Em plena crise, o pensamento inquieta-se e interroga-se; ele pesquisa as causas mais profundas do mal que atinge a nossa vida social, politica, económica e moral.
As correntes de ideias, de sentimentos e interesses chocam brutalmente, e deste choque resulta um estado de perturbação, de confusão e de desordem que paralisa toda a iniciativa e se traduz na incapacidade de encontrarmos soluções para os nossos males.
Portugal perdeu a consciência de si mesmo, da sua origem, do seu génio e do seu papel, de herói intrépido, no mundo. Chegou a hora do despertar, do renascimento, de eliminar a triste herança que os povos do velho mundo nos deixaram, as bafientas formas de opressão monárquicas e teocráticas, a centralização burocrática e administrativa latina, com as habilidades, os subterfúgios da sua politica e dos seus vícios, toda esta corrupção que nos tolda a alma e a mente.
Para reencontrar a unidade moral, a nossa própria consciência, o sentido profundo do nosso papel e do nosso destino, isto é, tudo o que torna uma nação forte, bastaria a nós portugueses eliminar as falsas teorias e os sofismas que nos obscurecem o caminho de ascensão à luz, voltando à nossa própria natureza. Às nossas origens étnicas, ao nosso génio primitivo, numa palavra, à rica e ancestral tradição lusitana e/ou celtibera, agora enriquecida pelo trabalho e o progresso dos séculos.
Um país, uma nação, um povo sem conhecimento, saliência do seu passado histórico, origem e cultura, é como uma árvore sem raízes. Estéril e incapaz de dar frutos.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Pauliteiros de Miranda - Origens


A origem da dança dos pauliteiros não recebe unanimidade dos estudiosos que sobre ela se debruçaram. O P.e João Manuel de Almeida Morais Pessanha e outros autores atribuem a sua origem à clássica dança pírrica, guerreira por excelência. A dança mirandesa dos paulitos teria origem na dança pírrica dos Gregos mas manifesta também vestígios de danças populares do sul de França e na dança das espadas dos Suíços na idade média. Os romanos seriam os responsáveis pela propagação da dança pírrica a esta região.

O Dr. José Leite de Vasconcelos não aceita esta teoria justificando que a dança introduzida em Roma e depois espalhada pelo império nada tinha em comum com a dança pírrica.

Na dança pírrica, os dançantes, com armas e escudos de pau, simulavam o ataque a a defesa na batalha, usavam túnicas vermelhas, cinturões guarnecidos de aço e os capacetes dos músicos eram emplumados. Os bailadores colocavam-se em duas filas e dançavam ao som de flauta.


O abade de Baçal vê muitas semelhanças entre esta dança e a dança dos pauliteiros tais como a substituição das túnicas pelas saias, o escudo pelo lenço sobre os ombros, os chapéus enfeitados e e a utilização da flauta pastoril. A própria evolução da dança, parece ter muitas semelhanças, com várias partes, perseguição, luta, saltos e a dança da vitória. Algumas das mais famosas danças retractam bem essas semelhanças como seja o Salto do Castelo (saltos) e o vinte cinco de roda (dança da vitória).

Em Espanha, a danza de palos, é dançada da Galiza à Estremadura. Segundo o folclorista e musicólogo espanhol Dr. Garcia Matos teria origem na dança da fertilidade. Outros autores espanhóis dizem que a dança é de origem medieval.
O sr. P.e Mourinho concluiu que: trata-se de uma dança comum à Península Ibérica; que há nela tradições militares dos povos autóctones, dos greco-romanos, medievais e outras; embora possa ter existido anteriormente terá vindo com o repovoadores do reino de Leão.

Nas danças, an Pertugal,
Nun sodes bós Is pormeiros?
Fazeis Marabilhas nos lhaços
Que outros chaman "Pauliteiros"!

Furun Is Celtas quien pormeiro,
Antes de serdes cristanos,
Troixe la gaita i las danças
De palicos nas dues manos.

Anquanto la gaita toca,
Caixa i bombo repenican,
Dançadores anfeitados
Passaiges d´la bida imitan.

I esses trajos tan pimpones
I esses palicos nas manos
Lhembran tamien qualquier cousa
Guerreiros griêgos, romanos...

Tamien nos bailes antigos,
Cun moços i cum mocicas
I anté cun biêlhos i biêlhas
Beilais cousas tan bonitas!
José Francisco Fernandes
in "Miranda Yê La Mie Tiêrra"


Desde tempos imemoriais, certamente pré-cristãos, os Pauliteiros Mirandeses de Palaçoulo têm actuado anualmente na festa local de celebração das colheitas, num dia festivo de Setembro, há muitos séculos dedicado a Santa Bárbara, como protectora contra as trovoadas, coriscos e outras intempéries susceptíveis de destruírem as culturas.

O Cerimonial daquele dia festivo de Setembro corresponde a um ritual e a um simbolismo deveras curioso.

Mas novos tempos vieram perturbar, a partir dos anos quarenta, a manutenção desta incalculável riqueza de carácter folclórico e etnográfico. Foi assim que, depois de 30 anos de esmorecimento e interrupção, esta preciosa tradição foi reactivada em 1978, pela recém-criada Associação Cultural de Palaçoulo, que assumiu, a par de outras expressões da cultura popular local, como o apreciado falar mirandês.

