável interesse na compreensão do comportamento das gentilidades lusitanas, quer no período anterior à conquista, quer durante a romanização.
A religião surge como, ponto fulcral no estudo dos agrupamentos humanos. Podemos caracterizá-los com base em três critérios, que tomam respectivamente em conta a importância da produção, o estatuto jurídico e a mentalidade. Esta, se quisermos pode substituir-se por nível cultural, em que se inserem as superstições e as crenças, englobadas genericamente no fenómeno religioso. Atendamos a que numa fase mais evoluída da sociedade, superstição e religião se distinguem, o mesmo sucedendo entre a magia e a religião.
Através da epigrafia, que faz registos e os interpreta e ainda das sobrevivências recolhidas pela etnografia, pela antropologia folclórica, ou pelo o uso do método comparativo, podemos penetrar, um pouco, no mundo mitológico lusitano, embora com muitas dificuldades, pois a investigação portuguesa tem-se circunscrito às recolhas documentais e ao uso do método descritivo. A indução e a dedução estão limitadas na interpretação deste fenómeno.


A religião prende-se à estrutura social nas suas origens andriarcais, matriarcais e patriarcais; à domesticação dos animais e ao pastoreio nómada e transumante, seja qual for a tese que se aceite: Penck, P. Schmidt, Rustow-Menghin, Laviosa-Zamboti. Particular interesse têm, no caso lusitano, os estudos de Dumezil na sua amplitude geral sobre os indo-europeus. A linha patriarcal-pastoril em que se insere a sociedade lusitana, é reconhecidamente guerreira, (pastor-guerreiro-patriarca), o que não é contrariado pelos textos históricos, pelas observações arqueológicas, pelos testemunhos linguísticos, pelas sobrevivências etnográficas.
No horizonte do pastor-guerreiro-patriarca, como evidencia Alonso del Real, baseado em Fustel de Coulanges, a família, a gentilidade, o clã, eram o objectivo principal da sacralidade social, cujo eixo assentava no culto dos antepassados. Até que ponto podemos distinguir da sacralidade o fenómeno do culto e o da magia, no tem religioso lusitano? Quais as implicações no campo gentílico, ou, se aceitarmos, social?
Uma verdade se torna evidente na sociedade religiosa, dos pastores-guerreiros-patriarcais lusitanos, a sacralidade da natureza, o carácter naturalista de algumas divindades e uma certa ética, que não tem paralelo no mundo greco-latino. Torna-se também evidente a influencia dos povos mediterrânicos, contribuindo para a representação zoomórfica e antropomórfica de algumas divindades. Há dificuldades em distinguir, nos documentos materiais, o que é sagrado daquilo que é cultural; o que é divindade do que é propiciatório à divindade. Nas inscrições, em que sobrevivem termos indígenas, será possível separar o nome da divindade da jaculatória? Até que ponto a romanização adulterou a pureza do naturalismo religioso?

José Leite de Vasconcelos Cardoso Pereira de Melo, mais conhecido por Leite de Vasconcelos (Ucanha, 7 de julho de 1858 — Lisboa, 17 de maio de 1941), foi um linguista, filólogo, arqueólogo e etnógrafo português.
Leite de Vasconcelos publicou, em francês, em 1892, debaixo dos auspícios da Sociedade de Geografia de Lisboa, uma memória sobre as religiões da Lusitânia, que foi presente ao Congrés International des Orientalistes. Foi o primeiro ponto de partida para estes estudos.
Nessa síntese, de cerca de nove páginas, o Autor sistematizou, como era hábito, a historia dos lusitanos, em três grandes divisões: a pré-histórica, a historia da Lusitânia e a romana, que engloba a bárbara.
Consagra mais desenvolvimento à religião dos tempos proto-historicos, dizendo que o naturalismo e o animismo primitivos se orientaram para novos cultos, sendo ainda a Natureza a fonte mais fecunda de que brotam as crenças do povo.
Diz que a costa marítima era sagrada, adorando num promontório Hareclés, que representa um deus fenício. Divinizaram-se os rios Douro e Lima.
