Em plena crise, o pensamento inquieta-se e interroga-se; ele pesquisa as causas mais profundas do mal que atinge a nossa vida social, politica, económica e moral.
As correntes de ideias, de sentimentos e interesses chocam brutalmente, e deste choque resulta um estado de perturbação, de confusão e de desordem que paralisa toda a iniciativa e se traduz na incapacidade de encontrarmos soluções para os nossos males.
Portugal perdeu a consciência de si mesmo, da sua origem, do seu génio e do seu papel, de herói intrépido, no mundo. Chegou a hora do despertar, do renascimento, de eliminar a triste herança que os povos do velho mundo nos deixaram, as bafientas formas de opressão monárquicas e teocráticas, a centralização burocrática e administrativa latina, com as habilidades, os subterfúgios da sua politica e dos seus vícios, toda esta corrupção que nos tolda a alma e a mente.
Para reencontrar a unidade moral, a nossa própria consciência, o sentido profundo do nosso papel e do nosso destino, isto é, tudo o que torna uma nação forte, bastaria a nós portugueses eliminar as falsas teorias e os sofismas que nos obscurecem o caminho de ascensão à luz, voltando à nossa própria natureza. Às nossas origens étnicas, ao nosso génio primitivo, numa palavra, à rica e ancestral tradição lusitana e/ou celtibera, agora enriquecida pelo trabalho e o progresso dos séculos.
Um país, uma nação, um povo sem conhecimento, saliência do seu passado histórico, origem e cultura, é como uma árvore sem raízes. Estéril e incapaz de dar frutos.

domingo, 22 de julho de 2012

OS LUSITANOS E A IDENTIDADE PORTUGUESA 7/8

Viriato



Este que vês, pastor já foi de gado;
Viriato sabemos que se chama
Destro na lança mais que no cajado;
Injuriada tem de Roma a fama,

Vencedor invencíbil, afamado.
Não têm co`ele,nem ter puderam
O primor que com Pirro já tiveram.

(OsLusíadas,VI, 6)

Viriato ainda aparece no poema mais duas vezes (I, 26, e VI, 36) repetindo os elogios aos atrevimentos e aos feitos contra Roma. E noutro passo (I, 22) renova-se a menção sem lhe dizer o nome, quando, depois de falar da Lusitânia (I, 21) prossegue:

Desta o pastor nasceu, que no seu nome
Se vê que de homem forte os feitos teve,
Cuja fama ninguém virá que dome,
Pois a grande de Roma não se atreve.