A partir de então, nunca mais os Pauliteiros Mirandeses de Palaçoulo deixaram de actuar na festa anual de Santa Barbara e têm sido portadores da mesma mensagem do seu folclore até muitas localidades do País, assim como, algumas vezes, também no estrangeiro.

São danças masculinas, viris, de origem fundamentalmente guerreira, mas também constituem celebrações de carácter agrícola, pastoril, familiar, lendário e outras. Remontam às antiquíssimas danças das espadas, de origem indo-europeia, possivelmente trazidas pelos Celtas para estas terras mirandesas, onde se conservam até ao presente.

http://www.bragancanet.pt/pauliteiros/palacoul.htm

terça-feira, 27 de março de 2012

Como viviam os Lusitanos? Economia e Sociedade.


A pecuária foi a grande fonte de riqueza gentílica dos Lusitanos. O mesmo podemos dizer a propósito dos seus vizinhos, os Vetões, e também daqueles a que genericamente chamam Celtiberos.


Embora vivessem em regime de gentilidades, agrupadas em núcleos urbanos, os castros ou cividades, povoamento típico de uma comunidade pastoril, situados em montes defensáveis por natureza, não estavam num mundo fechado. O comércio, por troca directa ou mediante moeda-padrão, o gado, estabelecia relações entre as gentilidades, com os vizinhos e os colonizadores, fixos no sul e levante espanhol mediterrânico.



Temos de nos referir também aos povos da costa atlântica ocidental. A sua economia apoiava-se na pesca e na extracção de sal, que forneciam aos do interior. O peixe seco, fumado ou em salmoura “garum” cambiavam-no por produtos do interior. Políbio refere a pesca, quer a dos rios, quer a marítima, acentuando a diferença de preços em comparação com os do mediterrâneo, nas costas da Grécia e da Itália. Estrabão fala das ostras do Tejo e dos peixes que ali abundavam. Também no Douro havia grandes peixes que hoje se consideram extintos. As barragens mais prejudicaram a ecologia. O salmão e lampreia viviam em quantidade em alguns rios. Os peixes do Côa eram e são ainda dos mais saborosos, assim como as trutas do Mondego.



A ganadaria lusitana englobava gado lanígero, caprino, cavalar e a criação de bois em zonas confinantes com a Galécia. Também o gado do ar, as abelhas, interessava aos lusitanos, que teriam sido grandes recolectores de mel. Nas Beiras e Trás-os-Montes foi grande o aproveitamento apícola, podendo citar-se como das regiões mais importantes do Sabugal, o que no passado se ligava ao aproveitamento industrial de cera, usada na fundição. O processo da cera perdida era seguido na fundição do cobre e estanho, ou na liga de bronze. A referida é rica em estanho e cobre. Mais ao norte, perto de Pinhel, o povoado de Luselos (o topónimo terá alguma relação com Lusitano?), foi o maior produtor de mel e cera, daquele concelho e ainda hoje associa esta produção à economia pastorial.



Plínio fala das colmeias entre nós, e diz que as transportavam ao dorso de muares (mulos). Certamente acompanhariam os pastores nas suas deambulações em transumância.


A caça era uma actividade que servia a economia, contando-se além da caça miúda, referida por Plínio, javalis, veados e uma espécie de touro selvagem, que então era corrente. A abundância de coelhos seria tão grande que o nome de Espanha, viria de região dos coelhos, como era conhecida a Península na linguagem dos Cartagineses.



O Cavalo não era usado como animal de tracção, mas somente na cavalaria militar e nos sacrifícios religiosos. Criavam-se livremente, em alguns vales, com bons pastos, especialmente nas lezírias do Tejo, onde se mantém a tradição. A abundância destes animais criou o mito de que as éguas eram fecundadas pelo vento…Criavam-se também muares e um antepassado do burro.


Os lusitanos serviam-se de carreta de quatro rodas, atrelada a bois, à semelhança do que faziam os galaicos. A arqueologia testemunha miniaturas destes carros.



Então, o clima era mais húmido do que actualmente. Uma boa parte do país estava coberta de bosques e matas, pelo que faziam, por vezes, grandes queimadas, não só para afugentar os animais bravios, mas para conseguirem pastos. Alguns animais que povoavam o nosso solar, estão actualmente extintos, em Portugal, como sucedeu à cabra do Gerez, ao urso, ao veado, ao javali. Estrabão fala no grande número de camursas, de cavalos selvagens e aves, tais como cisnes, pernaltas, abetardas e cegonhas e também de castores e coelhos pretos, que aqui existiam.



Alcateias de lobos ameaçavam a segurança dos rebanhos. Não era menor, em certas épocas, o perigo dos ursos. Bandos de falcões, águias, açores e outras aves de rapina, seguiam as rotas da transumância.


Os lusitanos derivaram da pecuária uma série de indústrias artesanais: lacticínios, pelames, curtumes, fiação e conserva de carnes (salgadas e fumadas). Teciam em casa os próprios vestuários, em teares singelos, cujos fios esticavam por meio de pesos de pedra ou de barro. Estes pesos são muito frequentes nos castros, no interior das habitações. Ali se encontram, também, fusaiolas ou cossoiros, rodelas de barro duro, para equilibrar melhor o fuso da fiandeira.