Sendo os lusitanos essencialmente guerreiros não deixavam de fazer sacrifícios humanos e de invocar Arés e Mars-Cososus. Leite de Vasconcelos fala também nos deuses secundários, identificados pelos romanos como os lares, as ninfas, etc.… Limita a uma área sudoeste da Lusitânia, na bacia do Anna, as terríveis devoções a Adaegina, deusa infernal. Diz, também, que em muitas localidades os deuses tinham “um carácter pouco abstracto”, não tendo imagens que os representassem, estabelecendo contraste com outras instâncias, onde por influencia romana “recebem oferendas magnificas”. Relaciona com o culto dos mortos as estátuas de guerreiros “colocadas sobre as sepulturas” e os “quadrúpedes” “do tipo porca de Murça”.
Imagina sacerdotes “provavelmente uma mistura de alucinado, de adivinho e de charlatão” interpretando os sonhos dos doentes e fazendo presságios da observação das vitimas imoladas, do voo das aves, da direcção das chamas, etc.…Escreveu:
- “Assim a religião depende de hábitos do povo e das condições mesológicas: sanguinária entre os guerreiros; telúrica nas montanhas; aquática nas fontes e rios; sideral, etc. à beira do mar.
Com a romanização Leite de Vasconcelos distingue dois cultos: os de origem nacional e os de origem romana. Este último no seu esplendor, influenciou poderosamente a religião lusitana.
Ao paganismo luso-romano sucederia o Cristianismo, sendo a igreja impotente para acabar com o paganismo, que sobreviveu nos simpáticos deuses tópicos, tão queridos do povo simples, que se transformaram em santos patronos.
As ninfas teriam dado lugar às fontes-santas; nos montes e vales onde se adorava Endovellicus e Durbedicus, os templos transformaram-se em capelas ou igrejas. E Leite de Vasconcelos afirma uma verdade que, infelizmente, não continuou a explorar, mesmo quando escreveu os três volumes da sua monumental obra Religiões da Lusitânia: “As ideias e principalmente as ideias religiosas, raramente se extinguem. Uma vez adquiridas pela alma humana podem experimentar mil mudanças, sofrer e confranger-se, mas aguentam-se e levantam-se sempre contra o inimigo que as atacou.” A obra Religiões da Lusitânia não obteve o êxito pretendido, pois foi limitada pela densidade e variedade dos temas tratados e pela área restrita abrangida. Por outro lado, valorizaram-se mais os deuses da romanização de que os deuses pré-romanos, que eram as divindades propriamente indígenas. Esta investigação não distingue entre sacralidade e culto.


Sabemos pouco sobre os santuários lusitanos, mas a abundância de capelas cristãs nas maiores elevações do seu território, levam-nos a pensar que era no alto dos montes que invocariam as forças da natureza e se fariam os sacrifícios. Parece-nos que a Penha de Prados, (próximo de Prados, no concelho de Celorico da Beira) seria um local de sacrifício. A sua situação e a posição de algumas pedras lembrando um altar sugerem essa imagem. A Penha situa-se nos contrafortes da Serra da Estrela. O topónimo Penha é pré-romano e segundo alguns autores, celta. Os lusitanos faziam vaticínios através de sacrifícios humanos cortando o diafragma da vitima de modo a observarem o interior do corpo. Estes vaticínios eram formulados por um adivinho. Chamavam-lhe hieroskopos. Parece haver aqui uma semelhança com a pratica da adivinhação dos sacerdotes gauleses. Sabemos que havia montes sagrados (Monte de Vénus, v.g.) e rios. O Douro era um rio sagrado. Muitos topónimos que se mantêm em Trás-os-Montes e na Beira são nomes de divindades: Laroco, Losa, Pala, Touro, Porco, Corvo, Luzelos, Serapico (Serapis), Celorico, Arentio, Caria (Cari), Ilurbeda, Caro, Cabar, Araco…
Os sacrifícios humanos eram frequentes, surgindo como pena de morte, pois “aos parricidas despenhavam-nos de uma escarpa, ou rochedo”, provocando-lhes a morte. Plutarco (Q.R. 83), Estrabão (III,3,6 e III,3,7) e Tito Lívio (Per.49) falam dos sacrifícios humanos, visando normalmente os prisioneiros. Mas os sacrifícios humanos serviam também para cimentar tratados e alianças em momentos graves. Quem sacrificavam nessas alturas? Um prisioneiro ou um inocente? Parece-nos que seria o sacrifício de um inocente, escolhido em determinadas condições.
