Em plena crise, o pensamento inquieta-se e interroga-se; ele pesquisa as causas mais profundas do mal que atinge a nossa vida social, politica, económica e moral.
As correntes de ideias, de sentimentos e interesses chocam brutalmente, e deste choque resulta um estado de perturbação, de confusão e de desordem que paralisa toda a iniciativa e se traduz na incapacidade de encontrarmos soluções para os nossos males.
Portugal perdeu a consciência de si mesmo, da sua origem, do seu génio e do seu papel, de herói intrépido, no mundo. Chegou a hora do despertar, do renascimento, de eliminar a triste herança que os povos do velho mundo nos deixaram, as bafientas formas de opressão monárquicas e teocráticas, a centralização burocrática e administrativa latina, com as habilidades, os subterfúgios da sua politica e dos seus vícios, toda esta corrupção que nos tolda a alma e a mente.
Para reencontrar a unidade moral, a nossa própria consciência, o sentido profundo do nosso papel e do nosso destino, isto é, tudo o que torna uma nação forte, bastaria a nós portugueses eliminar as falsas teorias e os sofismas que nos obscurecem o caminho de ascensão à luz, voltando à nossa própria natureza. Às nossas origens étnicas, ao nosso génio primitivo, numa palavra, à rica e ancestral tradição lusitana e/ou celtibera, agora enriquecida pelo trabalho e o progresso dos séculos.
Um país, uma nação, um povo sem conhecimento, saliência do seu passado histórico, origem e cultura, é como uma árvore sem raízes. Estéril e incapaz de dar frutos.