A cerâmica era de fabrico caseiro, incluída nos modelos do período de La Tènne. Conheciam o torno, mas a maior parte das peças cerâmicas era feita sem seu auxílio.


O pão era preparado em casa, o que não significa que não houvesse um celeiro comum. Torravam a bolota do carrasco, que amassavam com água e sal e comiam aquela papa. É natural que nos períodos mais remotos se servissem das pontas dos dedos, mas, talvez, por influência dos povos mediterrânicos, passaram a utilizar a colher. Ainda hoje, a cocharra de madeira, feita com a ajuda de um cuchilho ou canivete, é um instrumento indispensável ao pastor. Há colheres artisticamente trabalhadas. Os pastores do Jarmelo tinham fama de ser bons escultores de objectos de madeira, tradição que poderá enraizar na época pré-histórica.


Os lusitanos não usavam só vestuário de lã ou couro. Cultivavam nos vales plantas têxteis: o linho (Linium humile, L. e Linum usitalissimum, L.) e o esparto (Stipa tenassissima), este no sul. O Algarve era o principal produtor. Servia para fabricar sandálias, cestos, cordas e tecidos grossos.



Pela análise dos pólenes e estudo dos restos de sementes, sabemos que criavam algumas variedades de trigo (Triticum diccocum e Triticum vulgare compactum, L.). O mais corrente era o trigo duro. Semeavam cevada (Hordum sativa) e uma variedade hispânica, a cevada nua. Parece que não conheceram o centeio antes da vinda dos romanos. É natural, que nos próprios locais onde semeavam o trigo e à semelhança do que acontece ainda hoje em algumas terras da Beira, os gados pudessem pastar nos campos de trigo, enquanto este não ia alem de um palmo de altura. Também é, natural, que nos lugares da lavra, acarrasse o gado, isto é, pernoitasse o gado, pois, como dizem ainda hoje na região da Estrela, para colher bons nabos são precisas “sete relhas e rabo de ovelhas”, significando boa cava e muito estrume.


Além dos nabos os lusitanos comiam favas (Vicia faba, L.). Muitos frutos que hoje servem a nossa dieta não tinham ainda entrado na Península, mas já comiam maças indígenas, do tipo das chamadas malápias ou maçãs Sanjoaninas (aparecem no S. João). Serviam-se de peros e maçãs de Inverno, próprias das regiões serranas. Comiam pêras, cerejas, nêsperas, (distintas do magnório, de origem oriental). As castanhas, as avelãs, as amêndoas, seriam tão abundantes, que alguns autores dizem que lusitânia é vocábulo fenício, derivado da raiz Luz, que se interpreta como am.ygdalum isto é, amêndoa, “ dos quais frutos foi sempre fértil em Portugal e como os Fenices costumavam dar nome às terras, que habitavam conforme os frutos, de que eram mais abundantes, não parece improvável nem incongruente esta conjectura, por ser estabelecida em historia verdadeira”.



Os lusitanos serviam-se de amoras de silva e como dissemos já, das bolotas de carrasco, que são muito agradáveis assadas. São mais doces do que a castanha. Em algumas povoações do concelho de Meda, em Longroiva, por exemplo, era frequente comer-se a bolota do carrasco assada, em vez das castanhas, que ali não se dão.


A videira, a figueira e a oliveira encontravam-se no sul, na zona mediterrânica. No tempo de Viriathus a oliveira atingira as proximidades do Tejo.


Políbio falando da Lusitânia põe em evidencia a reprodução de animais, de pessoas e de plantas, fenómeno que atribui ao clima. Fala das rosas, dos girassóis, dos espargos e de outros vegetais, dando-nos ainda indicação do preço da cevada, do trigo, do vinho e dos figos. A propósito da abundância de caça, diz-nos que esta se oferece como brinde a quem comprar outras coisas.


Os lusitanos eram sóbrios na comida e na bebida, o que é posto em evidência por todos os autores clássicos. Segundo as fontes antigas comiam uma única refeição ao dia. Parece-nos um exagero… Ainda hoje o trabalhador rural, em determinadas épocas do ano, come apenas uma única refeição em casa com a família, a ceia. Mas isto não significa que coma apenas uma única vez, pois levam-lhe o “jantar” ao campo e faz-se acompanhar da merenda. É natural fossem rebuscando frutos durante as épocas em que eles abundam pelos campos, pois algumas plantas frutíferas eram espontâneas no território ocidental. Com a família reunida, fariam apenas uma única refeição. Ainda hoje os pastores assim procedem, o que não significa que não levem a merenda no surrão…


Assim mesmo, o aumento de refeições não contraria a ideia de sobriedade. Bebiam, hidromel, a que adicionavam ervas aromáticas. A prática do hidromel é ainda corrente entre os serranos, onde se não produz vinho, que só é consumido na altura das ceifas, ou ao domingo, na taberna.