A adivinhação entre os lusitanos baseava-se nos sacrifícios humanos, interpretando as entranhas das vítimas, que rasgavam para se poderem observar o seu funcionamento ainda com vida, sem lhas arrancarem. Observam as veias e as artérias do peito, adivinhando pela simples palpação. 
Estas práticas foram contrariadas pela romanização, mas não desapareceram totalmente antes da conversão ao Cristianismo. S.Martinho de Dume (século VI) noticia sacrifícios humanos feitos entre os Galaicos e os povos do Norte (De Correct. Rust.8).
Os sacrifícios funcionavam como processo de interpretar o futuro (presságios) ou ritos de redenção. Talvez neste sentido possamos encontrar influência ibero-fenícia, aliás documentada na necrópole de Carmona, em El Acebuchal e na de Bolonia, em Cadíz, entre outras. Estrabão diz a propósito dos lusitanos:
- “ Fazem também augúrios, observando as entrenhas dos priosioneiros depois de os cobrirem com capas. Quando as entranhas são feridas pelo arúspice, fazem uma primeira predição pela queda da vítima. Cortam a mão direita aos prisioneiros e oferecem-na aos deuses”. (Str.Op.Cit.III, 3,6).
Talvez provenha daqui a figa, que alguns interpretam como símbolo fálico.
Também os Celtas praticavam sacrifícios humanos, de maneira diferente, servindo-se do enforcamento, do afogamento nas aguas dos lagos e dos rios e do fogo. Entre os celtas não eram só os druidas que participavam nos sacrifícios humanos, mas também uma espécie de sacerdotisas, que podemos comparar às vestais. Entre os lusitanos não se conhecem sacerdotisas.
Observando algumas pinturas em cerâmicas celtiberas podemos inferir comparativamente algo sobre as praticas dos sacrifícios (Cerâmicas de Numância).
Viriathus, na altura do seu casamento, sacrificou aos deuses. Também quando do seu funeral foram imoladas muitas vitimas, das quais prisioneiros romanos. 
As alianças entre os lusitanos eram seladas com o sacrifício de um homem e de um cavalo.


Os lusitanos eram supersticiosos, característica que se manteve constante e foi explorada por Sertório, ao utilizar a cerva. Santo Isidoro de Sevilha, nas Etimologias, uma espécie de enciclopédia do saber antigo peninsular, diz que o cerâmico se produzia nas costas da Lusitânia e este povo se servia dele para se defender dos raios. A crença no valor profilático dos machados neolíticos, a que o povo chama pedras de raio, leva as gentes das aldeias da Beira, menos esclarecidas, a recolher esses artefactos primitivos e a entalá-los nas frinchas das paredes das habitações. O mesmo acontece com o ramo do trovisco. Este arbusto aparece com frequência à entrada dos abrigos naturais, aproveitados pelos pastores desde épocas remotíssimas. Identificamos dezenas destes abrigos. Verificamos em muitos deles a existência de arbustos de trovisco, junto da entrada. É evidente que este trovisco foi ali plantado pelos pastores, na crença de que os protegia contra o raio fulminante.
A fundição dos metais, particularmente a dos minérios de ferro, era um acto sagrado e os ferreiros, tal como entre os celtas, considerados como mágicos. Moncorvo, situado nas faldas da Serra de Reboredo, rica em ferro, parece ter herdado o seu nome de um culto ao corvo, representado por um amuleto com a forma de um corvo de ferro. Segundo Estrabão essa prática era comum ao norte da Hispânia (Geografia, Liv. III). Jean des Vries na obra citada (página 175) e Grenier (Gaulois, página 341) referem ao corvo como ave orácula dos ferreiros.
