A mitologia basca é o conjunto
dos mitos, lendas e folclore do povo dos Pirenéus espanhóis e franceses que
fala o basco ou êuscaro, língua não indo-europeia do tipo aglutinante.
Há fortes evidências de religião anterior à Era Cristã, refletidas em incontáveis lendas e tradições duradouras. Essa religião pré-cristã era aparentemente centralizada em um espírito feminino superior: Mari. Seu consorte Sugaar também parece ter alguma importância. Esse casal de deuses parece manter um poder étnico superior e também o poder da criação e destruição. Diz-se que quando eles se recolhiam nas cavernas dos altos picos sagrados, eles produziam as tempestades. Esses encontros tipicamente aconteciam nas noites de sexta-feira, o dia histórico do encontro das bruxas. Dizia-se que Mari residia no monte Anboto, e periodicamente ela cruzava os céus como uma luz brilhante para alcanças seu outro lar no monte Txindoki.
Outra divindade parece ser Urtzi (também Ost, Ortzi: "céu"), mas também parece que ele foi importado, porque as lendas não falam dele. Porém seu nome aparece como um dia da semana, nome de mês e eventos meteorológicos. Na Idade Média, Aymeric Picaud, um perergino francês, escreveu sobre os bascos, dizendo: et Deus vocant Urcia ("e o nome de seu deus é Urci-a", sendo o -a o nominativo basco ou artigo sufixado).
As lendas também falam de diversos espíritos ou gênios, como jentilak (equivalente aos gigantes mitológicos), lamiak (equivalente às ninfas), mairuak (construtores dos círculos de pedra, literalmente "mouros"), iratxoak (demônios), sorginak (bruxas, sacerdotisas de Mari), etc. Basajaun é uma versão basca para o homem selvagem. Há um trapaceiro chamado San Martin Txiki ("San Martin Pequeno").
Mari |
Mari foi, originalmente, a
deidade suprema na mitologia basca. O nome significa simplesmente
"rainha". Ela aparece como uma dama ricamente adornada de jóias e
freqüentemente voa pelos céus envolvida em fogo. Em outras ocasiões, viaja
sobre um carneiro. Pode atravessar os céus em uma carruagem puxada por quatro
cavalos e também pode aparecer como uma nuvem branca ou como um arco-íris. Seu
marido é Maju, um deus-serpente.
Em Oñate, dizem ter visto Mari em
forma de árvore que passa veloz pelo céu lançando chamas, dirigindo-se à
caverna de Gaiztozulo e fazendo um ruído ensurdecedor ao ocultar-se nela.
Relatos de Ataun e Cegama a descrevem como uma foice ou meia-lua de fogo
cruzando velozmente o céu. Em Zaldivia, diz-se que voa horizontalmente,
envolvida em fogo.
Mari envia a chuva ou a seca. Sua
residência situa-se no interior da terra e acredita-se que guarda grandes
riquezas. Dizem em Cegama que, na caverna de Aketegi, até as camas são de ouro.
Atraídos pela riqueza ou pelo mistério, muitos entraram na gruta levando velas,
mas Mari aparece em forma de corvo e as apaga com o vento de suas asas, a menos
que as velas tenham sido benzidas.
Desde a adoção do cristianismo
pelos bascos, tanto Mari quanto Maju passaram a ser considerados simples
espíritos. Permaneceu, porém, a crença de que se pode afastar os raios
colocando uma foice (símbolo de Mari) diante da casa.
Em Zumaia, se conta que uma
mulher casada desejava tanto uma filha que dizia que a queria "mesmo que o
diabo a levasse quando fizesse vinte anos". Um dia, nasceu-lhe, por fim,
uma bela menina de cabelos dourados. Quando a filha estava para fazer vinte
anos, a mãe a encerrou numa caixa de cristal e ficou a vigiá-la dia e noite,
mas foi inútil: no momento em que a moça completou vinte anos, o diabo quebrou
a caixa e a levou para o monte Amboto, onde ela se tornou Mari.