domingo, 22 de julho de 2012

OS LUSITANOS E A IDENTIDADE PORTUGUESA 5/8

A terra e as gentes


Temos, portanto, à nossa disposição um imenso acervo de obras, tanto de geógrafos e historiadores gregos e sobretudo romanos, como de arquéologos e antropólogos dos últimos cerca de 120 anos, para poder reconstituir, ainda que cautelosamente, o modo de vida dos Lusitanos.
Os romanos consideraram os portugueses descendentes de Luso, amigo de Baco - Plínio (I, 39) confirma essa opinião, chamando a Luso amigo íntimo de Baco, e continuando que Lusum nomen dedise Lusitaniae. Mas apesar das referências à boa qualidade e abundância de vinho na Península, não parece que ligassem essa ascendência lateral baquiana ao consumo de vinho. Com esta definição mitológica, porém, encerram-se muitas explicações do nome. Os dados históricos não são muito mais conclusivos: sabe-se que existiu no sul da Península um povo denominado Lusones pelos romanos, mas não parece haver relação étnica entre os dois; conhece-se também a existência de uma raiz celta lus, e há quem suponha que um termo semelhante, lous, significaria guerreiro, e que a desinência também quer dizer região ou terra; mas essa construção filológica não é geralmente aceite.
Como, porém, não se conhece nenhum topónimo anterior para indicar a região que depois se chamou Lusitânia, pode-se supor que o povo deu nome à terra, e não o inverso (como no caso do Ebro que deu nome aos iberos).
Os geógrafos romanos, como já vimos anteriormente, distinguiam três regiões físicas na Lusitânia: as montanhas, os vales, e o litoral; a estas haveria que acrescentar, do ponto de vista histórico, a região central da Península - terra dos vetões - que os romanos incorporaram à Lusitânia administrativa. Isto é, quando se fala em Lusitânia é preciso ter em conta quem e quando se fala, pois houve variedade de limites. Excluindo, pois, a Vetônia, há geral concordância entre os romanos em considerar o clima ameno e temperado, a geografia física muito variada nos seus acidentes, tanto litorais (cabos, baías, falésias, estuários) como interiores (vales, montanhas, rios). Em parte por essa razão de clima e acidentes a produção animal e agrícola, tanto natural como domesticada, é destacada e elogiada pelos antigos. Na fauna destacam-se duas espécies: os coelhos, que seriam pela sua abundância a origem do nome Hispânia, e os cavalos, cuja agilidade e energia se tornaram famosas (e na guerra temidas pelos romanos). Mas os geógrafos apontam ainda os muitos javalis, veados, lobos, raposas, e linces entre a fauna selvagem, e as ovelhas e cabras como constituindo grandes rebanhos - aliás a imagem tradicional e verídica, do chefe lusitano Viriato é a de pastor de ovelhas e cabras na Serra da Estrela (os Montes Hermínios da Antiguidade). De qualquer modo é certo que os lusitanos eram considerados bons criadores de gado, não só do bovino e suíno, mas, sobretudo, adestradores de cavalos (apenas como sugestão vale a pena lembrar que essa familiaridade no trato com os animais é, ao menos na Península, considerado um traço de origem celta, e que os descendentes portugueses mantêm essa fama e capacidade, o que podemos comprovar actualmente com frequência). A raça do cavalo lusitano é aliás lendária.
As fontes clássicas referem-se muito também aos minérios, de que a Hispânia seria grande fornecedora e essa foi a causa da cobiça romana. A indústria extractiva de prata era a mais importante, mas havia muito cobre, ferro, e estanho; dos rios da Lusitânia saía também muito ouro. Deve observar-se, contudo, que a exploração romana foi intensa e em alguns casos, como do ouro, praticamente exauriu a capacidade minerativa das terras e águas lusitanas. Deve ainda referir-se que a primeira lei romana sobre exploração mineral foi determinada em terras lusitanas: a Lex Metalis Vispacensis (actual Aljustrel).
Quanto ao modo de vida deve lembrar-se em primeiro lugar que os autores romanos, confirmados pela arqueologia do último século, apontavam uma diferença clara entre os ibéricos do litoral mediterânico e os demais povos da Península a que invariavelmente chamavam bárbaros. Parece que todos concordariam com Tito Lívio que afirma que a área urbana do litoral peninsular era civilizada, mas que daí para norte e oeste predominavam os hábitos rudes e selvagens dos nativos - exceptuando os que habitam as costas do nosso mar. Os lusitanos estariam com certeza incluídos nesta designação de rudes e bárbaros; nesse aspecto não constituíam uma população homogênea, e os do litoral ocidental eram mais urbanos do que os montanheses; mas são estes que constituem os lusitanos típicos, pois são a eles que mais se referem mais as fontes romanas que quase só falam dos lusitanos a propósito das guerras, onde os caçadores - guerreiros das montanhas desempenharam o principal papel; e quando mais tarde a
literatura se apropriou da imagem do lusitano forte e valoroso é claro que se fixou nos traços desses guerreiros.
