Em plena crise, o pensamento inquieta-se e interroga-se; ele pesquisa as causas mais profundas do mal que atinge a nossa vida social, politica, económica e moral.
As correntes de ideias, de sentimentos e interesses chocam brutalmente, e deste choque resulta um estado de perturbação, de confusão e de desordem que paralisa toda a iniciativa e se traduz na incapacidade de encontrarmos soluções para os nossos males.
Portugal perdeu a consciência de si mesmo, da sua origem, do seu génio e do seu papel, de herói intrépido, no mundo. Chegou a hora do despertar, do renascimento, de eliminar a triste herança que os povos do velho mundo nos deixaram, as bafientas formas de opressão monárquicas e teocráticas, a centralização burocrática e administrativa latina, com as habilidades, os subterfúgios da sua politica e dos seus vícios, toda esta corrupção que nos tolda a alma e a mente.
Para reencontrar a unidade moral, a nossa própria consciência, o sentido profundo do nosso papel e do nosso destino, isto é, tudo o que torna uma nação forte, bastaria a nós portugueses eliminar as falsas teorias e os sofismas que nos obscurecem o caminho de ascensão à luz, voltando à nossa própria natureza. Às nossas origens étnicas, ao nosso génio primitivo, numa palavra, à rica e ancestral tradição lusitana e/ou celtibera, agora enriquecida pelo trabalho e o progresso dos séculos.
Um país, uma nação, um povo sem conhecimento, saliência do seu passado histórico, origem e cultura, é como uma árvore sem raízes. Estéril e incapaz de dar frutos.

Tribos


Povos ancestrais pré-romanos que ocuparam o território hoje português e respectivos clãs. As suas origens e seus costumes.

Os Lusitanos

Foram um povo celtibérico que viveu na parte ocidental da Península Ibérica. Primeiramente, uma única tribo que vivia entre os rios Douro e Tejo ou Tejo e Guadiana. Ao norte do Douro limitavam com os galaicos e astures - que constituem a maior parte dos habitantes do norte de Portugal - na província romana de Galécia, ao sul com os béticos e ao oeste com os celtiberos na área mais central da Hispânia Tarraconense.



A figura mais notável entre os lusitanos foi Viriato, um dos seus líderes no combate aos romanos. Apesar de as fronteiras da Lusitânia não coincidirem perfeitamente com as de Portugal de hoje, os povos que aqui habitaram são uma das bases etnológicas dos portugueses do centro e sul e também dos extremenhos (da Extremadura espanhola).



Numa primeira fase, os lusitanos, eram gentes nómadas que vagueavam sem rumo pelas fragas e montes. Subsistindo da pastorícia e de tudo aquilo que a natureza lhes proporcionava. De onde proveram ninguém sabe ao certo, no entanto há quem diga que faziam parte integrante da sua terra, tal como os rios e as serras que a cruzam, tendo-se congregado à posterior com gentes forasteiras oriundas do centro da Europa, as quais nutriam fortes ligações com a cultura celta de La Tène.



Eram excelentes cavaleiros, os seus passatempos preferidos eram a musica, a dança e, acima de tudo as provas de destreza física, as quais os preparavam para fazer a guerra com os povos vizinhos. Através da qual punham à prova a sua bravura. Possuíam uma cultura muito própria, a célebre cultura do javali, a qual distinguia a sua etnia das demais. Idolatravam Deuses poderosos e únicos.



Na montanha a liberdade era absoluta, e a companhia dos Deuses reconfortante. O seu modo de vida era muito austero, mas a pureza da serra e tudo o que a ela é inerente purificava-lhes a alma e enobrecia-lhes o coração, fazendo com que se desembaraçassem com facilidade da cupidez e das suas iniquidades, tornando-nos assim unos com os Deuses. Contudo, com a chegada dos Fenícios ao sul da península e com o estabelecimento de vários postos mercantis tudo mudou. Os forasteiros trouxeram o bronze, já mais tarde o ferro, e também os iniciaram no cultivo da terra, brindando-os assim com uma ténue brisa daquele que era o mundo civilizado da época.