O culto ao porco aparece sobre a evocação de Santo André Avelino, protector cristão dos porcos. Encontrei esculturas zoomórficas dedicados ao porco e ao touro, junto de uma capela sob evocação deste santo, em Almofala, Figueira de Castelo Rodrigo. Também em Castelo Mendo (Almeida), localizei dois verrascos de pedra, a uma das entradas da cerca mediaval, certamente no mesmo sítio por onde, na época castreja, se entrava na povoação e se saía para a necróple. Isto é o que nos sugere o Calvário que fica no caminho destas esculturas. Este Calvário situa-se, ao que nos informaram, num local que outrora foi mortório (cemitério).
Muitas festividades cristãs são, normalmente, sobrevivências de celebrações pagãs. As festas mais importantes do ano ligam-se ao calendário indo-europeu, com semelhanças evidentes com o calendário céltico. O culto céltico dos mortos pode-se identificar com o das alminhas, ou com a prática da encomendação das almas, naturalmente cristianizadas. Vestígios de um culto ao crânio, talvez relacionado com sacrifícios humanos, parece evocar-se em Chãs, de Vila nova de Foz Côa, na Fraga de Nossa Senhora, onde no interior de um penedo com forma de uma enorme cabeça, se encontra um nicho, que nos pareceu natural, com o desenho de uma cabeleira. Este desenho pode ser o resultado de uma pigmentação do granito, também natural. Os geólogos que levamos ao local não acertaram se era uma pintura fóssil se um fenómeno da natureza. De qualquer modo a fraga transformou-se num local de culto, sendo evidente o seu aproveitamento neste sentido. Nos períodos calmosos o gado acarra dentro da gruta.
Muitos santuários estão ligados a estes cultos pré-históricos. Na Lameira, na Horta de Numão, também conhecida por Horta do Povo, há um santuário que serviu a devoção dos pastores. Nas Memórias do Bispado de Lamego, escritas em finais do século XVIII, refere-se a persistência dessa devoção e das festividades que actualmente a celebrava.
Ataecina, de que se pode ver a distribuição geográfica no Atlas Antroponímico de J. Untermann, não seria uma deusa agrícola como ensina Leite de Vasconcelos, mas sim como sustenta Balmori, uma deusa infernal. Seria uma divindade da noite, aquela que castigava o ladrão, segundo a inscrição de Mérida. Convém notar que há aqui um aspecto ético em que a moral e a justiça se ligam à religião. As religiões greco-latinas carecem de sentido ético, no que se distinguem da religião dos lusitanos. Parece-me poder identificar esta deusa na antiga lenda da Senhor da Povoa de Mileu, que se venera numa igreja românica, próximo da cidade da Guarda. O relato diz que numa noite os ladrões entraram na igreja para roubar a coroa da Senhora. Quando saíam e fechavam a porta, disseram: - Agora nem mil (homens) nos agarram! Então ouviu-se uma voz que dizia: - Para mil, eu! E ficaram presos na argola da porta. Quando o dia despontou foram justiçados. A história dizia que ninguém sabia de que metal era feita a argola. De mil, eu, teria vindo Mileu, segundo a interpretação popular. Há anos, colaborando nas escavações que ali se fizeram e em que foram encontrados vários elementos latenianos, procurei a argola da porta e, identifiquei nesta um bracelete lusitano do II período da idade do ferro. Escavações no interior da capela revelaram um torso imperial romano, provavelmente do século II d.C. Uma via romana ligava este local à cidade de Mérida.
No museu de Évora há vários ex-votos de bronze representando cabras, que se prendem ao culto de Ataecina, identificado como Prosepina.
Não nos parecem tão contraditórias as duas interpretações, a agrícola e a infernal. A terra sob a qual, na tradição, se situam os infernos, é também o local em que germina a planta e donde brota a água quente e a lava dos vulcões…
O Zéfiro, deus do vento, tinha um santuário na Serra de Monsanto (monte Santo), perto de Lisboa. A este culto se liga a crença de que a velocidade dos cavalos lusitanos resultava de as éguas serem fecundadas pelo vento Zéfiro.