Outra lenda diz que em Beasain,
Guipúzcoa, "uma mulher muito má" casou-se com um bom cristão e
tornou-se mãe de cinco filhos. Como ela não queria que os filhos fossem baptizados o pai os pôs em uma carroça, junto com a mãe amarrada e os levou à
igreja em busca de batismo para os pequenos. No caminho, porém, a mulher se
envolveu em chamas, queimou as ligaduras que a atavam à carroça e voando pelos
ares, gritou: "Meus filhos para o céu e eu, agora, para o Muru". E ao
monte Murumendi Mari se dirigiu e ainda vive. Em várias ocasiões foi vista em
uma gruta do monte, penteando a cabeleira loura com um pente de ouro.
Maju |
Maju, chamado também Suarra,
Sugaar ("serpente macho", de suge, "serpente" e ar, macho;
ou talvez "chama de fogo", de su, "fogo" e gar,
"chama"), ou ainda Sugoi ("velha serpente", de suge,
"serpente" e o(h)i, "precedente"; ou talvez "fogo
alto", de su, "fogo" e goi, "alto"), é uma divindade
basca, marido da deusa suprema Mari. Tende a aparecer na forma de uma serpente
de fogo.
É tido como origem mitológica da
linhagem dos senhores de Vizcaya. Segundo a lenda, una princesa escocesa
refugiada em Mundaca teve um encontro erótico con Sugar, do qual nasceria Jaun
Zuria, legendário primeiro senhor de Vizcaya.
Em Ataun, diz-se que Sugaar tem
duas casas, nas cavernas de Amunda e Atarreta. Pode-se vê-lo atravessar os céus
na forma de uma meia-lua de fogo, considerada presságio de tempestade. Nessa
área, diz-se também que Sugaar pune os filhos que desobedecem aos pais e mães.
Em Azkoitia, é conhecido apenas
como Maju. Encontra Mari toda sexta-feita, dia do sabá, e diz-se que no lugar
onde os dois se encontram, cria-se uma grande tormenta.
Em Betelu é conhecido como Suarra
e considerado um demônio. Dizem também que ele viaja no céu na forma de um
relâmpago globular, entre as montanhas Balerdi e Elortalde.
Basajaun |
No folclore basco, os basajauns
ou basajuns (do basco basajaunak, "senhores da floresta", singular
basajaun) são gigantes que habitam os bosques ou as cavernas situadas no alto das
colinas. São imaginados com dois a três metros de altura e longos cabelos
ruivos, que lhes chegam até os joelhos. Um de seus pés é semelhante ao dos
humanos, o outro é redondo. São também conhecidos no folclore de Aragão, nos
vales de Tena, Ansó, e Broto, com o nome de basajaraus, bonjaraus ou bosneraus.
Protegem os rebanhos dos lobos e, quando se aproxima uma tempestade, um
basajaun grita avisos aos pastores.
A essas entidades é atribuída a
construção dos monumentos megalíticos (dólmens e menires) encontrados no País
Basco e a invenção da forja do ferro. Foram também os primeiros a cultivar a
terra e moer o grão. Os humanos obtiveram esses conhecimentos quando um basco
chamado San Martiniko enganou os basajauns.
Os basajauns cultivavam trigo em
Ataun, na montaña de Muskia. Chegando com sapatos frouxos, grandes demais, que
os gigantes ridicularizaram, Martiniko desafiou-os, afirmando que conseguiria
saltar sobre seus montes de trigo recém-colhidos, enquanto eles não
conseguiriam fazer o mesmo. Os basajauns aceitaram o desafio e saltaram
facilmente sobre os montes, enquanto o basco caiu bem sobre o monte. Os
basajauns riram, mas Martiniko foi-se embora com os sapatos cheios de sementes.
De repente, os gigantes deram-se conta de que haviam sido enganados, mas,
lentos na corrida, não conseguiram alcançar o humano. Um deles lhe jogou um
machado, mas o basco abaixou-se a tempo e o machado atingiu uma árvore,
partindo-a ao meio.
Martiniko ainda não sabia, porém,
quando devia plantar as sementes. Mas voltou à caverna onde moravam os
basajauns e ouviu-os cantar:
Si los hombres supieran esta
canción
Bien se aprovecharían de ella:
Al brotar la hoja, siémbrase el
maíz;
Al caer la hoja, siémbrase el
trigo;
Por San Lorenzo, siémbrase el
nabo
San Martiniko contou o que ouvira
a todos os humanos e a agricultura espalhou-se pelo mundo.
