Em plena crise, o pensamento inquieta-se e interroga-se; ele pesquisa as causas mais profundas do mal que atinge a nossa vida social, politica, económica e moral.
As correntes de ideias, de sentimentos e interesses chocam brutalmente, e deste choque resulta um estado de perturbação, de confusão e de desordem que paralisa toda a iniciativa e se traduz na incapacidade de encontrarmos soluções para os nossos males.
Portugal perdeu a consciência de si mesmo, da sua origem, do seu génio e do seu papel, de herói intrépido, no mundo. Chegou a hora do despertar, do renascimento, de eliminar a triste herança que os povos do velho mundo nos deixaram, as bafientas formas de opressão monárquicas e teocráticas, a centralização burocrática e administrativa latina, com as habilidades, os subterfúgios da sua politica e dos seus vícios, toda esta corrupção que nos tolda a alma e a mente.
Para reencontrar a unidade moral, a nossa própria consciência, o sentido profundo do nosso papel e do nosso destino, isto é, tudo o que torna uma nação forte, bastaria a nós portugueses eliminar as falsas teorias e os sofismas que nos obscurecem o caminho de ascensão à luz, voltando à nossa própria natureza. Às nossas origens étnicas, ao nosso génio primitivo, numa palavra, à rica e ancestral tradição lusitana e/ou celtibera, agora enriquecida pelo trabalho e o progresso dos séculos.
Um país, uma nação, um povo sem conhecimento, saliência do seu passado histórico, origem e cultura, é como uma árvore sem raízes. Estéril e incapaz de dar frutos.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

