Em plena crise, o pensamento inquieta-se e interroga-se; ele pesquisa as causas mais profundas do mal que atinge a nossa vida social, politica, económica e moral.
As correntes de ideias, de sentimentos e interesses chocam brutalmente, e deste choque resulta um estado de perturbação, de confusão e de desordem que paralisa toda a iniciativa e se traduz na incapacidade de encontrarmos soluções para os nossos males.
Portugal perdeu a consciência de si mesmo, da sua origem, do seu génio e do seu papel, de herói intrépido, no mundo. Chegou a hora do despertar, do renascimento, de eliminar a triste herança que os povos do velho mundo nos deixaram, as bafientas formas de opressão monárquicas e teocráticas, a centralização burocrática e administrativa latina, com as habilidades, os subterfúgios da sua politica e dos seus vícios, toda esta corrupção que nos tolda a alma e a mente.
Para reencontrar a unidade moral, a nossa própria consciência, o sentido profundo do nosso papel e do nosso destino, isto é, tudo o que torna uma nação forte, bastaria a nós portugueses eliminar as falsas teorias e os sofismas que nos obscurecem o caminho de ascensão à luz, voltando à nossa própria natureza. Às nossas origens étnicas, ao nosso génio primitivo, numa palavra, à rica e ancestral tradição lusitana e/ou celtibera, agora enriquecida pelo trabalho e o progresso dos séculos.
Um país, uma nação, um povo sem conhecimento, saliência do seu passado histórico, origem e cultura, é como uma árvore sem raízes. Estéril e incapaz de dar frutos.

sábado, 12 de outubro de 2019

Viriato chega ao cinema



Filme

Viriato

M12

Género: Biografia
Data de estreia: 10/10/2019
Título Original: Viriato
Realizador: Luís Albuquerque
Actores: Alexandre Oliveira, Margarida Sousa, Miguel Babo
Distribuidora: NOS Audiovisuais
País: Portugal
Ano: 2019
Duração (minutos): 94
Sinopse:
Há milhares de anos atrás houve um guerreiro que lutou e deu a sua vida por um território que mais tarde se tornou a Lusitânia. Contra os avanços do império romano, possuidor de uma armada imensa, escolheu dedicar a vida à proteção das suas gentes e das suas terras. O seu nome era… Viriato.

Propagação do medronheiro (Arbutus unedo L.)

Nas nossas serras e vales existe uma árvore que gosto bastante, quer pela sua beleza, quer pelos seus frutos, o medronheiro. Por esta altura, encontra-se já em floração que dará fruto passado um ano, e por outro lado também os frutos provenientes das flores do ano passado estão já maduros ou quase a amadurecer.
Por estes lados e decerto por todo o país, há pessoas que os apanham no campo para os poderem ter nos seus terrenos, ou então terão que os comprar em couvetes ou em vaso. Neste “post” vou explicar como propagar os medronheiros facilmente.
Para começar precisamos dos medronhos, como é para aproveitar a semente até podem ser os que já estão no chão, depois precisamos de areão, vamos aos poucos desfazendo os medronhos na areia, pois para germinarem é fundamental separar a polpa da semente.
Na natureza quem faz este processo são os animais que comem os frutos, como por exemplo as aves.
Após estar tudo bem misturado e a polpa estar dispersa na areia, deixamos secar uns dias sem apanhar humidade, convém de vez enquanto mexer a areia para não fazer torrões. Para a sementeira, espalhei a areia num vazo retangular, deixando-a juntamente com as pequenas sementes à superfície do vaso.
Durante a primavera elas acabarão por germinar, praticamente todas as sementes, depois quando tiverem tamanho para serem manuseadas, podemos coloca-las em couvetes ou então como fiz em pacotes de leite.
O medronheiro também pode ser propagado de estaca, experimentei mas não me cativou o seu crescimento.
Se houver disponibilidade de tempo porque não tentar repovoar uma serra perto de nós ou um local que gostemos, ou então nos nossos terrenos, ou coloca-los no jardim. Que tal produzir uma boa aguardente de medronho? Ou até um licor? Os frutos são saborosos quando maduros.
Se os plantarmos no campo a melhor altura é mesmo esta (outubro novembro), passam bem o verão sem regas, é uma planta bem preparada para os nossos verões quentes.
Bom, é assim, fácil! Não podemos esquecer que esta é uma árvore nativa do nosso país, e que é bem bonita, basta ver os seus frutos e flores ou mesmo as folhas verdes e brilhantes, uma árvore ideal para ter um jardim bonito e com muitas aves em busca dos seus frutos, e também uma borboleta bonita por perto como por exemplo a borboleta do medronheiro (Charaxes jasius).