Os lusitanos fabricavam uma cerveja, que consumiam quando faziam banquetes, em reuniões familiares. E o conceito de família era bem mais lato do que hoje…


O vinho e o azeite eram raros entre os lusitanos, na época pré-romana, embora depois da conquista se tornassem fontes de rendimento agrícola para os exploradores. Segundo Plínio, os povos hispânicos fabricavam uma bebida aromática, misturando vinho, mel e ervas. Talvez se encontre aqui a origem dos licores, alguns deles em que apenas o vinho foi substituídos por agua ardente. O facto de empregarem uma centena de ervas aromáticas mostra o elevado grau atingido pela ervanária.



A alimentação dos lusitanos seria à base de carne e lacticínios. Qual a percentagem de unidades abatidas em cada rebanho, na época de Viriathus? Hoje pensa-se que não haverá perigo de destruição de um rebanho pelo abate até 47% do mesmo. Talvez entre os povos da Lusitânia nunca se atingisse essa percentagem. Não temos provas de que nos sacrifícios se servissem de animais de pasto, para fazerem hecatombes, como ocorria em certas épocas do ano com os celtas. O número de emulações seria muito limitado.


Os lusitanos fundiam objectos de ouro, prata, cobre, estanho, bronze, ferro e chumbo. A prata era explorada no sul, Bética nos grandes jazigos da Serra Morena. O vale do Meimão, entre Penamacor e Sabugal, ainda hoje é conhecido por Vale da Prata, talvez por ficar no caminho da prata. A via lata, que atravessava essa região depois de passar o Tejo, na ponte de Alcântara, foi também conhecida por via da prata. Já citada por Plínio, em Longroiva, povoação que se situa entre Trancoso e Vila Nova de Foz Côa, no concelho da Meda, no sitio dos Areais há uma velha mina de chumbo. Fica próxima da Quinta da Canameira, que era atravessada pela canada, ou via pecuária, que conduzia ao rio Côa.

Também Plínio nos diz que os lusitanos se serviam de lingotes de prata. Como mercadoria padrão, para troca, mas não usavam moeda em sentido vulgar, o que só seria possível se houvesse uma economia controlada, por um emissor central. Os cartagineses preferiam a troca directa à moeda convencional, nos seus negócios com os indígenas, visto a troca directa ser mais vantajosa.


As inúmeras contas de colar de pasta vítrea fenícias, as cerâmicas púnicas, os objectos de adorno, os alfinetes, os broches (os falados escaravelhos de ouro egípcios), as cerâmicas mediterrânicas e as da Meseta, as púrpuras, as armas, os perfumes, as fíbulas ibéricas e hispânicas e as ourivesarias, encontradas nos castros lusitanos e galaicos, funcionaram como mecanismo de intercambio, o que impediu o desenvolvimento da fase monetária, que corresponde a uma economia mais evoluída.


Quanto às vias de comunicação terrestre, que serviam este comércio, estavam intimamente relacionadas, no interior, com os caminhos da transumância. O pastor lusitano não vivia num espaço isolado, mas em contacto com outros vizinhos. As vias marítimas uniam a península ao Mediterrâneo e também às terras do Norte, se aceitarmos as navegações da Idade do Bronze Atlântico.

Sendo a transumância uma necessidade vital para a sobrevivência dos gados, nascida das secas estivais, ou da destruição dos pastos pela neve e pelo gelo e nesses tempos o homem não dispunha do recurso ds forragens de que se serve hoje, naturalmente que a transumância tinha de fazer-se, em maior ou menor extensão. E nesse caso “a instabilidade das circunstâncias”, a que se refere Caro Baroja tinha de ser controlada. E sabemos como era feito esse controlo: por alianças e pactos entre grupos que detinham os mesmos interesses; por reuniões de assembleias das várias tribos em que se fazia a repartição dos pastos e concertavam acordos (não esqueçamos a existência da Assembleia Ibérica, já no século III a.C.) e finalmente, pela disputa violenta do território, servindo-se da linguagem das armas. Não era em vão que estes pastores eram também guerreiros e os seus povoados fortificados estavam preparados para a instabilidade das circunstâncias.


Os povos migratórios, nessa época da idade do ferro, faziam-se acompanhar sempre dos seus rebanhos, que eram fontes de abastecimento, moeda de troca e recurso de produção de vestuário. A primeira grande comunidade europeia, a dos celtas, foi essencialmente pastoril. O estreito localismo pretendido po Maluquer, não pode ser fixismo. Os castros são essencialmente lugares de acampamento e não espaços cerrados, em que uma sociedade estática se possa desenvolver… Para lá das casas, que pela sua estreiteza nada mais são do que tendas fixas para abrigo, o espaço urbano, exíguo, é de si esclarecedor de que a vida da comunidade se processava fora de muros.



O território, no período pré-romano, para as populações pastoras a que nos estamos a referir, não era um fim, mas um meio. A terra não era valorizada em determinada direcção, como seja a da apropriação do espaço. O conceito de propriedade territorial era impreciso. Ao lusitano pastor, ao Vetão, ou ao Vaceu, não interessava possuir terra no sentido que se dá hoje ao território nacional. Interessava-lhes a liberdade de trânsito. Teria sido nesse sentido que Virithus exclamou: A pátria está na liberdade!


Tal como as águas dos rios ou dos lagos eram comunitárias também o terreno em que os gados transitavam eram comunitários, ou mais rigorosamente eram de participantes no espaço, que é um conceito distinto de espaço privado. Naturalmente que esse transito seria limitado a certas tribos e daí os conflitos e a defesa violenta do direito de trânsito.