Consequentemente, sob a regência dos clãs mais influentes e mais abastados surgiram por toda a parte dentro dos seus domínios vários povoados castrejos, nos quais se concentrou o seu parco poder, quer politico quer económico. Os desterrados e menos abastados, os quais permaneceram fiéis ao nomadismo, nos Invernos de maior escassez apenas com o intento de subsistir, tinham o mau hábito de se organizarem em numerosos bandos e de descer a montanha a fim de empreenderem bravas campanhas às povoações mais abastadas, situadas a sul. Tendo como principal objectivo a depredação, dividindo à posterior os despojos por todos.



O traje de um guerreiro lusitano era composto por um sago de lã (antigo saio militar) que os guerreiros usavam debaixo da couraça, geralmente de pele ou linho grosso. Como protecção serviam-se ainda de polainas, peça de vestuário em couro ou pele, para resguardar a parte inferior das pernas.Para protegerem os braços ao nivel dos bíceps usavam virias.
A principal arma de um guerreiro lusitano era a falcata. Como protecção usavam as caetras,um pequeno escudo redondo com o tamanho de dois pés, muito boas também para atacar. Estas eram presas ao braço do guerreiro através de correias de couro ou correntes de ferro.Para a luta corpo a corpo e também como arma para guerreiros montados, excelente para abrir armaduras, tinham ainda o Soliferrum (Uma lança toda em ferro, mais ou menos com o tamanho de um homem, tendo em conta que os lusitanos eram baixos e um pouco atarracados). Como arma de arremeço usavam a trágula, uma lança de madeira apenas com a ponta em ferro ou bronze. Quando iam para combate apanhavam os seus compridos cabelos na nuca, cobrindo a sua face com pez ou um outro pigmento. Os seus trajes eram tingidos de escarlate por uma pigmento importado da Fenícia, o qual apenas muito mais tarde foi adoptado pelo exercito romano que na altura da republica trajava em tons de cinzento.



No seio dos clãs lusitanos existiam excelentes ourives, assim como ferreiros. Os aristocratas e/ou chefes militares (eleitos em caso de guerra entre os melhores, pois na Lusitânia não se conheceram reis) usavam grossos torques que os distinguiam dos demais, assim como as já aqui referidas virias. Quantas mais virias usa-se um guerreiro maior era a sua bravura.

Os clãs Lusitanos



Entre muitos outros, destaco:

Igaeditani – Clã lusitano que ocupava a região entre os rios Ponsul e Elga. Os seus Deuses tutelares eram Erbina e Igaedo. Cultivam a terra e dedicavam-se a transacções comerciais. Na época romana sobre o seu território nasceu o povoado de Igaeditania, o qual veio a ser um importante posto mercantil de todo o império, só não tinha aceso directo ao rio como também todas as estradas a cruzavam.

Tapori – Clã lusitano que habitava a região circundante à actual cidade portuguesa de Castelo Branco, tendo como vizinhos os elbocori a oeste e os igaeditani a este. Pensa-se que a sua capital seria Verurium. A sua Deusa tutelar era Oipaingia.

Elbocori – Clã lusitano, cujo território que ocupava é actualmente a região onde se pode encontrar a cidade portuguesa de Abrantes. Dedicavam-se ao gado cavalar e veneravam Epona.

Coerenses – A Norte limitavam com os Vettones, a Oeste com os Lancienses Oppidani, a Este com os Caluri e a Sul com os Calontienses.

Calontienses – Clã lusitano, cujo território que ocupava é actualmente a região onde se pode encontrar a cidade espanhola de Valência de Alcântara.

Caluri – Clã lusitano, cujo território que ocupava é actualmente a região onde se pode encontrar a cidade espanhola de Plasencia.

Paesuri – Clã lusitano, residente entre os rios portugueses Vouga e Douro.

Ocelenses Lancienses – A Norte e a Este limitavam com os Lancienses Transcudani. A Este com os Lancienses Oppidani. E, a Sul com os Igaeditani e Tapori.

Lancienses Transcudani – Situados no planalto da Guarda/Sabugal, os Lancienses Transcudani viriam até ao rebordo desse planalto ou, mais concretamente, até às alturas de Cabeço das Fráguas

Lancienses Oppidani – Clã lusitano que ocupava a região da Cova da Beira.

Os Galaicos


Sábios na adivinhação pelas entranhas, penas,
e chamas, mandou a rica Galécia seus jovens,
que agora ululam as canções bárbaras de sua língua,
pisoteando a terra batida, a pés alternados,
e acompanhando o feliz número com os seus escudos ressoantes.