OS LUSITANOS E A IDENTIDADE PORTUGUESA 2/8

A questão da origem céltica



Apesar das muitas imprecisões e dúvidas, aceita-se geralmente que os Celtas tenham iniciado a sua grande dispersão pela Europa entre o final do século VI e o início do V a.C. A sua pátria de origem situava-se a norte dos Alpes, entre o Reno e o Danúbio.
A grande migração ou invasão celta chegou à Península Ibérica ainda no século V. Os indícios de presença celta no leste peninsular - os campos de urnas funerárias da Catalunha – que remontam ao século VI, ou mesmo antes e que se assemelham à cultura de Halstat B e C não asseguram a existência de uma leva de invasores celtas nessa região, mas apenas traços de culturas aparentadas ; o mesmo se poderia dizer dos dados arqueológicos da presença celta no vale do Ebro e na Meseta Central relativos aos séculos VI e VI.
A migração do século V encontrou a Península povoada por culturas muito variadas, que podemos considerar basicamente em dois grupos bem distintos: os Iberos a leste e sul, e os povos neolíticos e megalíticos no centro e no litoral norte. As culturas de leste e sul são as que se costumam chamar propriamente ibéricas, mas ainda aqui há que distinguir dois conjuntos: os do litoral oriental (actual Catalunha) de maior influência grega, sobretudo de comerciantes da Fócia para lá emigrados com suas famílias; e os do sul, de maior influência fenícia - de Tiro, desde o século XI a.C. Foi nesta área que se desenvolveu a cultura de Tartessos; os mais prováveis integrantes desta região eram os turdetanos, que viviam entre o Guadiana ( o Anas, que conhecemos pelo nome árabe de Wad-i-ana) e o Guadalquivir (wad-al-kebir). Com os tartéssicos e os fócio-ibéricos os celtas entraram em contacto, mas não ousaram atacar as suas cidades ricas e bem defendidas. O nome de celtiberos, e de uma cultura celtibérica, realmente aplicasse a um mosaico de influências diversas, em que a palavra iberos não designa nenhuma origem conhecida, mas apenas uma localização de povos a oriente e a ocidente do rio Ebro - neste caso é o rio que dá nome ao povo que vive na sua vizinhança. A existência de uma fusão entre celtas e iberos é um facto confirmado e generalizado, principalmente nas áreas noroeste mas também oeste da península.
Foi portanto em direcção ao noroeste e à área atlântica que se dirigiram os celtas, sem se aproximar das áreas mediterrânicas mais urbanizadas. Ora também na restante Península havia notáveis diferenças que é preciso ter em conta. O litoral sul, o Cinético (actual Algarve) embora já banhado pelo Atlântico, recebia tal influência tartéssica ( e fenícia e grega) que bem se pode considerar um prolongamento da cultura urbana ibérica; a sua principal cidade era Conistorgis, de localização desconhecida, e os seus habitantes, os cónios, eram em tudo distintos dos demais povos a norte das serras que os separavam da região entre Tejo e Anas, que os romanos chamavam Mesopotâmia (ibérica) e corresponde ao actual Alentejo: aqui os monumentos ainda existentes (por exemplo os dólmenes ou antas próximo de Évora) comprovam um modo de vida rural de tradição megalítica. O litoral do actual Portugal, sobretudo na região entre Tejo e Douro, conhecera por volta do terceiro milénio uma ocupação importante por povos de culturas desenvolvidas, atestada pela presença de grandes torres de pedra ainda visíveis na região de Torres Vedras (Tures Veterae, ou torres antigas); houve aí forte presença de comerciantes fenícios e gregos (ou talvez ibéricos e tartéssicos) mas a sua urbanização e nível económico não eram tão desenvolvidos como os do litoral mediterrânico e cinético; contudo a indústria de peixe para exportação já era importante e prenunciava as grandes indústrias de conserva de peixe do tempo do Império Romano.
Já o norte peninsular era ocupado pelos aguerridos montanheses cântabros e bascos, cuja origem e modo de vida eram muito diferentes dos das cidades do sul, mas que sempre mantiveram forte oposição a contactos e presenças externas. Assim os celtas ao espalharem-se pela Península encontraram facilidades de fixação em apenas duas
regiões: a Meseta central – basicamente a Castela a Nova actual; e a região ocidental ou atlântica a norte do Tejo onde se concentraram. De acordo com os relatos romanos podemos distinguir aí as seguintes áreas e povos: a nordeste do rio Douro, e mais concentrados a norte do rio Minho, portanto no noroeste peninsular viviam os calaicos, cujos descendentes – os galegos - conservam até hoje inúmeros traços comuns aos celtas; entre Douro e Tejo ficavam os Lusitanos, por sua vez divididos em três modos de vida distintos: o das montanhas (actual Beira Interior) vivendo mais da caça e da pastorícia de ovelhas e cabras; o das cidades do litoral (actual Beira Litoral) que viviam da pesca e derivados, do comércio, e tinham uma relativa urbanização; e o dos vales dessas duas regiões, de economia agrícola. A oriente dos Lusitanos, na Meseta Central, viviam os Vetões, que chegaram a ocupar o vale do Tejo, mas daí foram expulsos para a região montanhosa a norte da Extremadura espanhola; e a norte dos Vetões mas a sul do Douro viviam os Vaceus.
Finalmente a sul do Tejo habitavam os célticos, por vezes identificados com os Cempsos (cempsi) e que, ao contrário do nome, não eram tão celtizados como os seus vizinhos a norte. Parece mesmo que teriam mais influência do sul, pois há notícias de que a influência dos Cónios do Cinético se estendera pelo litoral (do actual Alentejo) até ao Tejo; daí teriam sido expulsos pelos celtas e confinados ao actual Algarve.
Estes seriam os principais povos de origem céltica da Península - cada um deles mesclado, em proporções variáveis, com os habitantes anteriores à invasão; mas as fontes romanas indicam muitos outros povos ou grupos menores, como os túrdulos de entre Vouga e Mondego (litoral Atlântico ocidental) citados por Plínio, e possivelmente aparentados com os túrdulos da Bética: os asturianos, entre os calaicos e os cântabros; os brácaros, entre Douro e Minho; e outros que foram anotados pelos romanos como os Presures, Presamarcos, Peúnos, Grávios, Igeditanos. Todos os grupos referenciados, que habitavam no oeste da Península, podem ser considerados como pertencentes ao todo
lusitano apesar de os Lusitanos "puros" habitarem no que é hoje a Beira Interior (Beira Alta e Beira Baixa), em Portugal.
Desta enunciação poucas certezas nos ficam, mas podemos apresentar algumas directrizes de estudo de maior confiabilidade.