As lutas entre os pastores nasceram da necessidade de defender os direitos de passagem e de participação ou utilização de um determinado território, quando estranhos, recém chegados, sem tradição, pretendiam usurpar esses direitos usufruindo de pastos. Isto opunha-se à institucionalização do regime comunitário defendido pelo direito consuetudinário da seventia.


Adriano Vasco rodrigues em: Os Lusitanos -Mito e Realidade- Academia Internacional da Cultura Portuguesa - 1998

A cultura castreja

A Cultura castreja desenvolveu-se no século VI a.C., numa ampla zona do noroeste da Península Ibérica, entre os rios Douro e Návia e a Oeste do Maciço Galaico, tendo desenvolvido um tipo muito peculiar de assentamentos, chamados castros, diferentes de outras áreas da península.


A Cividade de Terroso foi um importante povoamento da cultura celta ou cultura castreja do noroeste da península Ibérica, localizado na Póvoa de Varzim, Portugal.
A Cividade, conhecida na Idade Média como Montis Teroso, foi erigida no topo do monte da Cividade, na freguesia de Terroso, na Póvoa de Varzim, a menos de 5 km da costa, no limite nascente da cidade contemporânea.

Situada no coração da região castreja, a Cividade prosperou devido a estar fortemente amuralhada e pela sua localização próxima ao mar que possibilitava o comércio com as civilizações do mar Mediterrâneo. Este comércio atraiu os olhares dos Romanos; a cividade e a cultura castreja pereceram no final da Guerra Lusitana ganha por Roma através do assassinato à traição de Viriato, líder lusitano que chefiava os interesses indígenas.


A citânia de Briteiros é um sítio arqueológico da Idade do Ferro, situado no alto do monte de São Romão, na freguesia de Salvador de Briteiros, concelho de Guimarães (a cerca de 15 km de distância a Noroeste desta cidade). Fica também perto dos santuários do Sameiro e do Bom Jesus de Braga. É uma citânia com as características gerais da cultura dos castros do noroeste da Península Ibérica.
As ruínas foram descobertas pelo arqueólogo Martins Sarmento em 1875. Consiste, basicamente, nos restos de uma povoação, com traços culturais celtas, murada. Existem, na realidade, três muralhas, com dois metros de largura, em média, e cinco metros de altura. A citânia situa-se num alto, tal como acontece com muitos castros.

A influência da romanização naquele povoado, no século I a.C., é evidenciada em numerosos vestígios, tais como inscrições latinas, moedas da República, do Império, fragmentos de cerâmica importada (terra de sigillata), vidros, etc. Revela-se nesta cultura traços da influência indígena no dispositivo topográfico da povoação, no traçado das muralhas, na planta circular das casas, no processo da sua construção e na decoração com motivos geométricos.

Um dos monumentos pré-romanos mais curiosos é um balneário, constando de uma pequena câmara redonda ligada a um recinto quadrangular. Os dois compartimentos eram divididos por uma estela de forma pentagonal, com uma pequena abertura no fundo para se poder passar de um para o outro. Uma das câmaras servia para se tomarem banhos de vapor, a outra para se tomarem banhos de água fria. Durante algum tempo, pensou-se que este balneário fosse um edifício de carácter funerário.

Outros monumentos do mesmo carácter têm sido identificados em diversos castros da região asturo-galaico portuguesa em Paços de Ferreira, na citânia de Sanfins. Como testemunho do primitivismo das origens da citânia de Briteiros existem os achados de instrumento de pedra eneolíticos ou de bronze inicial. Por outro lado, as «mamoas» nas vizinhanças da citânia e as gravuras rupestres nas encostas dos montes próximos mostram a existência de uma cultura autóctone anterior à romana. Esta citânia deva ter sido definitivamente abandonada no século III.

Interpretações recentes permitem atribuir à Citânia de Briteiros o papel de capital política dos Callaeci Bracari no início do século I. d.C., onde se reuniria o respectivo "consilium gentis" na grande casa circular de bancos adossados às paredes.


A Citânia de Sanfins localiza-se quase na sua totalidade na freguesia portuguesa de Sanfins de Ferreira e a parte sudoeste na freguesia de Eiriz, ambas no concelho de Paços de Ferreira, distrito do Porto.

É uma das mais importantes zonas arqueológicas da civilização castreja na Península Ibérica. Surgiu por volta do século I a.C. e ocupa uma área de cerca de 15 hectares, numa colina integrada numa zona de montanhas de afloramentos graníticos, num local estratégico entre a região do Douro e do Minho.

Há vestígios da ocupação do local da Citânia, desde o século V antes de Cristo, embora a grande cidade tenha sido a do tempo dos calaicos, criada entre os séculos II e I a.C.

Nessa época, estima-se que tenham lá vivido três mil pessoas, uma população que vivia essencialmente de trabalhar o ferro, com grande vocação guerreira, ficando outras actividades económicas, como a agricultura, a cargo de outros castros dos arredores, dela dependentes.
Era a cidade-sede de uma região mais vasta, que abrangia as actuais Valongo, Maia e Penafiel, e onde estava o poder político e militar. Os romanos acabariam por lá chegar, poucos anos antes do nascimento de Cristo, mas com dificuldade.
Os primeiros estudos desta Citânia devem-se aos historiadores Francisco Martins Sarmento e a Leite de Vasconcelos. As escavações iniciaram-se em 1944 e prolongaram-se por mais de cinquenta anos.


