Pequeno resumo das novas
perspectivas da investigação num campo tão apaixonante como os Celtas da
Península Ibérica.
Os Celtas da Península Ibérica é
um dos temas mais interessantes da proto-história peninsular, já que é uma
etapa chave para entender processos posteriores que aconteceram na Hispânia, e
a par disso, forma parte de um movimento cultural que afecta grande parte da
Europa.
Este tema despertou bastante
interesse nos estudiosos internacionais como Joqueville, que se dedicou ao
campo da linguística, e Schulten, que estudou o histórico. Em 1920 foi Bosh
Gimpera quem relacionou os estudos anteriores com os Campos de Urnas da
Catalunha e iniciou as teorias "invasionistas" tradicionais, teorias
que integravam a cultura material, a linguística e as fontes históricas. Estas
teorias mantiveram-se até à actualidade, apesar das dificuldades existentes,
sobretudo devido à recente investigação arqueológica.
Por este motivo alguns
arqueólogos, como Almagro e outros, ao não poderem documentar ditas invasões,
preferem falar de uma única "invasão", muito mais complexa e
indiferenciada, frente à versão tradicional, liderada por Tovar, da ocorrência
de várias invasões, em concreto duas, mas às quais não se pode atribuir uma
data ou, inclusive, a época da sua chegada. Recentes estudos a partir de novas
perspectivas, tentam explicar a origem, a evolução e personalidade dos Celtas,
valorizando os seus aspectos comuns e peculiares.
Origem
A Península Ibérica sofreu um
duplo processo de influência durante o I milénio a.C., por um lado um influxo
mediterrânico, enquanto que pelo outro, um processo de celtização afectou as
zonas central e ocidental principalmente. A cultura dos "Campos de
Urnas", que se havia identificado com os Celtas até agora, foi delimitada
no noroeste, logo, as teses "invasionistas" encontram-se com o
problema de que esta zona não coincide com a área geográfica e linguística dos
Celtas, já que eram sociedades que falariam o ibérico, como parece indicar a
epigrafia e as referências históricas.
Segundo a investigação actual, a
partir da Idade do Bronze, o interior da Península conheceu a chamada Cultura
de Cogotas I, de economia mista agrícola-ganadeira de ovicápridos e
transumância local, que desde o II milénio a.C.
estava absorvendo influências do Bronze Atlântico. Até ao século IX a.C.
aparecem materiais do mundo tartéssico, como fíbulas, espadas, cerâmicas de
decorações geométricas e outras influências, mais leves, do "Campos de
Urnas" em consequência de zonas fronteiriças. Este substrato pode relacionar-se
com elementos linguísticos indo-europeus, os chamados pré ou protoceltas, que
se conservam em alguns topónimos, etnónimos e antropónimos, como o P inicial
que conserva o Lusitano, língua diferente da celtibérica ou língua posterior,
ou ainda elementos ideológicos, como o ritual de expor os cadáveres dos
guerreiros aos abutres entre celtiberos e vaceus, tradição anterior ao ritual
de incineração do "Campos de Urnas", como se pode ver em algumas
cerâmicas numantinas, ou mesmo como indicaram Sílico Itálico e Eliano. Este
substrato também se pode observar na preservação de cultos fisiolátricos, como
os santuários de Ulaca, Cabeço das Fráguas, Lamas de Moledo…, com as águas,
como evidenciam as oferendas de armas do Bronze Final, com bosques sagrados
possível de se observar nos topónimos que mantém Nemeto-, ou divindades muito
arcaicas sem forma humana, as quais se iniciam com Bandu-, Navia- ou Reve- que
são uma componente não indo-europeia.
Este substrato protocéltico
manteve-se no ocidente e norte, mas também aparece entre os povos do interior,
como os Carpetanos, Vaceus e Vetões, Lusitanos e Galaicos. Substrato que seria
fragmentado e absorvido pela expansão da cultura celtibérica a partir do século
VI a.C., sendo esta hipótese a que permite explicar as semelhanças culturais,
linguísticas e ideológicas entre todas as populações célticas peninsulares, e
que também serve para diferenciar os celtas dos celtiberos.
As explicações são duas. Uma, a
"invasionista" tradicional, que aponta para a chegada de grupos humanos
que traziam consigo a cultura já formada, explicação que tem sido impossível
documentar por não se saber qual é o seu lugar de origem, e sobretudo, as vias
de chegada. A outra, que sem excluir movimentos de gentes, sobretudo de elites
guerreiras, aponta para uma formação complexa por aculturação e evolução
através de diversas vertentes.