(Em o épico Punica, por Sílio Itálico, século I d.C.)




Os galaicos (callaeci ou gallaeci, em latim e kallaikoi em grego), também conhecidos por calaicos, eram um conjunto de tribos celtas (Aidwoi, Albioni, Arronioi, Baniensses, Brassioi, Brigantini, Cilenos, Koukoi, Límios, Nerioi, Sewroroi, Túrodes, Artabroi, Zoelae, Abobrigoi, Artodioi, Bracaroi, Ekwesioi, Interammikoi e Kalaikoi) que habitavam o noroeste da península Ibérica, região que corresponde hoje em dia ao espaço geográfico que abrange o norte de Portugal, a Galiza, as Astúrias e parte de Leão. Sem duvida alguma o povo que ocupou território hoje português que mais vestigios deixou para a posterioridade. Através destes entendemos a forte ligação dos povos ibéricos com a cultura celta.


Os seus povoamentos designados por castros eram povoados fortificados situados num lugar estratégico para facilitar a defesa da população. Tinham também que dispôr de acesso fácil a recursos alimentícios e água, pelo que se situavam habitualmente entre a zona de montes e prados e a de bosque e cultivos. Existiram castros de muitos tamanhos e tipos; entre estes destacam-se os da costa e os do interior.
As plantas destes assentamentos são redondas: mais ou menos circulares ou ovaladas. No seu interior as construções, nas quais também dominam as formas circulares ou elípticas, distribuem-se sem ordem aparente, ainda que é possível que existisse algum tipo de organização e que os agrupamentos respondessem a algum tipo de função que se desconheça hoje.
Ainda que não se sabe exactamente o seu número; a quantidade total, para todo o território do noroeste, devia rondar os 4000 ou 5000, o que indica uma elevada densidade de povoação para a época.


"Durante dois terços do ano, os castrejos alimentam-se de bolotas, que secam e trituram e, depois, moem para fazer pão, que conservam por muito tempo."



Dos galaicos sabe-se que trabalhavam o ouro, o ferro, o bronze e o barro.


Os povos castrejos (já conhecidos pelos Gregos com o nome de "Kallaikoi", ou seja, Galaicos) foram definitivamente derrotados pelos Romanos no ano 19 a.C., invadidos desde a Lusitânia pelas tropas de Décimo Júnio Bruto, o Galaico. As teorias mais divulgadas falam da origem do seu nome como sendo dado pelos romanos por terem sido a primeira tribo que enfrentaram, na zona de Cale e, pela sua braveza e espírito guerreiro, viu estendida a sua designação às outras tribos galaicas do Noroeste Peninsular. Outra teoria tem vindo a ganhar aceitação, nos tempos mais actuais. Esta relaciona os Callaeci com Cailleach, a deusa-Mãe dos Celtas, por estes serem adoradores desta divindade.


Os celtici




Celtici (em Português e Espanhol, célticos) era a denominação usada para uma tribo celta radicada na Península Ibérica, mais concretamente no que hoje são as províncias do Alentejo e do Algarve, em Portugal, e na província de Badajoz e também no norte da Província de Huelva, em Espanha.



A sua presença deu-se em resultado da onda de migrações de tribos celtas para a península que ocorreu entre o final do bronze e o sec.IV a.C. Ao contrário da tribo celta que está na origem dos clãs galaicos e que se mesclou com os lusitanos, esta migrou já tardiamente, sendo que era proviniente da tardia cultura de La Tene e não da antiga cultura de Hallstatt.

Os turdulos e a  cidade perdida de Collippo

 


Os turdulos eram uma antiga tribo descendente dos tartéssicos, que vivia no sul de Portugal, a leste da província do Alentejo, ao longo do vale do Guadiana, aproximadamente entre a Oretânia e a Turdetânia. A sua capital foi o antigo oppidum de Ipolka, conhecida como Obulco na época dos romanos, a actual Porcuna, em Jaén. Entre outras particularidades, acredita-se que se diferenciavam dos demais povos iberos na língua, supostamente de origem tartésia. A dada altura, uma ramificação desta tribo emigrou para o actual território português, tendo-se fixado na região de Leiria, cerca de 300 ou 400 anos antes de Cristo.