O Castro de São Lourenço encontra-se no monte do mesmo nome, ao Norte de Esposende, perto de Vila Chã, a uma altura de 200m acima do mar, num dos esporões graníticos da arriba fóssil que se estende desde o Monte Faro (Palmeira de Faro) até S. Paio de Antas (Esposende). A Cividade de Bagunte localiza-se numa elevação bastante proeminente no município de Vila do Conde em Portugal.

Constitui-se em um povoado com cerca de oitocentas casas, onde viveram de duas a quatro mil pessoas. Este povoado fortificado da Idade do Ferro, e posteriormente romanizado, ocuparia uma considerável área, com cerca de 325 metros de comprimento por 150 metros de largura. Possuía, pelo menos, cinco linhas de muralhas defensivas, no interior das quais foram detectadas estruturas habitacionais de planta predominantemente circular e rectangular, agrupadas em aparentes "quarteirões".


A Cividade de Bagunte também é um dos grandes povoados da Cultura Castreja do Noroeste da Península Ibérica e terá sido um centro populacional de apreciável dimensão, ombreando com o magnífico conjunto de povoados que incluem, entre outros, a Citânia de Sanfins (Paços de Ferreira), a Citânia de Briteiros (Guimarães), o Castro das Eiras (Vila Nova de Famalicão) e o Castro de Alvarelhos (Trofa). A Cividade apresentava-se como a guardiã da entrada do vales dos rios Ave e Este, coadjuvada por um grupo de pequenos povoados do mesmo período, coexistentes na região imediatamente circundante.


O Castro de Alvarelhos localiza-se na freguesia portuguesa de Alvarelhos, na serra de Santa Eufémia, concelho de Trofa, distrito do Porto. Trata-se de um povoado fortificado, construído durante a Idade do Bronze Final. Também apresenta características romanizadas, naquele tempo, a administração romana decidiu construir um dos eixos estruturantes do território da Trofa - a estrada que ligava o Porto (Cale) a Braga (Bracara Augusta). Existem também vestígios de ocupação medieval.

A cultura dos Berrões


Os Berrões são estátuas proto-históricas de pedra, esculpidas em pleno relevo com figuras zoomórficas. A temática que estas esculturas apresentam é sempre de animais terrestres, como porcos domésticos, javalis, touros, bodes, cães e raramente ursos, em tamanho natural. O material em que são esculpidas é geralmente de granito, embora também se possa encontrar estátuas esculpidas em outros materiais como mármore e talco. Estima-se que a época em que estas estátuas foram esculpidas foi entre a metade do século IV a.C. e o século I a.C.. Das cerca de 400 esculturas conhecidas, as figuras mais frequentes são as de porcos machos. O vocábulo berrão foi inspirado no termo usado para designar os porcos não castrados.
As dimensões dos berrões podem atingir mais de dois metros, no entanto existem vários outros que chegam a ter apenas 30 centímetros. A zona da cultura dos Berrões é no nordeste de Portugal, principalmente a província de Trás-os-Montes e Beira interior e estende-se até à Espanha às províncias de Cáceres, Zamora, Ávila e Salamanca.


A conhecida Porca de Murça, Berrão, Portugal. A cultura dos Berrões, em Portugal, está associada aos castros transmontanos, onde foi feito um grande número de achados, à tribo dos Draganos, um povo pré-céltico que vivia nesta região, e à tribo dos Vetões.
Acredita-se que as estátuas dos berrões eram utilizados para fins de caracter religioso. As esculturas representariam animais sagrados, ou mesmo divindades protectoras do gado, a quem se prestava culto; um outro possível uso seria o de monumento funerário, como se leva a crer pelas inscrições que algumas destas esculturas exibem. Temos por exemplo a tradução que foi feita da inscrição, em língua ibérica, do berrão de Las Cojotas que suporta esta teoria: "Deus Porco bravo protector da cidade de Adorja".

segunda-feira, 26 de março de 2012

Os lusitanos e a religião

Muitas festividades cristãs são, normalmente, sobrevivências de celebrações pagãs. As festas mais importantes do ano ligam-se ao calendário indo-europeu, com semelhanças evidentes com o calendário céltico. O culto céltico dos mortos pode-se identificar com o das alminhas, ou com a prática da encomendação das almas, naturalmente cristianizadas.


Para os lusitanos a fundição dos metais, particularmente a dos minérios de ferro, era um acto sagrado e os ferreiros, tal como entre os celtas, considerados como mágicos. Moncorvo, situado nas faldas da Serra de Reboredo, rica em ferro, parece ter herdado o seu nome de um culto ao corvo, representado por um amuleto com a forma de um corvo de ferro. Segundo Estrabão essa prática era comum ao norte da Hispânia (Geografia, Liv. III). Jean des Vries na obra citada (página 175) e Grenier (Gaulois, página 341) referem-se ao corvo como ave orácula dos ferreiros.