Pode, pois, dizer-se com relativa segurança que os agricultores das terras baixas seriam também criadores de gado suíno e bovino, que os habitantes do litoral se dedicavam à pesca marítima, à indústria de salga e conserva, e ao comércio através dos portos do Atlântico, e que os montanheses eram caçadores de veado e javali, criadores de ovelhas, cabras e de cavalos. O vestuário e armamento desses guerreiros era constituído por túnicas de pele de cabra, couraças de linho grosso, saia comprida (sagum), escudos pequenos e redondos, e espadas curtas; os combatentes a pé usavam lanças de ponta de bronze; untavam os corpos com azeite, deixavam os cabelos compridos e agitavam as cabeleiras na batalha para impressionar os inimigos. Das roupas comuns apenas sabemos que as teciam de linho e de lã e que usavam objectos e jóias de metal, pulseiras, torques, braceletes, fivelas, vírias, o que pressupõe a existência de ferreiros e ourives, metalurgia avançada aliás atestada pelos cultos aos deuses da metalurgia.
O alimento mais característico era o pão de cevada, centeio e bolota ou glande de carvalho; bebiam leite de ovelha e cabra e cerveja de cevada, reservando o vinho para as festas.
As casas de pedra tinham forma redonda ou quadrangular; eram cobertas de palha, e ficavam situadas no alto dos morros e colinas, agrupando-se em aldeias - os castros citados pelos historiadores antigos. Os grandes castros tinham muralhas defensivas feitas de grandes pedras, chegando a alcançar um quilômetro de perímetro.
Discutiram os entendidos se a fortificação conhecida com o nome de Cava de Viriato, perto de Viseu, era de facto o refúgio do guerreiro. Sabe-se agora que o local era afinal um acampamento militar romano, e Viriato "deve ter dado voltas na tumba" ao ser identificado com um campo militar do inimigo que combateu e que o mandou assassinar.
Os instrumentos musicais incluíam a flauta e a trombeta, com que acompanhavam os seus coros e danças - de que os romanos nos deixaram algumas descrições.
Os locais de cultos funerários são sempre de grande interesse para o arqueólogo, que encontra no território da antiga Lusitânia farto material de investigação. Do período paleolítico conhecem-se cemitérios onde os corpos estavam dispostos com restos de alimentação, utensílios e armas; do megalítico abundam os dolmens, conhecidos em Portugal como antas, ou mamoas - porque os montículos de terra que se acumulou sobre eles criou esa forma aredondada. Por adição de lages alguns dolmens foram-se ampliando até alcançar o tipo de monumento funerário conhecido como galeria de Alcalar; nestas galerias, de construção mais recente mas provavelmente ainda anteriores aos lusitanos propriamente ditos, também se encontraram objectos, agora mais elaborados, feitos de marfim, metal, e cerâmica, e também ossos humanos. As cistas neolíticas, caixas funerárias de pedra em forma quadrangular e tapadas com pedra como os dolmens, também conservaram objectos de metal e ossos humanos. Estes monumentos atestam um modo de vida anterior à chegada dos celtas, pois os lusitanos adoptaram ritos funerários idênticos aos dos invasores (o que é um elemento importante em favor da influência céltica entre os descendentes de Luso): a incineração e a conservação das cinzas em urnas de barro. É evidente que esse cerimonial privou os arqueólogos contemporâneos de importantes elementos de estudo (os ossos) sobre os povos que o praticavam.
Por outro lado, muito do que sabemos sobre a religião dos lusitanos foi conservado em inscrições do período romano, e também por teólogos e doutrinadores medievais que pregaram contra a sobrevivência de práticas pagãs entre o povo da antiga Lusitânia. Essas fontes permitem-nos dizer que a religião dos lusitanos teve longa permanência para além da conquista romana e da introdução do cristianismo, e conhecer alguns de seus traços. Os luso-romanos foram fiéis a seus deuses, e em primeiro lugar a Endovélico, e Atégina; esta seria uma deusa da terra e dos frutos da agricultura, e daí uma protectora da fertilidade; mas também era invocada para solicitar auxílio em muitas outras dificuldades da vida comum, desde a doença aos problemas morais. Outros deuses conhecidos pelas inscrições em lápides e pelos escritores romanos eram: Revalanganiteco, Ilurbeda, Trebaruna, Bormanico, Navia, Taogonebiago, e muitos outros dos quais só se sabe o nome.
Os cultos relativos à fertilidade e à natureza, relacionados com a figura feminina, estão atestados por várias fontes, mas não diferem muito de cultos desse tipo existentes em quase todos os povos com modo de vida idêntico; estreitamente implicadas com estes estão as crenças em forças naturais, e as conseqüentes práticas mágicas. Embora se saiba da existência de sacerdotes não conhecemos toda a organização sacerdotal do tipo druídico.
Nas artes plásticas, além dos objectos de ourivesaria os lusitanos têm na estatuária dois modelos muito característicos: as figuras de guerreiro em pé, com escudo redondo, e sem pés (meia-perna), e os porcos ou javalis muito toscos (o mais conhecido é famosa
porca de Murça) que provavelmente tinham uma finalidade funcional, artística e religiosa.

Fonte: http://teotonio.ipv.pt/mailinglists/esi_gsr/pdfuTtUmDWjV4.pdf

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