Teriam escolhido o Outeiro de S. Sebastião para fixar um grande povoado, com certeza devido às suas excelentes condições geo-estratégicas. Este Outeiro, todavia, deveria ser já habitado, pois nas escavações efectuadas encontraram-se alguns fragmentos de cerâmica pré-histórica. Aquelas mesmas escavações permitiram recolher algumas cerâmicas pré-romanas, provavelmente dos túrdulos, que parece terem escolhido o ponto mais alto do morro de S. Sebastião, onde está hoje o depósito de água, para edificarem o seu povoado.



A cidade romana de Collippo é referida desde o século I pelos autores latinos como sendo um povoado túrdulo situado na faixa atlântica entre Conimbriga e Eburobrittium.
O próprio termo “Collippo” resulta da junção da palavra latina “Coilis”, que significa colina, outeiro, com o radical túrdulo “-ippo” que significará povoado ou povoado fortificado. O termo Collippo, ele mesmo testemunha então a união entre os túrdulos e romanos significando povoado ou cidade da colina.



Infelizmente, hoje em dia poucas são as provas da presença destes povos pré-romanos no local, já que o cabeço de S. Sebastião foi totalmente destruído ao longo deste século pelos trabalhos de remoção de terras e extracção de areias que ali teve lugar.
O monte onde está hoje o depósito de água, que há umas décadas atrás era bem mais alto, teria sido o local onde se iniciou a história de Collippo, que, começando por ser um povoado pré-romano, rapidamente se transformará ao longo dos primeiros séculos da nossa Era na cidade mais importante da região leiriense.


Os conii ou cinetes


Os cónios (do latim, Conii), também denominados por cinetes, foram os habitantes das actuais regiões do Algarve e Baixo Alentejo, no sul de Portugal, em data anterior ao séc. VIII a.C., até serem integrados na Província Romana da Lusitânia. Inicialmente foram aliados dos Romanos quando estes últimos pretendiam dominar a Península Ibérica.


A origem étnica dos cónios permanece uma incógnita. Para os defensores das teorias linguísticas actualmente aceites; a origem comum na Anatólia ou no Cáucaso das línguas europeias e indianas: ou seja, línguas indo-europeias, os cónios teriam uma origem celta, proto-celta, ou pré-céltica ibérica. Estas teorias, relativamente recentes, foram facilmente aceites, principalmente, por aqueles que registavam qualquer ligação dos europeus a África. Antes da teoria da origem caucasiana, muitos europeus julgavam-se descendentes de Jafé, conforme escrito na Bíblia, no livro de Génesis 10:5. Cronistas da antiguidade grego-romana, enumeram mais de 40 tribos ibéricas, entre elas a tribo cónia, como sendo descendentes de Jafé, pai dos europeus.



Muitos autores concordam que a lingua cónia teria um substrato muito antigo relacionado com Osco, Latim e Ilirico. No Chipre encontramos uma localidade com o topónimo Konia. Nos Balcãs encontramos a tribo dos trácios cicones que poderão estar relacionados com os cónios e com os povos que invadiram a anatólia, no sec. XII a. C. e posteriormente fundaram as cidades de Conni, na Frígia e de Iconium, na Anatólia.