Temos aqui lançada a imagem real que se tornou famosa de um Viriato pastor e guerreiro, que obscureceu a fama de Roma pela sua força invencível, destreza nas armas, e ousadia (atrevimentos). Ele foi sem dúvida como comandante das armas lusitanas e de seus aliados o maior estratega militar que na Península se opôs às legiões, e é nessa qualidade que é considerado o herói fundador da nacionalidade portuguesa; entre os lusitanos da sua época e a criação do reino de Portugal por Dom Afonso Henriques (o segundo herói fundador da nação) medeiam treze séculos, e por isso a figura de Viriato é ainda mais do que real: ela afirma a permanência e antiguidade de uma definição que assimila espaço, tempo, e povo. Os romanos entenderam-no quando deram aos lusitanos origem mitológica, e o mesmo fizeram a alguns rios da Lusitânia, como o Letes (Lima) o rio do esquecimento. Deste modo os portugueses modernos têm o antepassado que simboliza, por uma antiguidade muito distante, a nobreza das raízes da nação, sempre fiel a si mesma desde longa data. Como disse João Ameal na História de Portugal a propósito dos lusitanos: Se os portugueses não descendessem dos lusitanos dir-se-ia que aos lusitanos ascendem, por adopção espontânea, reforçada do Renascimento para cá.
Tal como Dom Afonso Henriques e outros heróis nacionais, como Nuno Álvares Pereira, Viriato era um guerreiro que se opunha ao domínio vindo da Europa: sucessivamente Roma, Leão e Castela. Dessa forma, ele simboliza uma cultura ou civilização - mas ninguém ignora que a formação cultural portuguesa deve muito mais à romana do que à celtibérica; simboliza sim a identidade que diferencia os portugueses dos povos aparentados, reforça o desejo de autonomia, e o valor (guerreiro), e aponta inclusive, com a sua recusa a identificar-se com as terras a leste, para uma realização dos portugueses como nação no sentido oeste, ou seja, para o Oceano. Viriato faz parte da mitologia e do panteão nacionais e da História de Portugal.
É verdade, também, que como personagem histórico ele merece essas honras. Quando os romanos, após dominarem os cartagineses, e depois os celtiberos na primeira revolta, imaginaram que a Península seria deles, com tranquilidade, Viriato congrega todas as forças rebeldes do centro e do ocidente peninsulares e inflige às legiões derrotas humilhantes. Viriato foi, segundo todos os testemunhos, um grande líder de
povos, e um hábil estratega, reconhecido como tal pelos generais romanos.
Da sua origem sabe-se,facto que alguns têm dificuldade em aceitar, que era pastor de ovelhas e cabras dos Hermínius, actual Serra da Estrela, de onde era natural (Lobriga,chamada Lorica pelos romanos, actual Loriga), que a imagem de Camões apresenta e se conservou até nos livros de História escolar;o facto de ter casado com uma rica herdeira de terras a sul do Tejo, como dizem as biografias desde os historiadores gregos e romanos, não indica que era de família notável, nem prova que tenha passado muito tempo nas planícies do sul.
O estopim para a segunda guerra lusitana veio outra vez da Turdetânia: os lusitanos invadiram a região em 147 a.C., e atacaram os romanos, mas foram cercados e vencidos por Caio Vetílio. Viriato entra em cena, assume o comando geral dos contingentes guerreiros que manobra com habilidade e no mesmo ano em Tríbola vence e mata Caio Vetílio. Animados com a brilhante vitória os lusitanos vencem Cláudio Unímano (146), e Caio Nigídio (145); mas quando Quinto Fábio Máximo Emiliano, irmão de Cipião Emiliano, entra na Península como cônsul da Citerior e provoca Viriato em campo aberto no vale do Guadalquivir, os lusitanos são derrotados (144). Viriato retira-se para Baecula (Baicor, hoje Bailen), refaz as forças e contra-ataca no ano seguinte, repelindo os romanos, que se retiram para Córdova. As victórias e habilidades militares de Viriato entusiasmam outros povos, e os celtiberos da Meseta revoltam-se em apoio aos lusitanos - está iniciada a guerra Numantina. Divididas as legiões Viriato derrota ainda em 143 as tropas de Quinto Pompeio, e no ano seguinte as do cônsul Lúcio Cecílio Metelo Calvo.


Quinto Fábio Máximo Serviliano ataca Viriato (141) que recua e contra-ataca destroçando as legiões - mas precisa voltar para a Lusitânia para se reabastecer. Serviliano persegue-o atravessando o Cinético e subindo pela Mesopotâmia, mas é obrigado a recuar pelas forças de guerrilheiros chefiados por Apuleio e Cúrio - aliás, o banditismo organizado em grupos guerrilheiros era um problema endêmico na
Península, mas também uma ajuda (mercenária) contra os invasores.
Viriato volta-se de novo contra Serviliano, cerca-o, e em Erisane faz com ele um tratado de paz (140) e recebe o título de Amigo do Povo Romano. Mas no ano seguinte o irmão dele, Quinto Servílio Cipião, chega à Hispânia como governador, e provoca de novo Viriato, que pede tréguas e é assassinado por dois auxiliares - subornados pelos romanos
através de Servílio.


Assim terminam a vida e os feitos desse herói que o Dicionário de História de Portugal (1982: 189) consagra desta forma: Os Portugueses sempre consideraram este remoto antepassado lusitano uma das mais belas e sugestivas figuras simbólicas do nosso espírito de independência.

Fonte: http://teotonio.ipv.pt/mailinglists/esi_gsr/pdfuTtUmDWjV4.pdf


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