O culto solar, saído das épocas mais remotas do Neolítico e do Bronze, aparece testemunhado em documentos arqueológicos do período romano. Prende-se às festividades solesticiais, expressas nas orvalhadas da manhã de S. João e aos festejos desse dia, inclusive as danças de purificação, que originalmente só incluíam a passagem do gado pelo meio de filas de fogueiras.
O sacrifício do cordeiro sobrevive na imolação do anho, que serve as ceias da noite de S. João, entre os povos do Norte, com particular relevo para o porto. Liga-se ao Solestício.
Sabemos que os lusitanos efectuavam danças religiosas nas noites de plenilúnio. Os planetas, Marte, Vénus e Lua seriam motivadores de danças rituis. Certos jogos, que ainda hoje se praticam nos meios rurais, poderão ter origem mágico-religiosa. Por exemplo: o medo da Coca que para as crianças funciona como uma espécie de papão a qual em alguns lugares é representado por uma serpente, accionada pelos rapazes, que percorrem as ruas para “meter medo” (Em Monção anualmente se festeja com a Coca). Os bichos-carpinteiros, segundo a crença popular, mantida em algumas povoações Beirãs, só atacam nas noites de Lua cheia.
A Lua exerceu sempre uma grande influência na imaginação. Recordemos a história do homem com o molho de silvas, que foi condenado a viver eternamente na Lua, por faltar ao culto.
O culto da lua, nas populações lusitanas prende-se à estrutura económica ganadeira, como podemos comprovar por Estrabão e, no norte da Península, ao matriarcado, pela influência daquela nos ciclos menstruais. Os amuletos em forma de Lua, que ainda continuam a ser usados, são sobrevivências desse culto, referido por Santo Isidoro nas Etimologias (XIX, 31, 7) e também pelo Cânon Septuagésimo do II Concílio de Braga. No Vale do Douro, como se vê por epígrafes romanas, existiu um extenso culto à Lua.
A astronomia lusitana estaria povoada de deuses, a avaliar pelas sobrevivências deste tipo de conhecimento entre os pastores. O Sete Estrelo ou Barca (nome porque é designada a Ursa Maior) e outras constelações, seriam do conhecimento empírico. Pastores beirões contam a história da Barca. As duas estrelas das guardas representam os bois, que os ladrões roubaram. Estes equivalem às outras duas estrelas do trapézio. A primeira da cauda representa o patrão, que acordou e veio ocorrer para alcançar os bois, que os ladrões vão tocando. A seguir, na cauda há uma estrela dupla: a patroa e a menina. Finalmente, e a alguma distância, a ultima estrela da cauda, representa o criado, que vai, pachorrentemente, na “retangueira”, isto é, despreocupado com o que está acontecendo ao amo.
Hoje, ninguém vê na Ursa Maior qualquer semelhança a uma barca. Há no entanto, uma barca muito antiga, em estilo muito primitivo, a barca do rio Sabor, cuja configuração se assemelha à Ursa Maior. Essa barca tem a forma de tabuleiro trapezoidal e o leme, lembra a cauda da Ursa. Desloca-se ao longo de um cabo de margem para margem no Sabor, no termo do Felgar, servindo a passagem da povoação castreja de Silhades, que ainda no século XVIII tinha moradores permanentes. Agora só os tem ocasionalmente, conforme a actividade agrícola, que os leva a permanecer no campo.
A prática dos mascarados, que a tradição conserva em algumas terras da Beira e especialmente em Trás-os-Montes na festa dos rapazes, pelo Santo Estêvão, pelo Natal, S. João e S. Pedro, poderá ligar-se a sobrevivências de rituais mágicos, talvez propiciatórios da caça, persiste também na Sardenha. Esta prática não se confunde com os mascarados do Carnaval. Na mais pura tradição popular, no Carnaval não há mascara, mas somente rosto tapado, por uma renda, à semelhança das mouras. O uso da mascara carnavalesca foi uma importação de Itália e de França, no século XVIII.