No Baixo Alentejo e Algarve foram descobertos vários vestígios arqueológicos que testemunham a existência de uma civilização detentora de escrita, adoptada antes da chegada dos fenícios, e que se teria desenvolvido entre o século VIII e o V a.C. A escrita que está presente nas lápides sepulcrais desta civilização e nas moedas de Salatia (Alcácer do Sal) e é datável na Primeira idade do Ferro, surgindo no sul de Portugal e estendendo-se até à zona de fronteira. As estelas mais antigas recuam até ao século VII a.C. e as mais recentes pertencem ao século IV. O período áureo desta civilização coincidiu com o florescimento do reino de Tartessos, algo a que não deverá ser alheio a intensa relação comercial e cultural existente entre os dois povos e que também teve uma escrita, que ao contrário do que sucede com a dos cónios, é hoje conhecida nas suas linhas gerais. Não é consensual a designação da primeira escrita na peninsula ibérica. Para muitos historiadores é a escrita do sudoeste (SO) ou sud-lusitana. Já os linguístas, utilizam as designações de escrita tartessica ou turdetana. Outros concordam com a designação de escrita cónia, por não estar limitada geograficamente, mas relacionada com o povo e a cultura que criou essa escrita. E, segundo Leite de Vascocelos com os nomes konii e Konni , que aparecem inscritos em várias estelas. A posição destes estudiosos deve-se á concordância das teorias-hipoteses históricas e modelos linguísticos actualmente aceites nos meios cientificos. Estas posições baseiam-se em evidências linguísticas. Só que até á data não foram encontrados dados arqueologicos evidentes, daí que investigadores duvidem da existência dos cónios, outros negam a existência de celtas na península. A localização provável de Conistorgis a sua principal cidade ou capital é a norte de Ossonoba (actual cidade de Faro). A cidade principal do país dos cónios era Conistorgis, que em língua cónia, significaria "Cidade Real", de acordo com Estrabão, que considerava a região celta. Foi destruída pelos lusitanos, por estes terem-se aliado aos romanos durante a conquista romana da Península Ibérica. A localização exacta desta cidade ainda não foi descoberta.



Aparentemente, antes da chegada dos romanos, os cónios eram monoteístas. O deus dos Cónios era Elohim, segundo uma estela que se encontra presentemente no Museu de Évora. O Sudoeste na Idade do Ferro, desde o séc. VI a.C., apresenta um complexo de influências religiosas tartéssicas, gaditanas (bastante helenizadas) e célticas ou pré-celticas, correspondente a uma zona de grandes interacções culturais e movimentos de populações.
 
Como viviam os lusitanos?
Economia e Sociadade


A pecuária foi a grande fonte de riqueza gentílica dos Lusitanos. O mesmo podemos dizer a propósito dos seus vizinhos, os Vetões, e também daqueles a que genericamente chamam Celtiberos.


Embora vivessem em regime de gentilidades, agrupadas em núcleos urbanos, os castros ou cividades, povoamento típico de uma comunidade pastoril, situados em montes defensáveis por natureza, não estavam num mundo fechado. O comércio, por troca directa ou mediante moeda-padrão, o gado, estabelecia relações entre as gentilidades, com os vizinhos e os colonizadores, fixos no sul e levante espanhol mediterrânico.



Temos de nos referir também aos povos da costa atlântica ocidental. A sua economia apoiava-se na pesca e na extracção de sal, que forneciam aos do interior. O peixe seco, fumado ou em salmoura “garum” cambiavam-no por produtos do interior. Políbio refere a pesca, quer a dos rios, quer a marítima, acentuando a diferença de preços em comparação com os do mediterrâneo, nas costas da Grécia e da Itália. Estrabão fala das ostras do Tejo e dos peixes que ali abundavam. Também no Douro havia grandes peixes que hoje se consideram extintos. As barragens mais prejudicaram a ecologia. O salmão e lampreia viviam em quantidade em alguns rios. Os peixes do Côa eram e são ainda dos mais saborosos, assim como as trutas do Mondego.



A ganadaria lusitana englobava gado lanígero, caprino, cavalar e a criação de bois em zonas confinantes com a Galécia. Também o gado do ar, as abelhas, interessava aos lusitanos, que teriam sido grandes recolectores de mel. Nas Beiras e Trás-os-Montes foi grande o aproveitamento apícola, podendo citar-se como das regiões mais importantes do Sabugal, o que no passado se ligava ao aproveitamento industrial de cera, usada na fundição. O processo da cera perdida era seguido na fundição do cobre e estanho, ou na liga de bronze. A referida é rica em estanho e cobre. Mais ao norte, perto de Pinhel, o povoado de Luselos (o topónimo terá alguma relação com Lusitano?), foi o maior produtor de mel e cera, daquele concelho e ainda hoje associa esta produção à economia pastorial.



Plínio fala das colmeias entre nós, e diz que as transportavam ao dorso de muares (mulos). Certamente acompanhariam os pastores nas suas deambulações em transumância.


A caça era uma actividade que servia a economia, contando-se além da caça miúda, referida por Plínio, javalis, veados e uma espécie de touro selvagem, que então era corrente. A abundância de coelhos seria tão grande que o nome de Espanha, viria de região dos coelhos, como era conhecida a Península na linguagem dos Cartagineses.



