Em plena crise, o pensamento inquieta-se e interroga-se; ele pesquisa as causas mais profundas do mal que atinge a nossa vida social, politica, económica e moral.
As correntes de ideias, de sentimentos e interesses chocam brutalmente, e deste choque resulta um estado de perturbação, de confusão e de desordem que paralisa toda a iniciativa e se traduz na incapacidade de encontrarmos soluções para os nossos males.
Portugal perdeu a consciência de si mesmo, da sua origem, do seu génio e do seu papel, de herói intrépido, no mundo. Chegou a hora do despertar, do renascimento, de eliminar a triste herança que os povos do velho mundo nos deixaram, as bafientas formas de opressão monárquicas e teocráticas, a centralização burocrática e administrativa latina, com as habilidades, os subterfúgios da sua politica e dos seus vícios, toda esta corrupção que nos tolda a alma e a mente.
Para reencontrar a unidade moral, a nossa própria consciência, o sentido profundo do nosso papel e do nosso destino, isto é, tudo o que torna uma nação forte, bastaria a nós portugueses eliminar as falsas teorias e os sofismas que nos obscurecem o caminho de ascensão à luz, voltando à nossa própria natureza. Às nossas origens étnicas, ao nosso génio primitivo, numa palavra, à rica e ancestral tradição lusitana e/ou celtibera, agora enriquecida pelo trabalho e o progresso dos séculos.
Um país, uma nação, um povo sem conhecimento, saliência do seu passado histórico, origem e cultura, é como uma árvore sem raízes. Estéril e incapaz de dar frutos.

terça-feira, 27 de março de 2012

Como viviam os Lusitanos? Economia e Sociedade.


A pecuária foi a grande fonte de riqueza gentílica dos Lusitanos. O mesmo podemos dizer a propósito dos seus vizinhos, os Vetões, e também daqueles a que genericamente chamam Celtiberos.


Embora vivessem em regime de gentilidades, agrupadas em núcleos urbanos, os castros ou cividades, povoamento típico de uma comunidade pastoril, situados em montes defensáveis por natureza, não estavam num mundo fechado. O comércio, por troca directa ou mediante moeda-padrão, o gado, estabelecia relações entre as gentilidades, com os vizinhos e os colonizadores, fixos no sul e levante espanhol mediterrânico.



Temos de nos referir também aos povos da costa atlântica ocidental. A sua economia apoiava-se na pesca e na extracção de sal, que forneciam aos do interior. O peixe seco, fumado ou em salmoura “garum” cambiavam-no por produtos do interior. Políbio refere a pesca, quer a dos rios, quer a marítima, acentuando a diferença de preços em comparação com os do mediterrâneo, nas costas da Grécia e da Itália. Estrabão fala das ostras do Tejo e dos peixes que ali abundavam. Também no Douro havia grandes peixes que hoje se consideram extintos. As barragens mais prejudicaram a ecologia. O salmão e lampreia viviam em quantidade em alguns rios. Os peixes do Côa eram e são ainda dos mais saborosos, assim como as trutas do Mondego.



A ganadaria lusitana englobava gado lanígero, caprino, cavalar e a criação de bois em zonas confinantes com a Galécia. Também o gado do ar, as abelhas, interessava aos lusitanos, que teriam sido grandes recolectores de mel. Nas Beiras e Trás-os-Montes foi grande o aproveitamento apícola, podendo citar-se como das regiões mais importantes do Sabugal, o que no passado se ligava ao aproveitamento industrial de cera, usada na fundição. O processo da cera perdida era seguido na fundição do cobre e estanho, ou na liga de bronze. A referida é rica em estanho e cobre. Mais ao norte, perto de Pinhel, o povoado de Luselos (o topónimo terá alguma relação com Lusitano?), foi o maior produtor de mel e cera, daquele concelho e ainda hoje associa esta produção à economia pastorial.



Plínio fala das colmeias entre nós, e diz que as transportavam ao dorso de muares (mulos). Certamente acompanhariam os pastores nas suas deambulações em transumância.


A caça era uma actividade que servia a economia, contando-se além da caça miúda, referida por Plínio, javalis, veados e uma espécie de touro selvagem, que então era corrente. A abundância de coelhos seria tão grande que o nome de Espanha, viria de região dos coelhos, como era conhecida a Península na linguagem dos Cartagineses.