Influência e "Celtização"
Os povoados fortificados, e os
posteriores Oppida explicam a hierarquização do território que surge em relação
à transumância sazonal do gado, para evitar tanto a seca estival da Meseta
(fenómeno conhecido como agostamiento), como a dureza invernal das serras. Este
tipo de economia produziria uma sociedade hierarquizada, sendo que no topo
estaria a classe guerreira, como parecem indicar as fontes históricas.
O ritual de incineração dos
cadáveres, pode explicar-se através de influências de "Campos de
Urnas", como ocorre nos Celtiberos ou Vetões. A construção de túmulos como
o de Pajaroncillo, ou as estelas alinhadas podem ser resultado das diferenças
étnicas, cronológicas e sociais. As fíbulas, os adornos e as espadas documentam
o uso do ferro desde as primeiras fases de introdução da influência
colonizadora (fenícios e gregos), evidenciando influências multi-direccionais,
tanto mediterrânicas como transpirenaicas, o que não permite pensar numa única
via de chegada, nem numa origem comum. Esses objectos devem considerar-se como
objectos de prestígio das elites guerreiras, cujo grande desenvolvimento seria
favorecido pelos intercâmbios com o mundo colonial mediterrânico, como pela
organização pastoril e guerreira do interior. Assim se compreende que a
quantidade destes objectos no interior seja minoritária e que existam variantes
locais, dada a sua difusão por intercâmbio e a imitação artesanal.
Esta organização hierarquizada e
guerreira, unida à introdução do ferro, produto abundante e difundido
rapidamente, explica a formação das características da Cultura celtibérica e a
sua tendência para a expansão, a qual se traduziu num processo de "celtização"
de outras populações, e chocou com os romanos. O processo de
"celtização" explica a aparição de elementos arqueológicos,
linguísticos, socio-económicos comuns e atribuíveis aos Celtiberos: como armas
"celtibéricas" nas necrópoles, fíbulas, topónimos em briga,
antropónimos e topónimos em Seg-; antropónimos "celtius" ou em
ambatus, organizações supra-familiares que se reflectem nos genitivos em
plural, pactos de hospitalidade, e inclusive um elemento religioso comum, como
Lug.
Isto indica a existência de uma
zona nuclear nas terras altas do Sistema Ibérico e da Meseta Oriental, a
Celtibérica, desde onde parece ter-se alargado a celtização a terras mais
Ocidentais, muito permeáveis, por tratar-se de zonas de meio ambiente pastoril.
Este processo é posterior à formação das necrópoles celtibéricas a partir do
século VII a.C., por exemplo, a cultura vetona das Cogotas
"celtiza-se" a partir do século V a.C., aparecendo mais tarde na
Estremadura, sul de Portugal e da Bética, assim como do Alto Vale do Ebro e a Noroeste.
Trata-se de um processo
intermitente e só seria interrompido com a chegada de Roma. Esta expansão é
documentada por Plínio (3, 13) ao dizer que os celtici da Bética procediam dos
Celtiberos de Lusitânia. Do mesmo modo o antropónimo Celtius na Lusitânia
explica-se como apelativo étnico em áreas não célticas originariamente do
Ocidente. Esta "celtização" tardia confirma-se pelos topónimos
formados com briga já na época romana: Iuliobriga, Augustóbriga…
Para poder compreender os Celtas
da Península Ibérica temos que ter em conta que estes foram permeáveis às
influências dos seus vizinhos, sobretudo na cultura material. O contacto com os
iberos conduziu à assimilação de elementos mediterrânicos, que se reflecte no
conceito de Celtibero e a sua diferenciação material com outras culturas
célticas, ainda que se mantivesse a língua e organização sócio-ideológica das
elites guerreiras. Estas elites "celtizadas" foram generalizando-se
no Ocidente, notabilizando-se em povos como os Vetões, Lusitanos e Galaicos, e
mesmo os Iberos, já que os relevos de Osuna e Liria apresentam armas de tipo
céltico. O mercenarismo provocaria movimentos de gentes, o que pode ter
determinado o controle de algumas cidades por elites célticas, sendo que esta
presença pode explicar a aparição de fíbulas de La Tené na Serra Morena.
Este processo não seria pontual,
mas antes largo e intermitente no tempo, com um efeito de celtização paulatina,
isto é, diferenciado por áreas e momentos, o que nos dá um quadro complexo que
permite compreender a falta de uniformidade da celtização da Península Ibérica.