O Cavalo não era usado como animal de tracção, mas somente na cavalaria militar e nos sacrifícios religiosos. Criavam-se livremente, em alguns vales, com bons pastos, especialmente nas lezírias do Tejo, onde se mantém a tradição. A abundância destes animais criou o mito de que as éguas eram fecundadas pelo vento…Criavam-se também muares e um antepassado do burro.


Os lusitanos serviam-se de carreta de quatro rodas, atrelada a bois, à semelhança do que faziam os galaicos. A arqueologia testemunha miniaturas destes carros.



Então, o clima era mais húmido do que actualmente. Uma boa parte do país estava coberta de bosques e matas, pelo que faziam, por vezes, grandes queimadas, não só para afugentar os animais bravios, mas para conseguirem pastos. Alguns animais que povoavam o nosso solar, estão actualmente extintos, em Portugal, como sucedeu à cabra do Gerez, ao urso, ao veado, ao javali. Estrabão fala no grande número de camursas, de cavalos selvagens e aves, tais como cisnes, pernaltas, abetardas e cegonhas e também de castores e coelhos pretos, que aqui existiam.



Alcateias de lobos ameaçavam a segurança dos rebanhos. Não era menor, em certas épocas, o perigo dos ursos. Bandos de falcões, águias, açores e outras aves de rapina, seguiam as rotas da transumância.


Os lusitanos derivaram da pecuária uma série de indústrias artesanais: lacticínios, pelames, curtumes, fiação e conserva de carnes (salgadas e fumadas). Teciam em casa os próprios vestuários, em teares singelos, cujos fios esticavam por meio de pesos de pedra ou de barro. Estes pesos são muito frequentes nos castros, no interior das habitações. Ali se encontram, também, fusaiolas ou cossoiros, rodelas de barro duro, para equilibrar melhor o fuso da fiandeira.


A cerâmica era de fabrico caseiro, incluída nos modelos do período de La Tènne. Conheciam o torno, mas a maior parte das peças cerâmicas era feita sem seu auxílio.


O pão era preparado em casa, o que não significa que não houvesse um celeiro comum. Torravam a bolota do carrasco, que amassavam com água e sal e comiam aquela papa. É natural que nos períodos mais remotos se servissem das pontas dos dedos, mas, talvez, por influência dos povos mediterrânicos, passaram a utilizar a colher. Ainda hoje, a cocharra de madeira, feita com a ajuda de um cuchilho ou canivete, é um instrumento indispensável ao pastor. Há colheres artisticamente trabalhadas. Os pastores do Jarmelo tinham fama de ser bons escultores de objectos de madeira, tradição que poderá enraizar na época pré-histórica.


Os lusitanos não usavam só vestuário de lã ou couro. Cultivavam nos vales plantas têxteis: o linho (Linium humile, L. e Linum usitalissimum, L.) e o esparto (Stipa tenassissima), este no sul. O Algarve era o principal produtor. Servia para fabricar sandálias, cestos, cordas e tecidos grossos.



Pela análise dos pólenes e estudo dos restos de sementes, sabemos que criavam algumas variedades de trigo (Triticum diccocum e Triticum vulgare compactum, L.). O mais corrente era o trigo duro. Semeavam cevada (Hordum sativa) e uma variedade hispânica, a cevada nua. Parece que não conheceram o centeio antes da vinda dos romanos. É natural, que nos próprios locais onde semeavam o trigo e à semelhança do que acontece ainda hoje em algumas terras da Beira, os gados pudessem pastar nos campos de trigo, enquanto este não ia alem de um palmo de altura. Também é, natural, que nos lugares da lavra, acarrasse o gado, isto é, pernoitasse o gado, pois, como dizem ainda hoje na região da Estrela, para colher bons nabos são precisas “sete relhas e rabo de ovelhas”, significando boa cava e muito estrume.