terça-feira, 2 de abril de 2019

Deuses Lusitanos Arentio e Arentia

Arentio e Arentia




Não são dos deuses ibéricos mais conhecidos e não seriam sequer dos mais populares na antiguidade, pelo menos a julgar pelo número de altares e a dimensão da área onde Arentio e Arentia parecem ter sido adorados. A isto junta-se a incógnita sobre as suas esferas de influência ou aquilo que as pessoas esperavam deles. Há pistas e, com base nelas, teorias, mas sem grandes certezas. E há inclusive a possibilidade de estarmos perante um par divino semelhante a vários outros da Europa ocidental.
1. Informação
Ao todo, conhecem-se nove altares dedicados a Arentio e/ou Arentia, todos provenientes da Beira Interior e da Estremadura espanhola: as duas divindades surgem como um par em duas peças provenientes de Coria, em Espanha, e outras duas achadas em território português, uma na zona de Ferro e outra em Ninho do Açor, no distrito de Castelo Branco. Há ainda dois altares apenas a Arentio, em Idanha-a-Nova, um terceiro vindo de Moraleja, na região de Cáceres, e ainda um dedicado só a Arentia encontrado no concelho do Sabugal (Olivares Pedreño 2002: 188). A estes junta-se outro descoberto mais recentemente em Cilleros, também na região de Cáceres, dedicado ao par divino com o epíteto Tedaicis, o que levanta a possibilidade de um décimo altar um pouco mais a sul, em Villamiel, infelizmente hoje desaparecido, mas cuja inscrição faria referência a um deus Tetaeco (Olivares Pedreño e Ramajo Correa, 2013). A julgar pelos dados arqueológicos, Arentio e Arentia seriam assim divindades lusitanas cujo culto se estendia até à zona de fronteira com os vetões.
Locais onde se encontraram vestígios do culto a Arentio (azul), Arentia (verde) e aos dois (amarelo) (mapa da minha autoria)
Locais onde se encontraram vestígios do culto a Arentio (azul), Arentia (verde) e aos dois (amarelo) (mapa da minha autoria)
Quanto a outros epítetos atribuídos a estes deuses, Amrunaeco surge nos altares de Coria e Ocelaeca/o no de Ferro, enquanto Tanginiciaeco e talvez Cronisensi são atribuídos a Arentio em duas das peças encontradas em Portugal. Já Arentia é chamada de Equotullaicensi na ara do Sabugal. E é esta a informação essencial que se tem sobre estes deuses. Não se conhece qualquer elemento iconográfico, descrição ou sequer alusão ao seu culto, muito menos um mito que elucide as suas esferas de influência. As únicas vias de estudo são por isso a etimologia dos teónimos e epítetos e ainda uma análise comparativa, quer com o contexto ibérico, quer com a realidade conhecida do resto da Europa ocidental.
2. Interpretações
Começando pela origem e significado dos nomes das duas divindades, as hipóteses formuladas têm sido várias e não existe consenso académico sobre o assunto. Leite de Vasconcelos sugeriu de início uma raiz latina em arens ou “árido”, mas acaba por recusá-la argumentando, por um lado, com o carácter celta da terminação -entius e, por outro, com a aparente origem nativa de alguns dos dedicantes (1905: 322). O que, já agora, exclui igualmente a hipótese de uma relação com “ara” ou “altar” que por vezes ainda se lê pela internet. Já Blanca Prósper sugeriu tratar-se de um hidrónimo com raiz no indo-europeu para “pôr-se em movimento, correr” (2002: 99) e que seria partilhada pelo epíteto Arantoniceo, atribuído ao deus Araco num altar descoberto na zona de Cascais (Encarnação e Guerra 2010: 103). Blázquez, por seu turno, propôs uma origem num topónimo (Olivares Pedreño 2002: 187.2).
Tal como na etimologia, também a natureza de Arentio e Arentia tem sido objecto de diferentes teorias. A juntar à já referida sugestão de Prósper, que faz deles divindades aquáticas, Jorge de Alarcão propôs uma função guerreira, afirmando que Arentio seria o Ares ibérico de que fala Estrabão, tendo como único argumento a semelhança parcial entre os nomes das duas divindades, com Arentia a poder ser assim identificada com a deusa Vitória (Alarcão 2001: 304). Posteriormente, Alarcão retomaria a sua tese, mas com contornos diferentes, aceitando a etimologia proposta por Prósper, mas vendo nela uma alusão às tácticas de guerrilha dos lusitanos, as quais naturalmente requerem rapidez e movimento (2009: 103). Mais curiosa ainda é a ideia de José da Encarnação, que defende que Arentio e Arentia são na realidade uma única divindade que tanto pode assumir o género masculino como o feminino dependendo da “ideologia” ou da “percepção do momento” (2002: 521). O mesmo autor propôs ainda uma função tutelar, com base, por um lado, na reduzida abrangência geográfica do culto e, por outro, na interpretação territorial dos epítetos (Olivares Pedreño 2002: 187.2).