Tal como aconteceu entre outros indo-europeus, também os lusitanos tinham bosques e plantas sagrados. Hoje, a sua tradição perpetua-se nos galheiros com oferendas, que enfeitam os cortejos ou os bazares em dias festivos. A cornalheira do sul teria sido um arbusto sagrado, a julgar pelas histórias dos pastores. O mesmo podemos dizer do trovisco, que é considerada também como venenosa. Mas as árvores mais importantes entre as sagradas seriam o carrasco e o carvalho. O mesmo aconteceu com os celtas, o que não é de estranhar dada a origem comum e formas de actividade sócio-económica, na fase do pastoreio. Também os celtas se reuniam em bosques de carvalho. Uma famosa cornalheira é a de Santo Alifonso, sobranceira ao Sabor, no termo de Felgar. É multicentenária e nunca perde a folha. Botanicamente provoca problemas. Será uma sobrevivência da flora primitiva, ou uma importação trazida do sul pelos pastores. Os antigos pensavam que comendo bolotas do carvalho se podia adivinhar. A este propósito escreveu Lucano, poeta latino nascido em Córdova (36-65): “ Dryadae glandibus comestis divinare fuerant consueti”.
Talvez haja aqui uma referência ao simbolismo mágico-religioso do carvalho, que segundo Máximo de Tiro era o símbolo de Zeus, adorado pelos celtas.
O carvalho seria, pois, uma árvore cósmica, que ligaria a Terra ao Céu e ao Inferno. Era sinal de força, carácter que ainda não perdeu.
Alguns ditos populares podem mergulhar remotamente a sua origem, nestes cultos. Por exemplo: - Se queres bolota, trepa. Com o significado: Se queres vencer esforça-te!
Outras plantas teriam valor mágico-religioso: a artemísia, o alecrim, a bela-luz, o rosmaninho. A abundância de nomes de árvores e arbustos na antroponímia portuguesa, os Carvalhos, os Pereiras, os Silvas, etc. são expressões de culto às árvores, fenómeno com correspondência em outras áreas ocidentais, que nas origens tiveram idêntica influência religiosa.
Não sabemos qual era a palavra na língua lusitana que significaria santuário. Há quem proponha Carns, no sentido de altar. Em céltico diz-se nemeton, que deu entre os anglo-saxónicos, nimida. Na Galiza havia uma cidade chamada Nemetobriga. Os romanos designavam os bosques sagrados por nemus ou lucus. O radical nem é comum a várias línguas indo-europeias. Significaria Céu e namas, veneração. Não nos repugna aceitar que seja a palavra carns, pois o radical Car é dos mais antigos da nossa língua. A palavra ermida tem semelhanças com nimida. O culto às árvores testemunha-se também pelos ramos que, em ocasiões difíceis, os povos do interior da Hispânia, particularmente os Celtiberos, levavam erguidos em sinal de rendição e pedido de paz.
As flores de amendoeira que as noivas depositam nos altares são aspectos desse culto às árvores. Na Grécia antiga a coroa de loiros e de carvalho, adornava a fronte dos heróis. Ainda hoje nos socorremos deste símbolo para emoldurar o Escudo Nacional.
As imprecações dos lusitanos contra os inimigos, evocavam deuses infernais. Ainda hoje há quem use frases análogas: “Raios te partam!”, “Diabos te levem!”,”Some-te nas profundezas dos infernos!”. Quando foram atraiçoados por Galba, lançaram os lusitanos numerosas imprecações contra os romanos e evocaram deuses, segundo Appiano, recordando a palavra dada pelo cônsul e não comprida. Encontramos aqui uma ligação íntima entre a religião, a ética e a justiça, que competiria finalmente aos deuses punitivos lusitanos. Enquanto que a religião romana era uma religião sem qualquer sentido ético, pois os próprios deuses não tinham preocupações morais no papel que lhes atribulam os mitos, o mesmo não ocorria entre os lusitanos, para os quais a religião tinha sentido ético.
O deus Endovellico, relacionado por alguns autores à medicina, seria um deus ctónico, infernal, subterrâneo, presente no ritual funerário. A palma e a coroa de louros que, por vezes, o acompanham, eram sinal de imortalidade. O javali sempre presente, testemunharia esse carácter. Como deus infernal, emitia oráculos (pró-salute, ex-reponsu; ex-imperato Auerno, etc.)