Além dos nabos os lusitanos comiam favas (Vicia faba, L.). Muitos frutos que hoje servem a nossa dieta não tinham ainda entrado na Península, mas já comiam maças indígenas, do tipo das chamadas malápias ou maçãs Sanjoaninas (aparecem no S. João). Serviam-se de peros e maçãs de Inverno, próprias das regiões serranas. Comiam pêras, cerejas, nêsperas, (distintas do magnório, de origem oriental). As castanhas, as avelãs, as amêndoas, seriam tão abundantes, que alguns autores dizem que lusitânia é vocábulo fenício, derivado da raiz Luz, que se interpreta como am.ygdalum isto é, amêndoa, “ dos quais frutos foi sempre fértil em Portugal e como os Fenices costumavam dar nome às terras, que habitavam conforme os frutos, de que eram mais abundantes, não parece improvável nem incongruente esta conjectura, por ser estabelecida em historia verdadeira”.



Os lusitanos serviam-se de amoras de silva e como dissemos já, das bolotas de carrasco, que são muito agradáveis assadas. São mais doces do que a castanha. Em algumas povoações do concelho de Meda, em Longroiva, por exemplo, era frequente comer-se a bolota do carrasco assada, em vez das castanhas, que ali não se dão.


A videira, a figueira e a oliveira encontravam-se no sul, na zona mediterrânica. No tempo de Viriathus a oliveira atingira as proximidades do Tejo.


Políbio falando da Lusitânia põe em evidencia a reprodução de animais, de pessoas e de plantas, fenómeno que atribui ao clima. Fala das rosas, dos girassóis, dos espargos e de outros vegetais, dando-nos ainda indicação do preço da cevada, do trigo, do vinho e dos figos. A propósito da abundância de caça, diz-nos que esta se oferece como brinde a quem comprar outras coisas.


Os lusitanos eram sóbrios na comida e na bebida, o que é posto em evidência por todos os autores clássicos. Segundo as fontes antigas comiam uma única refeição ao dia. Parece-nos um exagero… Ainda hoje o trabalhador rural, em determinadas épocas do ano, come apenas uma única refeição em casa com a família, a ceia. Mas isto não significa que coma apenas uma única vez, pois levam-lhe o “jantar” ao campo e faz-se acompanhar da merenda. É natural fossem rebuscando frutos durante as épocas em que eles abundam pelos campos, pois algumas plantas frutíferas eram espontâneas no território ocidental. Com a família reunida, fariam apenas uma única refeição. Ainda hoje os pastores assim procedem, o que não significa que não levem a merenda no surrão…


Assim mesmo, o aumento de refeições não contraria a ideia de sobriedade. Bebiam, hidromel, a que adicionavam ervas aromáticas. A prática do hidromel é ainda corrente entre os serranos, onde se não produz vinho, que só é consumido na altura das ceifas, ou ao domingo, na taberna.


Os lusitanos fabricavam uma cerveja, que consumiam quando faziam banquetes, em reuniões familiares. E o conceito de família era bem mais lato do que hoje…


O vinho e o azeite eram raros entre os lusitanos, na época pré-romana, embora depois da conquista se tornassem fontes de rendimento agrícola para os exploradores. Segundo Plínio, os povos hispânicos fabricavam uma bebida aromática, misturando vinho, mel e ervas. Talvez se encontre aqui a origem dos licores, alguns deles em que apenas o vinho foi substituídos por agua ardente. O facto de empregarem uma centena de ervas aromáticas mostra o elevado grau atingido pela ervanária.



A alimentação dos lusitanos seria à base de carne e lacticínios. Qual a percentagem de unidades abatidas em cada rebanho, na época de Viriathus? Hoje pensa-se que não haverá perigo de destruição de um rebanho pelo abate até 47% do mesmo. Talvez entre os povos da Lusitânia nunca se atingisse essa percentagem. Não temos provas de que nos sacrifícios se servissem de animais de pasto, para fazerem hecatombes, como ocorria em certas épocas do ano com os celtas. O número de emulações seria muito limitado.


Os lusitanos fundiam objectos de ouro, prata, cobre, estanho, bronze, ferro e chumbo. A prata era explorada no sul, Bética nos grandes jazigos da Serra Morena. O vale do Meimão, entre Penamacor e Sabugal, ainda hoje é conhecido por Vale da Prata, talvez por ficar no caminho da prata. A via lata, que atravessava essa região depois de passar o Tejo, na ponte de Alcântara, foi também conhecida por via da prata. Já citada por Plínio, em Longroiva, povoação que se situa entre Trancoso e Vila Nova de Foz Côa, no concelho da Meda, no sitio dos Areais há uma velha mina de chumbo. Fica próxima da Quinta da Canameira, que era atravessada pela canada, ou via pecuária, que conduzia ao rio Côa.