O culto ao porco aparece sobre a evocação de Santo André Avelino, protector cristão dos porcos. Encontrei esculturas zoomórficas dedicados ao porco e ao touro, junto de uma capela sob evocação deste santo, em Almofala, Figueira de Castelo Rodrigo. Também em Castelo Mendo (Almeida), localizei dois verrascos de pedra, a uma das entradas da cerca medieval, certamente no mesmo sítio por onde, na época castreja, se entrava na povoação e se saía para a necrópole. Isto é o que nos sugere o Calvário que fica no caminho destas esculturas. Este Calvário situa-se, ao que nos informaram, num local que outrora foi mortório (cemitério).


O Zéfiro, deus do vento, tinha um santuário na Serra de Monsanto (monte Santo), perto de Lisboa. A este culto se liga a crença de que a velocidade dos cavalos lusitanos resultava de as éguas serem fecundadas pelo vento Zéfiro.


O culto solar, saído das épocas mais remotas do Neolítico e do Bronze, aparece testemunhado em documentos arqueológicos do período romano. Prende-se às festividades solesticiais, expressas nas orvalhadas da manhã de S. João e aos festejos desse dia, inclusive as danças de purificação, que originalmente só incluíam a passagem do gado pelo meio de filas de fogueiras.


Sabemos que os lusitanos efectuavam danças religiosas nas noites de plenilúnio. Os planetas, Marte, Vénus e Lua seriam motivadores de danças rituis. Certos jogos, que ainda hoje se praticam nos meios rurais, poderão ter origem mágico-religiosa. Por exemplo: o medo da Coca que para as crianças funciona como uma espécie de papão a qual em alguns lugares é representado por uma serpente, accionada pelos rapazes, que percorrem as ruas para “meter medo” (Em Monção anualmente se festeja com a Coca). Os bichos-carpinteiros, segundo a crença popular, mantida em algumas povoações Beirãs, só atacam nas noites de Lua cheia.


O culto da lua, nas populações lusitanas prende-se à estrutura económica ganadeira, como podemos comprovar por Estrabão e, no norte da Península, ao matriarcado, pela influência daquela nos ciclos menstruais. Os amuletos em forma de Lua, que ainda continuam a ser usados, são sobrevivências desse culto, referido por Santo Isidoro nas Etimologias (XIX, 31, 7) e também pelo Cânon Septuagésimo do II Concílio de Braga. No Vale do Douro, como se vê por epígrafes romanas, existiu um extenso culto à Lua.


A astronomia lusitana estaria povoada de deuses, a avaliar pelas sobrevivências deste tipo de conhecimento entre os pastores. O Sete Estrelo ou Barca (nome porque é designada a Ursa Maior) e outras constelações, seriam do conhecimento empírico. Pastores beirões contam a história da Barca. As duas estrelas das guardas representam os bois, que os ladrões roubaram. Estes equivalem às outras duas estrelas do trapézio. A primeira da cauda representa o patrão, que acordou e veio ocorrer para alcançar os bois, que os ladrões vão tocando. A seguir, na cauda há uma estrela dupla: a patroa e a menina. Finalmente, e a alguma distância, a ultima estrela da cauda, representa o criado, que vai, pachorrentemente, na “retangueira”, isto é, despreocupado com o que está acontecendo ao amo.


À semelhança de outros povos indo-europeus, também os lusitanos tinham bosques e plantas sagrados. Hoje, a sua tradição perpetua-se nos galheiros com oferendas, que enfeitam os cortejos ou os bazares em dias festivos. A cornalheira do sul teria sido um arbusto sagrado, a julgar pelas histórias dos pastores. O mesmo podemos dizer do trovisco, que é considerada também como venenosa. Mas as árvores mais importantes entre as sagradas seriam o carrasco e o carvalho. O mesmo aconteceu com os celtas, o que não é de estranhar dada a origem comum e formas de actividade sócio-económica, na fase do pastoreio. Também os celtas se reuniam em bosques de carvalho. Uma famosa cornalheira é a de Santo Alifonso, sobranceira ao Sabor, no termo de Felgar. É multicentenária e nunca perde a folha. Botanicamente provoca problemas. Será uma sobrevivência da flora primitiva, ou uma importação trazida do sul pelos pastores. Os antigos pensavam que comendo bolotas do carvalho se podia adivinhar. A este propósito escreveu Lucano, poeta latino nascido em Córdova (36-65): “ Dryadae glandibus comestis divinare fuerant consueti”. O carvalho seria, pois, uma árvore cósmica, que ligaria a Terra ao Céu e ao Inferno. Era sinal de força, carácter que ainda não perdeu.


Outras plantas teriam valor mágico-religioso: a artemísia, o alecrim, a bela-luz e o rosmaninho. A abundância de nomes de árvores e arbustos na antroponímia portuguesa, os Carvalhos, os Pereiras, os Silvas, etc. são expressões de culto às árvores, fenómeno com correspondência em outras áreas ocidentais, que nas origens tiveram idêntica influência religiosa.


