A mitologia portuguesa é herdeira
de um caldeirão de povos e culturas, com mitologias bastante diversas entre si,
que deixaram um fértil legado imaginário. Engloba o conjunto de narrativas
maravilhosas e lendas sobre personagens e suas façanhas, fenómenos naturais e
objectos extraordinários ou regiões fantásticas, com características
sobrenaturais, transmitidas de geração em geração, no decorrer dos séculos,
tanto no campo literário como no da tradição oral.
Origens pré-romanas
A mitologia portuguesa tem como
base a mitologia dos povos autóctones da Lusitânia pré-romana, legado este que
não sobreviveu à conversão para o cristianismo. No entanto, é possível que
alguns elementos tenham sido preservados e cristalizados nos contos e tradições
populares, assim como em diversos hagiotopónimos. Como afirmou Leite de
Vasconcelos.
“[...]seria fácil mostrar como
das épocas mais antigas da Lusitânia, ainda mesmo dos tempos pré-históricos,
até hoje se têm mantido muitas crenças, costumes, etc., e como a maior parte
das lendas da nossa Igreja e usos cristãos derivam do paganismo.”
A mitologia lusitana, sob a forma
de testemunhos esculpidos na pedra, revela a existência de uma miríade de
divindades das quais se destacam Atégina, Bandua e Endovélico.
Estrabão, nos raros relatos sobre
os costumes nativos, diz que no cabo Sagrado, o lugar onde os deuses reuniam-se
de noite, havia diversas pedras, amontoadas em grupos de três ou quatro, que
eram viradas ao contrário pelos visitantes e que, após um ritual em que estes
ofereciam uma libação, as pedras tornavam a ser reviradas na sua posição
anterior. Este seria um dos relatos mais antigo de um culto das pedras, penedos
e montanhas que a tradição preserva ao longo do tempo em crenças como a da
procissão infantil para pedir chuva, nos moledros dispersos pelas paisagens,
nos Fiéis de Deus venerados nas beiras dos caminhos, na pedra de raio que
Solino comenta ser objecto de culto pelos lusitanos, ou mesmo na lenda da
pedra-moura. Associada a um culto solar ou ritual de fecundidade, a Nossa
Senhora d'Antime, também chamada Senhora do sol, uma pedra tosca de granito metamórfico,
apenas com o rosto esculpido; é a sobreposição de um culto cristão a um ritual
pagão. Os frades de pedra são associados a um culto fálico pré-romano, também identificado
nas estátuas-menir da idade do bronze, assim como a tradição do levantamento do
mastro de Fonte Arcada e o cortejo do Pinheiro das Festas Nicolinas.
O culto das cabeças cortadas
representado nas esculturas e artefactos galaico-lusitanos que supõe-se ser um
ritual religioso de origem celta, relacionado a divindades associadas a cultos
agrários, funerários e guerreiros ao qual Rafael Loureiro indica haver uma
continuidade na tradição das caveiras iluminadas, que chamam-se em Portugal de
coca ou coco. Um ser que Gil Vicente chama de demo no Auto da Barca do
Purgatório e que foi ao longo dos séculos representado nas festas do Corpo de
Deus por um dragão e nas procissões pelo faricoco (do latin far,farris14 mais
coco) e que deu o nome a um traje ainda em uso no início do século XX, a coca.
Aos rituais do solstício de
inverno e mesmo os que se celebram no equinócio da primavera, segundo Hélder
Ferreira que lhes atribui uma origem celta, estão associadas às máscaras
ibéricas. E a esta tradição associa-se uma outra também milenar a dos Madeiros,
fogueiras da Páscoa e galheiros ou cambeiros.
Contributo Romano
Após a conquista romana da
península Ibérica e subsequente romanização, fruto de um lento processo de
aculturação mais evidente a partir do século II d.c, os nomes das divindades
indígenas são frequentemente latinizados pela sua similitude fonética ou
simplesmente associados, pela similitude das funções e qualidades, aos deuses
greco-romanos como por exemplo se verifica com o Ares Lusitani ou o Mars
Cariocecus. O culto dos deuses romanos foi divulgado, principalmente, pelos
burocratas da administração central e pelos militares. No entanto, Roma parece
não ter imposto os seus deuses e práticas religiosas às populações locais o que
terá permitido uma certa tolerância às crenças indígenas,que fez com que se
desenvolvessem, de forma natural, fenómenos de aculturação, embora nos meios
rurais, nas zonas mais afastadas dos grandes centros urbanos, os fenómenos de
aculturação tivessem tido ritmos mais lentos o que favoreceu a permanência dos
cultos indígenas e quase nenhuma influência romana nestas áreas.
Outras fontes importantes foram
os autores greco-romanos que registaram algumas lendas como a do rei Luso
fundador da Lusitânia, a lenda da fundação de Olissipo por Ulisses, ou a
presença de nereidas e tritões na margem do rio Tejo.
A tolerância religiosa, irá
deixar de existir ainda durante o Império Romano. Os cultos pagãos acabaram por
ser proibidos motivados por interesses de ordem político-religiososa por parte
do clero cristão a partir do momento em que o Império Romano assumiu o cristianismo
como sua religião.
No contacto entre o paganismo e o
cristianismo supõe-se que haja indícios de ter havido em alguns casos uma
sobreposição de cultos, nomeadamente no culto à deusa Atégina, que parece ter
sido substituído pelo culto a Santa Eulália de Mérida, perseguida no período de
Deocleciano, pela similitude dos epitáfios dedicados a ambas.
Também os locais de culto pagão
são identificados nos topónimos de santos arcaicos, de mártires ou outra figura
sacra dos primeiros séculos da Era cristã, venerados por comunidades cristãs
primitivas, quando estes locais sagrados teriam sido cristianizados.
Suevos e Visigodos
Diversos mitos e lendas foram
criados durante a época histórica da criação da nacionalidade e a sua
elaboração foi ganhando contornos mais elaborados ao longo das gerações.
Os mitos portugueses integram
diversos tipos de narrativas, que nos revelam os aspectos da imaginação
nacional portuguesa concentrada em torno do ciclo da vida e da morte e das
forças da natureza, com origem em diversas fontes:
O corpus mítico português
contínua a constituir-se e densificar-se. Desde o século XIX que importantes
contribuições foram feitas na recolha de contos, lendas e folclore.
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