Os celtiberos são o povo que
resultou, segundo alguns autores, da fusão das culturas do povo Céltico e a do
povo Ibero, nativo da Península Ibérica. Habitavam a Península Ibérica, nas
regiões montanhosas onde nascem os rios Douro, Tejo e Guadiana, desde o século
VI a.C.. Não há, contudo, unanimidade quanto à origem destes povos entre os
historiadores. Para outros autores, tratar-se-ia de um povo Celta que adoptou
costumes e tradições iberas. Estavam organizados em gens, uma espécie de clã
familiar que ligava as tribos, embora cada uma destas fosse autónoma, numa
espécie de federação. Esta organização social e a sua natural belicosidade,
permitiram a estes povos resistir tenazmente aos invasores Romanos até cerca de
133 a .C.,
com a Queda de Numância.
Deste povo desenvolveram-se, na
parte ocidental da Península, os Lusitanos, considerados pelos historiadores
como os antecessores dos portugueses, que viriam ser subjugados ao Império
Romano no século II a.C.
Celtas e Celtiberos
A primeira pergunta é a seguinte:
desde quando se pode falar de Celtas na Península Ibérica? Segundo as fontes
documentais mais antigas, a "Ora Marítima" de Avieno, ou mesmo
Heródoto, já habitavam dito território no século VI a.C., como alguns
antropónimos nas Estelas do Sudoeste parecem confirmar. Para a Península
Ibérica surge outro problema: o significado e diferenciação entre Celtas e
Celtiberos. Ora bem, Celtas, Keltoi em grego e Celtici em latim, cujo uso mais
antigo seguramente serviu para distinguir os povos célticos daqueles que não o
eram, enquanto que Celtibero, Celtiberi para romanos, como helénicos, parece
diferenciar os celtas hispânicos, sendo um termo restritivo, e referindo-se aos
que povoavam as terras altas entre o Sistema Ibérico e a Meseta, os quais
enfrentaram Roma mais arduamente. A chave esconde-se na identificação e
diferenciação arqueológica dos povos célticos para assim, se poder encontrar a
sua origem, a sua evolução e a sua personalidade própria.
Na mesma altura (entre os sécs. V
e IV a.C.), uma nova vaga migratória de origem Céltica, penetra na Península
Ibérica, provocando um conjunto de migrações nos povos indígenas.
As profundas alterações que estas
migrações provocaram, marcaram a realidade hispânica até à chegada das tropas
romanas.
Essencialmente, contribuíram para
acentuar e demarcar duas realidades distintas já existentes: uma região sul e
litoral mediterranizada (com centros urbanos e uma economia baseada na
agricultura e comércio), e uma outra região fortemente continental de
organização tribal (com uma economia fundamentalmente pastoril e guerreira).
Por motivos desconhecidos,
algumas regiões conseguiram ficar impermeáveis tanto às influências
mediterrânicas como às influências célticas.
Os autores clássicos são unânimes
em afirmar que a região compreendida entre o Tejo e o Guadiana era habitada
pelos Celtas
A área mais fortemente
influenciada pelos Celtas no actual território português foi o Alentejo e o
Algarve.
Na sua "Historia
Natural", Plínio afirma que estes Celtas descendiam dos Celtiberos e
tinham vindo da Lusitânia.
Lusitanos
Os Lusitanos e os Celtiberos são
as duas grandes nações hispânicas de origem continental.
No entanto, aparentemente nunca
se fundiram, e parecem corresponder até a duas diferentes vagas da migração
indo-europeia (aos Lusitanos corresponde a mais antiga, aos Celtiberos, a mais
recente).
É por isso provável, que estes
Celtas se tenham expandido para ocidente ao serem escorraçados pelos Celtiberos
(na sua retaguarda), e ao encontrarem a poderosa nação dos Lusitanos, se tenham
dirigido para as regiões meridionais.
O povo lusitano vivia da
pastorícia, da pesca, da agricultura e da mineração.
Bibliografia consultada:
*
Almagro-Gorbea, M. (1991): Los Celtas en la Península Ibérica.
En García Castro, J. A. Los Celtas en la Península Ibérica.
Revista de Arqueología, número monográfico. Páginas: 12-17.
*
Almagro-Gorbea, M. (1993): Los Celtas en la Península Ibérica :
origen y personalidad cultural. En Almagro-Gorbea, M. y Ruiz Zapatero, G
(Eds.): Los Celtas: Hispania y Europa. Editorial Actas. Madrid. Páginas:
121-173.
-
Mattoso, José, "História de Portugal" vol. 1, ed. Estampa
-
Marques, A. H. de Oliveira, "História de Portugal" vol. 1, ed. 1972
http://forjadelume.blogspot.pt/
http://forjadelume.blogspot.pt/
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