A leitura dos títulos atribuídos a Arentio e Arentia como sendo de natureza étnica ou tópica não está desprovida de sentido e tem sido sugerida por diversos estudiosos, embora nem todos retirem daí as mesmas conclusões que José d’Encarnação. Por exemplo, Marques Leitão relaciona o epíteto Ocelaeca/o, que consta da ara descoberta em Ferro, no concelho da Covilhã, com a povoação de Ocealum, que é mencionada em fontes clássicas (2015: 113). Para Amrunaecus já se sugeriu uma possível ligação com um grupo tribal denominado ambrones (Blázquez Martínez 2006: 230), enquanto Tanginiciaeco, de Idanha-a-Nova, poderá referir-se a uma unidade “etno-familiar” (Blázquez Martínez 2010: 516), até porque o antropónimo Tangini está documentado na região (Marques Leitão 2015: 113, n. 67). E de referir ainda o epíteto de Arentia no altar descoberto no Sabugal, Equotullaicensi, com o sufixo -ensi a poder indicar uma origem territorial, raciocínio que não será estranho aos portugueses, dado que ainda hoje usamos uma forma dessa terminação. Pensemos em portuense, bracarense, madeirense, etc. No entanto, o mesmo epíteto também pode sugerir uma ligação a cavalos, com base no elemento equo- (Blázquez Martínez 2006: 211).
Por fim, há o modelo interpretativo de Olivares Pedreño, que toma as inscrições votivas da região no seu conjunto, em vez de apenas as de Arentio e Arentia, e tenta reconstruir um panteão regional com base, por um lado, num exercício comparativo e, por outro, no pressuposto de que divindades supra-locais com a mesma função não seriam adoradas na mesma zona por constituir uma sobreposição desnecessária de papéis. O que é uma assunção razoável, ainda que não seja infalível, dado que se tem apenas um conhecimento muito fragmentado da vida religiosa do território a que hoje correspondem a Beira Interior e a região de Cacéres. E para mais, não é inteiramente seguro que Bandua equivalesse a Marte, pelo menos não em todas as situações. Mas dito isto, o modelo de Pedreño tem o mérito de olhar para a imagem de conjunto, recorrendo inclusive a exemplos de além-Pirenéus, tentando reconstruir um sistema do qual os diferentes deuses fariam parte em vez de se olhar para cada um deles com uma espécie de ilha sem qualquer relação com outras divindades.
Correspondência hipotética de deuses ibéricos; número de inscrições votivas galo-romanas a pares divinos segundo a associação a uma divindade romana (Olivares Pedreño 2002: 190 e 219).
Correspondência hipotética de deuses ibéricos; número de inscrições votivas galo-romanas a pares divinos segundo a associação a uma divindade romana (Olivares Pedreño 2002: 190 e 219).
Assim, assumindo que Bandua cumpria a função de defensor da comunidade, o que podia fazer dele um equivalente de Marte, enquanto Reve era o deus celestial passível de ser assimilado a Júpiter, sobram as grandes esferas de influência do submundo, saúde e prosperidade. Para tentar preencher essa lacuna, Pedreño recorre a uma análise comparativa com o resto da Europa ocidental romana, a qual permite-lhe concluir que, de entre os pares divinos a que se prestava culto além-Pirenéus, o elemento masculino era frequentemente assimilado a Apolo, seguido de Mercúrio e por fim Marte. Ora, assumindo a existência de padrões comuns no universo celta ou celtizado da Europa ocidental no que a conceitos religiosos diz respeito, Olivares Pedreño coloca a hipótese de, na faixa ocidental da península Ibérica, o par divino mais conhecido – Arentio e Arentia – cumprir uma função semelhante à maioria dos outros extra-hispânicos e poder, por isso, ter alguma equivalência a Apolo e Mercúrio (Olivares Pedreño 2002: 187-193). É apenas e só uma hipótese, ainda que baseada em dados concretos, mas tem o mérito de olhar para o conjunto das práticas religiosas e fornecer um modelo interpretativo sistemático.