O Cavalo não era usado como animal de tracção, mas somente na cavalaria militar e nos sacrifícios religiosos. Criavam-se livremente, em alguns vales, com bons pastos, especialmente nas lezírias do Tejo, onde se mantém a tradição. A abundância destes animais criou o mito de que as éguas eram fecundadas pelo vento…Criavam-se também muares e um antepassado do burro.


Os lusitanos serviam-se de carreta de quatro rodas, atrelada a bois, à semelhança do que faziam os galaicos. A arqueologia testemunha miniaturas destes carros.



Então, o clima era mais húmido do que actualmente. Uma boa parte do país estava coberta de bosques e matas, pelo que faziam, por vezes, grandes queimadas, não só para afugentar os animais bravios, mas para conseguirem pastos. Alguns animais que povoavam o nosso solar, estão actualmente extintos, em Portugal, como sucedeu à cabra do Gerez, ao urso, ao veado, ao javali. Estrabão fala no grande número de camursas, de cavalos selvagens e aves, tais como cisnes, pernaltas, abetardas e cegonhas e também de castores e coelhos pretos, que aqui existiam.



Alcateias de lobos ameaçavam a segurança dos rebanhos. Não era menor, em certas épocas, o perigo dos ursos. Bandos de falcões, águias, açores e outras aves de rapina, seguiam as rotas da transumância.


Os lusitanos derivaram da pecuária uma série de indústrias artesanais: lacticínios, pelames, curtumes, fiação e conserva de carnes (salgadas e fumadas). Teciam em casa os próprios vestuários, em teares singelos, cujos fios esticavam por meio de pesos de pedra ou de barro. Estes pesos são muito frequentes nos castros, no interior das habitações. Ali se encontram, também, fusaiolas ou cossoiros, rodelas de barro duro, para equilibrar melhor o fuso da fiandeira.


A cerâmica era de fabrico caseiro, incluída nos modelos do período de La Tènne. Conheciam o torno, mas a maior parte das peças cerâmicas era feita sem seu auxílio.


O pão era preparado em casa, o que não significa que não houvesse um celeiro comum. Torravam a bolota do carrasco, que amassavam com água e sal e comiam aquela papa. É natural que nos períodos mais remotos se servissem das pontas dos dedos, mas, talvez, por influência dos povos mediterrânicos, passaram a utilizar a colher. Ainda hoje, a cocharra de madeira, feita com a ajuda de um cuchilho ou canivete, é um instrumento indispensável ao pastor. Há colheres artisticamente trabalhadas. Os pastores do Jarmelo tinham fama de ser bons escultores de objectos de madeira, tradição que poderá enraizar na época pré-histórica.


Os lusitanos não usavam só vestuário de lã ou couro. Cultivavam nos vales plantas têxteis: o linho (Linium humile, L. e Linum usitalissimum, L.) e o esparto (Stipa tenassissima), este no sul. O Algarve era o principal produtor. Servia para fabricar sandálias, cestos, cordas e tecidos grossos.



Pela análise dos pólenes e estudo dos restos de sementes, sabemos que criavam algumas variedades de trigo (Triticum diccocum e Triticum vulgare compactum, L.). O mais corrente era o trigo duro. Semeavam cevada (Hordum sativa) e uma variedade hispânica, a cevada nua. Parece que não conheceram o centeio antes da vinda dos romanos. É natural, que nos próprios locais onde semeavam o trigo e à semelhança do que acontece ainda hoje em algumas terras da Beira, os gados pudessem pastar nos campos de trigo, enquanto este não ia alem de um palmo de altura. Também é, natural, que nos lugares da lavra, acarrasse o gado, isto é, pernoitasse o gado, pois, como dizem ainda hoje na região da Estrela, para colher bons nabos são precisas “sete relhas e rabo de ovelhas”, significando boa cava e muito estrume.