Leite de Vasconcelos interpreta estes oráculos como sonhos provocados nos efémeros, que dormiam uma noite no templo e aos quais o deus aparecia, à semelhança da crença grega em Esculápio….Ofereceriam sacrifícios a Endovellico.
Alguns autores, entre eles J. M. Blázquez, recusam-lhe o carácter de divindade da medicina, proposto por leite de Vasconcelos. O uso de plantas alucinogénicas, provocando sonhos, poderia revelar uma prática médica ou feiticista.
Os lusitanos acreditavam na existência de numens protectores da natureza, conhecidos entre os romanos por génios. O Corpus Inscriptionem Latinarum de Hubner indica alguns, em território lusitano: S.Pedro do Sul, Midões, Aramenha, aos quais J. M. Blázquez acrescenta um inédito de Coimbra. Estes génios ou numens eram defensivos e curativos, ou salutíferos, como acontecia com as fontes medicinais. Na Beira Alta conhecem-se desde remotas eras, certamente devido às deslocações dos pastores. As mais afamadas e já apreciadas em época romana, foram as de Manteigas, Cró, Alcafaxe, Unhais da Serra, Ariola, Longroiva, Vila do Touro e S. Pedro do Sul. Serviam-se delas para tratarem o reumatismo ou doenças de pele.
As bruxas e feiticeiras, com toda a influencia romana e alterações mediavais germânicas ou barbaras, sofridas, teriam entre os lusitanos de certo modo, o seu paralelo em cultos da natureza.
De todas estas “divindades”, presentes ainda hoje na crendice popular em muitas regiões do país, com particular incidência na Beira e Trás-os-Montes (o que mostra que o Cristianismo entre nós ainda está longe de atingir a sua pureza), citamos os Tasgos.
Cândida Ferreira diz-nos que são uns “rapazinhos travessos” que a altas horas da noite fazem barulho com a louça na parteleira, obrigando os equinos da loja a correrias, mas na manhã seguinte tudo está na mesma…o gado medra, a louça não está partida e cada coisa etsá no seu lugar.
Na Beira Alta, na região duriense, persiste esta crença com outro nome, atribuindo o fenómeno às “feiticeiras”.
O culto das fontes e dos cursos de água é comum a todo o mundo que sofreu influencias célticas. Sobrevive no nome de alguns rios e ninfas minerais. Na mitologia céltica a mais importante deusa da terra era Ana-Dana, mãe dos deuses. Mas, entre os lusitanos, na sua fase mais primitiva, os deuses confundiam-se com as forças da natureza e com a capacidade criadora. Não tinham o carácter antropomórfico, que podemos descobrir na família dos deuses, como resultado de uma influencia helénica, desenvolvida através dos contactos com as colónias gregas, mediterrâneas, da França.
As divindades protectoras da família, os lares, persitem na tradição recordada na palavra lareira, pedra do lar, junto da qual se reúne a família e se acende o lume. Subsiste nas “alminhas”, que se erguem junto dos caminhos (lares viales), ou nas encruzilhadas. São particularmente frequentes na Beira, em Trás-os-Montes e no Minho. Também os lares eram divindades protectoras das gentilidades. Há um mapa com a distribuição dos lares, das deusas e deuses, segundo uma relação colhida de J. Alarcão, E. Etiene e G. Fabre.
Entre os lusitanos e os celtiberos haveria também um culto ao urso. A palavra urso traduz-se por arco na língua lusitana e também na celtibérica. Arco sobrevive em alguns topónimos (Arco, Arcozelo, Arcos, etc.). Perto do Sabor, em Felgar, situa-se o Val Durso (Vale de Urso).