Mais tarde, Martiniko tirou dos
basajauns o segredo da fabricação de serras, que produziam em Oiartzun. Mandou
seu criado anunciar que já havia fabricado uma serra. Ao ouvir isso, o basajaun
lhe perguntou se seu amo havia visto a folha da castanheira. "Não a viu
mas a verá", respondeu o criado. San Martiniko viu a folha dentada do
castanheiro e lavrou uma lâmina de ferro com o mesmo formato. À noite, o
basajaun foi à sua forja ver se ele havia conseguido fazer a serra. Ao
encontrá-la, torceu-a de um lado para os outros com os dentes, tentando
inutilizá-la, mas, pelo contrário, melhorou a ferramenta, que Martiniko
espalhou entre seu povo.
De maneira semelhante, Martiniko
averiguou, em Kortezubi, como se soldavam duas peças de ferro. Espalhou que
havia conseguido o feito e o basajaun perguntou ao humano que lhe contara a
novidade se Martiniko havia espargido água argilosa em ambas as peças. O homem
respondeu: "não o fez, mas o fará". Assim, San Martiniko descobriu a
técnica e a difundiu pelo mundo.
Lamiak |
No folclore basco, as lamiak
(singular, lamia) são descritas como belas mulheres de pés de pato, garras de
ave ou rabo de peixe. Moram nos ríos e fontes, onde costumam pentear suas
longas cabeleiras com cobiçados pentes de ouro. Às vezes, têm filhos com eles.
Algumas lendas dizem que são a deusa Mari.
O nome parece estar relacionado
ao das vampirescas lâmias gregas, mas as lamiak bascas são entidades
relativamente benignas, mais semelhantes às ninfas gregas ou às janas do
folclore mediterrâneo. Normalmente amáveis, diz-se que ajudaram os homens a
construir dólmens e pontes, mas enfurecem-se se lhes são roubados os pentes.
Diz uma lenda que uma mulher roubou o pente de uma lâmia e esta começou a
amaldiçoá-la, mas não o conseguiu porque o soar dos sinos da igreja salvou a
mulher.
Outra lenda fala de um pastor que
ouviu um canto maravilhoso e, ao segui-lo, encontrou um bela jovem sentada sobre
uma rocha, que passava um pente de ouro sobre seus cabelos loiros, que lhe
chegavam aos pés. Ao ver o rapaz, mergulhou n'água, mas depois reapareceu.
O pastor apaixonou-se pela jovem
e a visitou dias seguidos, até que ela o pediu em casamento. O rapaz aceitou e
ela lhe deu um anel. Ao chegar em casa, porém, não sabia dizer como se chamava
a noiva ou quem eram seus pais, apenas que era formosa, formosa...
A mãe suspeitou de que o filho
estava enfeitiçado e pediu conselhos a parentes e vizinhos, que lhe disseram
que se fosse estrangeira tal coisa, se fosse bruxa outra... E o mais velho da
aldeia disse que, se fosse uma lâmia teria pés de pato.
A mãe fez o filho prometer que
prestaria atenção nos pés da moça. Ele imediatamente foi vê-la e a encontrou
n'água, mergulhando e brincando com os peixes, mas desta vez reparou nos pés, e
eram pés de pato.
Voltou para casa de coração
partido, pois humanos não se casavam com lâmias. Adoeceu e delirou com a febre,
vendo o rosto da amada e ouvindo sua voz chamando-o :”Zatoz,maitea,zatoz”
(”Vem, querido, vem”).
O rapaz acabou morrendo. No dia
de seu enterro, a lâmia apareceu em sua casa, cobriu-lhe o corpo com um lençol
de ouro e beijou-lhe os lábios. Seguiu o cortejo até a porta da igreja, onde
não podia entrar por ser solo consagrado. Retornou então às montanhas e tanto
chorou por seu amor perdido que brotou ali um manancial que recorda o amor
impossível entre a lâmia e o pastor.
Fontes:
http://brujeriatradicional.blogspot.pt/2012/05/religiao-pre-crista-basca-e-mitologia.html
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