Os lusitanos acreditavam na existência de numens protectores da natureza, conhecidos entre os romanos por génios. O Corpus Inscriptionem Latinarum de Hubner indica alguns, em território lusitano: S.Pedro do Sul, Midões, Aramenha, aos quais J. M. Blázquez acrescenta um inédito de Coimbra. Estes génios ou numens eram defensivos e curativos, ou salutíferos, como acontecia com as fontes medicinais. Na Beira Alta conhecem-se desde remotas eras, certamente devido às deslocações dos pastores. As mais afamadas e já apreciadas em época romana, foram as de Manteigas, Cró, Alcafaxe, Unhais da Serra, Ariola, Longroiva, Vila do Touro e S. Pedro do Sul. Serviam-se delas para tratarem o reumatismo ou doenças de pele.


O culto das fontes e dos cursos de água é comum a todo o mundo que sofreu influências célticas. Sobrevive no nome de alguns rios e ninfas minerais. Na mitologia céltica a mais importante deusa da terra era Ana-Dana, mãe dos deuses. Mas, entre os lusitanos, na sua fase mais primitiva, os deuses confundiam-se com as forças da natureza e com a capacidade criadora. Não tinham o carácter antropomórfico, que podemos descobrir na família dos deuses, como resultado de uma influência helénica, desenvolvida através dos contactos com as colónias gregas, mediterrâneas, da França.


As divindades protectoras da família, os lares, persistem na tradição recordada na palavra lareira, pedra do lar, junto da qual se reúne a família e se acende o lume. Subsiste nas “alminhas”, que se erguem junto dos caminhos (lares viales), ou nas encruzilhadas. São particularmente frequentes na Beira, em Trás-os-Montes e no Minho. Também os lares eram divindades protectoras das gentilidades. Há um mapa com a distribuição dos lares, das deusas e deuses, segundo uma relação colhida de J. Alarcão, E. Etiene e G. Fabre.


Entre os lusitanos e os celtiberos haveria também um culto ao urso. A palavra urso traduz-se por arco na língua lusitana e também na celtibérica. Arco sobrevive em alguns topónimos (Arco, Arcozelo, Arcos, etc.). Perto do Sabor, em Felgar, situa-se o Val Durso (Vale de Urso).


O culto às pedras deu lugar a santuários cristãos. Assim na Serra da Lapa fizeram uma igreja para abrigar as pedras da lapa. Onde apareceu a Senhora. O mesmo se verifica em outras regiões da Europa, que tiveram cultos análogos antes da Cristianização. Na Áustria foi construída uma igreja abrigando pedras cultuais. A igreja de S. Wolfgang, em Abersée e a de Maria Schnee, ma Boémia, estão nestas condições, assim como outra, na Alésia, em Triguères (França). No Alentejo adaptaram um dólmen à capela. A estatua-menhir de Longroiva apareceu tombada num local conhecido por Cruzeiro novo, o que se pressupõe uma mudança de culto. Em S. Salvador do Mundo, majestoso santuário alcandorado sobre o rio Douro, perto de S. João da Pesqueira, verificasse um fenómeno parecido, pois a capela levanta-se sobre uma gruta pré-histórica, que devia ter sido local de culto. A Senhora da Penha em Guimarães e o Penedo das Mouras, em Ponte de Lima, são sobrevivências do culto das pedras.


A arte reflecte os grandes eixos de interesse da religião e da magia, como se verifica pela decoração predominante geométrica, mantida e continuada pelos pastores artistas, entre os quais os do Jarmelo (Guarda), que nos nossos dias continuam a tradição das colheres de madeira, das flautas e dos cajados, cuja decoração expressa um ritual mágico. Os trisquel`s e as suásticas castrejas, as ornamentações como as das pedras Formosas, dos portais, das cerâmicas e ourivesarias, são manifestações de culto, cujo significado se ignora. A etnologia comparada dá-nos testemunhos de manifestações rituais com algumas analogias entre algumas tribos africanas e ameríndias.


À semelhança do que aconteceu com outras gentilidades, a transmissão de doutrinas religiosas deveria ser feita pelos velhos. Não conhecemos referências a sacerdotes entre os lusitanos, como aconteceu entre os celtas, da mesma época, que ensinavam as doutrinas druidas sobre a imortalidade da alma e a metempsicose. Esses ensinamentos eram feitos em verso e a duração dos estudos exigia um aprendizado de pelo menos 350 memórias, ou factos históricos. Tivemos oportunidade de verificar processo análogo entre os quibalas e os bailundos de Angola. O fenómeno é característico de um determinado estádio.


As Hespérides correspondiam ao país dos lusitanos, situadas no Ocidente remoto, onde o Sol se punha. Na crença dos celtas, as Hespérides eram um país maravilhoso e, contrariamente ao que alguns autores escreveram, não significa o reino da Morte. É natural que esse mito celta de Mag Mell revestisse outra versão, entre os lusitanos, que, como está provado, sofreram influencias religiosas célticas. Mas pouco podemos avançar neste campo. Sabemos que as festas se ligavam profundamente aos mitos e ritos dos deuses e heróis, à semelhança do que sucedia com os gregos. Também se faziam corridas de cavalos após a morte de um herói, a que prestavam honras fúnebres, tal como fizeram com Viriathus.

Adriano Vasco rodrigues em: Os Lusitanos -Mito e Realidade- Academia Internacional da Cultura Portuguesa - 1998