O culto às pedras deu lugar a santuários cristãos. Assim na Serra da Lapa fizeram uma igreja para abrigar as pedras da lapa. Onde apareceu a Senhora. O mesmo se verifica em outras regiões da Europa, que tiveram cultos análogos antes da Cristianização. Na Áustria foi construída uma igreja abrigando pedras cultuais. A igreja de S. Wolfgang, em Abersée e a de Maria Schnee, ma Boémia, estão nestas condições, assim como outra, na Alésia, em Triguères (França). No Alentejo adaptaram um dólmen à capela. A estatua-menhir de Longroiva apareceu tombada num local conhecido por Cruzeiro novo, o que se pressupõe uma mudança de culto. Em S. Salvador do Mundo, majestoso santuário alcandorado sobre o rio Douro, perto de S. João da Pesqueira, verificasse um fenómeno parecido, pois a capela levanta-se sobre uma gruta pré-historica, que devia ter sido local de culto. A Senhora da Penha em Guimarães e o Penedo das Mouras, em Ponte de Lima, são sobrevivências do culto das pedras.
A arte reflecte os grandes eixos de interesse da religião e da magia, como se verifica pela decoração predominante geométrica, mantida e continuada pelos pastores artistas, entre os quais os do Jarmelo (Guarda), que nos nossos dias continuam a tradição das colheres de madeira, das flautas e dos cajados, cuja decoração expressa um ritual mágico. Os trisquel`s e as suásticas castrejas, as ornamentações como as das pedras Formosas, dos portais, das cerâmicas e ourivesarias, são manifestações de culto, cujo significado se ignora. A etnologia comparada dá-nos testemunhos de manifestações rituais com algumas analogias entre algumas tribos africanas e ameríndias.
À semelhança do que aconteceu com outras gentilidades, a transmissão de doutrinas religiosas deveria ser feita pelos velhos. Não conhecemos referências a sacerdotes entre os lusitanos, como aconteceu entre os celtas, da mesma época, que ensinavam as doutrinas druidas sobre a imortalidade da alma e a metempsicose. Esses ensinamentos eram feitos em verso e a duração dos estudos exigia um aprendizado de pelo menos 350 memórias, ou factos históricos. Tivemos oportunidade de verificar processo análogo entre os quibalas e os bailundos de Angola. O fenómeno é característico de um determinado estádio.
As Hespérides correspondiam ao país dos lusitanos, situadas no Ocidente remoto, onde o Sol se punha. Na crença dos celtas, as Hespérides eram um país maravilhoso e, contrariamente ao que alguns autores escreveram, não significa o reino da Morte. É natural que esse mito celta de Mag Mell revestisse outra versão, entre os lusitanos, que, como está provado, sofreram influencias religiosas célticas. Mas pouco podemos avançar neste campo. Sabemos que as festas se ligavam profundamente aos mitos e ritos dos deuses e heróis, à semelhança do que sucedia com os gregos. Também se faziam corridas de cavalos após a morte de um herói, a que prestavam honras fúnebres, tal como fizeram com Viriathus.



As assembleias democráticas dos guerreiros-pastores, a que se refere Appiano (App. Ib. 61-62) ligavam-se à religião, o que não constitui uma característica somente dessa cultura. A palavra Ecclesia (Igreja) quer dizer assembleia. Entre os celtas as assembleias reuniam grandes multidões, oenach, participantes de carácter cultural. Os lusitanos, que acompanhavam à guerra um chefe estavam unidos por um vínculo religioso, social e militar, jurídico e moral, a que os romanos chamaram devotio. Os romanos procuraram servir-se, administrativamente, da organização indígena das gentilidades e centúrias, agregadas por laços sociais e religiosos.
Podemos fazer agora a pergunta: - A quem servia a religião dos lusitanos? A quem se dirigia?
Num extenso artigo do Diccionário de las Religiones Preromanas de Hispânia, José Maria Blázquéz analisa a procedência das camadas sociais dos devotos peninsulares e conclui que “na realidade, os deuses indígenas hispanos, encontraram devotos em genta de todas as procedências e de todas as camadas sociais”.
Não exageramos afirmando que muitas das crenças do mundo lusitano chegaram até aos nossos dias adaptando-se ou integrando-se nas religiões, que ao longo de dois milénios invadiram o seu território. O carácter essencialmente espiritual da Religião dos Lusitanos permitiu persistências cristianizadas ou aceites sem repúdio, vivendo na tradição do nosso povo.

Adriano Vasco rodrigues em: Os Lusitanos -Mito e Realidade- Academia Internacional da Cultura Portuguesa - 1998