Além dos nabos os lusitanos comiam favas (Vicia faba, L.). Muitos frutos que hoje servem a nossa dieta não tinham ainda entrado na Península, mas já comiam maças indígenas, do tipo das chamadas malápias ou maçãs Sanjoaninas (aparecem no S. João). Serviam-se de peros e maçãs de Inverno, próprias das regiões serranas. Comiam pêras, cerejas, nêsperas, (distintas do magnório, de origem oriental). As castanhas, as avelãs, as amêndoas, seriam tão abundantes, que alguns autores dizem que lusitânia é vocábulo fenício, derivado da raiz Luz, que se interpreta como am.ygdalum isto é, amêndoa, “ dos quais frutos foi sempre fértil em Portugal e como os Fenices costumavam dar nome às terras, que habitavam conforme os frutos, de que eram mais abundantes, não parece improvável nem incongruente esta conjectura, por ser estabelecida em historia verdadeira”.



Os lusitanos serviam-se de amoras de silva e como dissemos já, das bolotas de carrasco, que são muito agradáveis assadas. São mais doces do que a castanha. Em algumas povoações do concelho de Meda, em Longroiva, por exemplo, era frequente comer-se a bolota do carrasco assada, em vez das castanhas, que ali não se dão.


A videira, a figueira e a oliveira encontravam-se no sul, na zona mediterrânica. No tempo de Viriathus a oliveira atingira as proximidades do Tejo.


Políbio falando da Lusitânia põe em evidencia a reprodução de animais, de pessoas e de plantas, fenómeno que atribui ao clima. Fala das rosas, dos girassóis, dos espargos e de outros vegetais, dando-nos ainda indicação do preço da cevada, do trigo, do vinho e dos figos. A propósito da abundância de caça, diz-nos que esta se oferece como brinde a quem comprar outras coisas.


Os lusitanos eram sóbrios na comida e na bebida, o que é posto em evidência por todos os autores clássicos. Segundo as fontes antigas comiam uma única refeição ao dia. Parece-nos um exagero… Ainda hoje o trabalhador rural, em determinadas épocas do ano, come apenas uma única refeição em casa com a família, a ceia. Mas isto não significa que coma apenas uma única vez, pois levam-lhe o “jantar” ao campo e faz-se acompanhar da merenda. É natural fossem rebuscando frutos durante as épocas em que eles abundam pelos campos, pois algumas plantas frutíferas eram espontâneas no território ocidental. Com a família reunida, fariam apenas uma única refeição. Ainda hoje os pastores assim procedem, o que não significa que não levem a merenda no surrão…


Assim mesmo, o aumento de refeições não contraria a ideia de sobriedade. Bebiam, hidromel, a que adicionavam ervas aromáticas. A prática do hidromel é ainda corrente entre os serranos, onde se não produz vinho, que só é consumido na altura das ceifas, ou ao domingo, na taberna.


Os lusitanos fabricavam uma cerveja, que consumiam quando faziam banquetes, em reuniões familiares. E o conceito de família era bem mais lato do que hoje…


O vinho e o azeite eram raros entre os lusitanos, na época pré-romana, embora depois da conquista se tornassem fontes de rendimento agrícola para os exploradores. Segundo Plínio, os povos hispânicos fabricavam uma bebida aromática, misturando vinho, mel e ervas. Talvez se encontre aqui a origem dos licores, alguns deles em que apenas o vinho foi substituídos por agua ardente. O facto de empregarem uma centena de ervas aromáticas mostra o elevado grau atingido pela ervanária.



A alimentação dos lusitanos seria à base de carne e lacticínios. Qual a percentagem de unidades abatidas em cada rebanho, na época de Viriathus? Hoje pensa-se que não haverá perigo de destruição de um rebanho pelo abate até 47% do mesmo. Talvez entre os povos da Lusitânia nunca se atingisse essa percentagem. Não temos provas de que nos sacrifícios se servissem de animais de pasto, para fazerem hecatombes, como ocorria em certas épocas do ano com os celtas. O número de emulações seria muito limitado.


Os lusitanos fundiam objectos de ouro, prata, cobre, estanho, bronze, ferro e chumbo. A prata era explorada no sul, Bética nos grandes jazigos da Serra Morena. O vale do Meimão, entre Penamacor e Sabugal, ainda hoje é conhecido por Vale da Prata, talvez por ficar no caminho da prata. A via lata, que atravessava essa região depois de passar o Tejo, na ponte de Alcântara, foi também conhecida por via da prata. Já citada por Plínio, em Longroiva, povoação que se situa entre Trancoso e Vila Nova de Foz Côa, no concelho da Meda, no sitio dos Areais há uma velha mina de chumbo. Fica próxima da Quinta da Canameira, que era atravessada pela canada, ou via pecuária, que conduzia ao rio Côa.