Também Plínio nos diz que os lusitanos se serviam de lingotes de prata. Como mercadoria padrão, para troca, mas não usavam moeda em sentido vulgar, o que só seria possível se houvesse uma economia controlada, por um emissor central. Os cartagineses preferiam a troca directa à moeda convencional, nos seus negócios com os indígenas, visto a troca directa ser mais vantajosa.


As inúmeras contas de colar de pasta vítrea fenícias, as cerâmicas púnicas, os objectos de adorno, os alfinetes, os broches (os falados escaravelhos de ouro egípcios), as cerâmicas mediterrânicas e as da Meseta, as púrpuras, as armas, os perfumes, as fíbulas ibéricas e hispânicas e as ourivesarias, encontradas nos castros lusitanos e galaicos, funcionaram como mecanismo de intercambio, o que impediu o desenvolvimento da fase monetária, que corresponde a uma economia mais evoluída.


Quanto às vias de comunicação terrestre, que serviam este comércio, estavam intimamente relacionadas, no interior, com os caminhos da transumância. O pastor lusitano não vivia num espaço isolado, mas em contacto com outros vizinhos. As vias marítimas uniam a península ao Mediterrâneo e também às terras do Norte, se aceitarmos as navegações da Idade do Bronze Atlântico.

Sendo a transumância uma necessidade vital para a sobrevivência dos gados, nascida das secas estivais, ou da destruição dos pastos pela neve e pelo gelo e nesses tempos o homem não dispunha do recurso ds forragens de que se serve hoje, naturalmente que a transumância tinha de fazer-se, em maior ou menor extensão. E nesse caso “a instabilidade das circunstâncias”, a que se refere Caro Baroja tinha de ser controlada. E sabemos como era feito esse controlo: por alianças e pactos entre grupos que detinham os mesmos interesses; por reuniões de assembleias das várias tribos em que se fazia a repartição dos pastos e concertavam acordos (não esqueçamos a existência da Assembleia Ibérica, já no século III a.C.) e finalmente, pela disputa violenta do território, servindo-se da linguagem das armas. Não era em vão que estes pastores eram também guerreiros e os seus povoados fortificados estavam preparados para a instabilidade das circunstâncias.


Os povos migratórios, nessa época da idade do ferro, faziam-se acompanhar sempre dos seus rebanhos, que eram fontes de abastecimento, moeda de troca e recurso de produção de vestuário. A primeira grande comunidade europeia, a dos celtas, foi essencialmente pastoril. O estreito localismo pretendido po Maluquer, não pode ser fixismo. Os castros são essencialmente lugares de acampamento e não espaços cerrados, em que uma sociedade estática se possa desenvolver… Para lá das casas, que pela sua estreiteza nada mais são do que tendas fixas para abrigo, o espaço urbano, exíguo, é de si esclarecedor de que a vida da comunidade se processava fora de muros.



O território, no período pré-romano, para as populações pastoras a que nos estamos a referir, não era um fim, mas um meio. A terra não era valorizada em determinada direcção, como seja a da apropriação do espaço. O conceito de propriedade territorial era impreciso. Ao lusitano pastor, ao Vetão, ou ao Vaceu, não interessava possuir terra no sentido que se dá hoje ao território nacional. Interessava-lhes a liberdade de trânsito. Teria sido nesse sentido que Virithus exclamou: A pátria está na liberdade!


Tal como as águas dos rios ou dos lagos eram comunitárias também o terreno em que os gados transitavam eram comunitários, ou mais rigorosamente eram de participantes no espaço, que é um conceito distinto de espaço privado. Naturalmente que esse transito seria limitado a certas tribos e daí os conflitos e a defesa violenta do direito de trânsito.


As lutas entre os pastores nasceram da necessidade de defender os direitos de passagem e de participação ou utilização de um determinado território, quando estranhos, recém chegados, sem tradição, pretendiam usurpar esses direitos usufruindo de pastos. Isto opunha-se à institucionalização do regime comunitário defendido pelo direito consuetudinário da seventia.


Adriano Vasco rodrigues em: Os Lusitanos -Mito e Realidade- Academia Internacional da Cultura Portuguesa - 1998