1. A presença celta na Península deu-se, sobretudo, na parte ocidental e no litoral atlântico, excluindo todo o extremo sul desde o actual Algarve até ao sudeste e nordeste (Andaluzia, Valência e Catalunha) bem como o extremo norte (actual região basca e proximidades).

2. A grande variedade de povos e diferenças geográficas determinou uma proporção muito variável de elementos celtas na fusão com os povos que já habitavam a Península antes da sua chegada, mas é comum aceitar que a maior densidade céltica se verificou nos vaceus, vetões, habitantes dos Hermínius e região envolvente , brácaros e calaicos.

3. A superioridade económica e técnica das culturas urbanas ditas ibéricas – ou do litoral mediterrânico e algarvio - levou à presença de elementos ibéricos em boa parte da Península, e é neste sentido, cultural e étnico, que se poda falar em povos ou mesmo em civilização celtibérica.

4. Os Lusitanos tinham como principal área de concentração a região entre Douro e Tejo, mas exerceram pressões e influências em todos os sentidos, sobretudo para norte e sul.


5. Ao tempo da ocupação romana os Lusitanos podiam ser designados como um povo originado de culturas neolíticas e megalíticas relativamente desenvolvidas, que receberam impacto das áreas ibéricas, e quando se miscigenaram com os celtas. Muitos nomes de povos que aparecem nos textos romanos podem ser de tribos ou grupos menores integrados ao conjunto dos Lusitanos, e de povos vizinhos, mas distintos.
A presença céltica no território do actual Portugal, porém, apesar de aceite continua a ser discutida: Fernando de Almeida, que na segunda metade do século XX era uma das maiores autoridades em Arqueologia, afirma que os egitanos, ou igeditanos (da região de Idanha-a-Velha, na Beira Interior) eram luso-celtas, e que constituíam um grande aglomerado populacional celta quando chegaram os romanos e a favor desta tese aponta grande quantidade de nomes celtas encontrados em inscrições, além de outros vestígios que assegura serem de origem celta; contudo outros historiadores contemporâneos não têm tanta certeza da presença celta entre os Lusitanos, e esse tema continua a ser discutido, apesar de ser um facto confirmado.
Mas mesmo que se discuta se os Lusitanos eram mais celtas, ou mais próximos à origem neolítica, ou ainda de outra cultura ou grupo étnico, o certo é que por se terem distinguido entre todos os celtiberos durante quase dois séculos na sua oposição à ocupação romana eles tornaram-se um paradigma ou expoente dos povos peninsulares - e por extensão, dos celtas.
Por outro lado a contribuição dos Lusitanos para a formação de Portugal medieval, como antepassados étnicos dos portugueses, é histórica apesar da tentativa de extinção (segundo alguns autores) dos Lusitanos pelos romanos, e apesar da presença de imigrações posteriores, e mesmo com os limites geográficos da ocupação territorial dos
Lusitanos, que coincidem em muito com os portugueses. A hipótese cada vez mais aceite de considerar os Lusitanos como um conjunto de etnias ou grupos aparentados entre si por laços variáveis de ascendência e de traços culturais, celtizados por miscigenação e por intercâmbio cultural, e que são tidos como antepassados reais e simbólicos da nação portuguesa, é correcta. Certamente, os Lusitanos eram um povo unitário, tinham um modo de vida uniforme, embora divididos em tribos, não eram celtas "puros" (se é que os havia nessa época) a sua terra mãe coincidia em muito com os limites de Portugal, apesar de não serem os únicos antepassados dos portugueses - do ponto de vista étnico, histórico, ou cultural, são sem dúvida os principais.

Fonte: http://teotonio.ipv.pt/mailinglists/esi_gsr/pdfuTtUmDWjV4.pdf



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