Também Plínio nos diz que os lusitanos se serviam de lingotes de prata. Como mercadoria padrão, para troca, mas não usavam moeda em sentido vulgar, o que só seria possível se houvesse uma economia controlada, por um emissor central. Os cartagineses preferiam a troca directa à moeda convencional, nos seus negócios com os indígenas, visto a troca directa ser mais vantajosa.


As inúmeras contas de colar de pasta vítrea fenícias, as cerâmicas púnicas, os objectos de adorno, os alfinetes, os broches (os falados escaravelhos de ouro egípcios), as cerâmicas mediterrânicas e as da Meseta, as púrpuras, as armas, os perfumes, as fíbulas ibéricas e hispânicas e as ourivesarias, encontradas nos castros lusitanos e galaicos, funcionaram como mecanismo de intercambio, o que impediu o desenvolvimento da fase monetária, que corresponde a uma economia mais evoluída.


Quanto às vias de comunicação terrestre, que serviam este comércio, estavam intimamente relacionadas, no interior, com os caminhos da transumância. O pastor lusitano não vivia num espaço isolado, mas em contacto com outros vizinhos. As vias marítimas uniam a península ao Mediterrâneo e também às terras do Norte, se aceitarmos as navegações da Idade do Bronze Atlântico.

Sendo a transumância uma necessidade vital para a sobrevivência dos gados, nascida das secas estivais, ou da destruição dos pastos pela neve e pelo gelo e nesses tempos o homem não dispunha do recurso ds forragens de que se serve hoje, naturalmente que a transumância tinha de fazer-se, em maior ou menor extensão. E nesse caso “a instabilidade das circunstâncias”, a que se refere Caro Baroja tinha de ser controlada. E sabemos como era feito esse controlo: por alianças e pactos entre grupos que detinham os mesmos interesses; por reuniões de assembleias das várias tribos em que se fazia a repartição dos pastos e concertavam acordos (não esqueçamos a existência da Assembleia Ibérica, já no século III a.C.) e finalmente, pela disputa violenta do território, servindo-se da linguagem das armas. Não era em vão que estes pastores eram também guerreiros e os seus povoados fortificados estavam preparados para a instabilidade das circunstâncias.


Os povos migratórios, nessa época da idade do ferro, faziam-se acompanhar sempre dos seus rebanhos, que eram fontes de abastecimento, moeda de troca e recurso de produção de vestuário. A primeira grande comunidade europeia, a dos celtas, foi essencialmente pastoril. O estreito localismo pretendido po Maluquer, não pode ser fixismo. Os castros são essencialmente lugares de acampamento e não espaços cerrados, em que uma sociedade estática se possa desenvolver… Para lá das casas, que pela sua estreiteza nada mais são do que tendas fixas para abrigo, o espaço urbano, exíguo, é de si esclarecedor de que a vida da comunidade se processava fora de muros.



O território, no período pré-romano, para as populações pastoras a que nos estamos a referir, não era um fim, mas um meio. A terra não era valorizada em determinada direcção, como seja a da apropriação do espaço. O conceito de propriedade territorial era impreciso. Ao lusitano pastor, ao Vetão, ou ao Vaceu, não interessava possuir terra no sentido que se dá hoje ao território nacional. Interessava-lhes a liberdade de trânsito. Teria sido nesse sentido que Virithus exclamou: A pátria está na liberdade!


Tal como as águas dos rios ou dos lagos eram comunitárias também o terreno em que os gados transitavam eram comunitários, ou mais rigorosamente eram de participantes no espaço, que é um conceito distinto de espaço privado. Naturalmente que esse transito seria limitado a certas tribos e daí os conflitos e a defesa violenta do direito de trânsito.


As lutas entre os pastores nasceram da necessidade de defender os direitos de passagem e de participação ou utilização de um determinado território, quando estranhos, recém chegados, sem tradição, pretendiam usurpar esses direitos usufruindo de pastos. Isto opunha-se à institucionalização do regime comunitário defendido pelo direito consuetudinário da seventia.


Adriano Vasco rodrigues em: Os Lusitanos -Mito e Realidade- Academia Internacional da Cultura Portuguesa - 1998

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