3. Hipótese de trabalho
O que fazer com toda esta informação? Pode-se começar por rejeitar a teoria de José d’Encarnação de que Arentia e Arentia são na realidade a mesma entidade. A tese parece ser baseada numa ideia expressa pelo mesmo autor noutro artigo, de que “os deuses não têm sexo” (2008: 358), o que talvez deva alguma coisa a pré-concepções que seriam estranhas à generalidade do mundo antigo, já que a prática comum era a de atribuir géneros às divindades. A arte religiosa e a literatura têm uma abundância tal de exemplos que chega a ser ridículo negá-lo. E a expressão latina sive deus, sive dea – se deus ou deusa – era empregue por uma questão de cautela quando o destinatário era uma divindade nova ou desconhecida, não se assumindo por isso se era masculina ou feminina, e não radica numa crença hipotética na ausência de género.
Também não se entende como é que epítetos étnicos ou territoriais provam, por si só, que Arentio e Arentia tinham uma natureza tutelar geograficamente restrita. O simples facto de serem conhecidos diferentes títulos e de os altares provirem de pontos distintos é suficiente para pôr em causa a ideia de que estamos perante deuses locais. Aliás, não deixa de ser irónico que se coloque essa possibilidade para Arentio e Arentia, que terão sido adorados em mais do que um sítio, e para Endovélico, cujo culto ter-se-á resumido à zona do Alandroal, fala-se no maior ou mais importante dos deuses lusitanos. E se dúvidas há quanto à não-relação directa entre epítetos e natureza local, é verificar, por exemplo, os títulos que eram atribuídos a Zeus na Grécia antiga: Parnêthios (do monte Parnes), Larisaios (de Larissa), Nemeios (de Nemeia), Dôdônaios (de Dodona), etc. E não me parece que se defenda que ele era um deus local ligado a um território, comunidade ou família em específico. Há, isso sim, um elo com diferentes contextos por via de epítetos correspondentes, mas sem que isso signifique que a divindade estaria necessariamente limitada ao papel por eles expresso.
Se isto permite pôr de parte certas teorias sugeridas por alguns estudiosos e determinar, assim, o que é que Arentius e Arentia não eram, continua-se sem certezas quanto ao que eles eram e, desse modo, qual o papel que podem ter no presente. E à falta de dados concretos que permitam uma resposta sólida, é a lei da probabilidade que oferece maior segurança. O que neste caso traduz-se pela tese de Olivares Pedreño, baseada na comparação com os pares divinos extra-hispânicos e a predominância de Apolo e Mercúrio entre eles, levando-me por isso a optar pela hipótese de que é essa a esfera de influência de Arentio e Arentia: saúde e prosperidade, protectores na esfera privada e pública. Como Bormo e Bormana, Grannus e Sirona, Mercúrio e Rosmerta. E repare-se que mesmo quando o elemento masculino era identificado com Marte, há casos em que a sua função era menos bélica e mais salutar ou próspera. É disso exemplo Marte Smertrius e a deusa Ancamna, mas também Marte Visucius e Visucia, sendo que neste caso também há notícia de um Mercúrio Visucius (Adkins 2000: 145 e 241). Isto não invalida a etimologia proposta por Prósper, dado que há uma ligação comum entre água e saúde, a qual pode facilmente estender-se ao bem-estar de um modo mais geral.
4. Ideias para um culto moderno
Feita a opção, os contornos de um culto moderno derivam naturalmente dela. Pode-se escolher o primeiro dia de Agosto para data festiva de Arentio e Arentia, usando-se como referência o Mercúrio celta que é Lugh, ou pode-se escolher o início de Setembro dada a origem do nome do mês no número sete e a ligação deste com Apolo. O mesmo motivo oferece Julho como possibilidade adicional e ainda Janeiro, por ser o início do ano e desse modo uma altura apropriada para desejar ou pedir sucesso e saúde.
Quanto a símbolos, uma fonte rodeada de moedas, duas cornucópias ou um cesto de fruta no meio de duas cascatas são algumas das hipóteses. Para animais, a opção natural são as aves aquáticas, por serem simultaneamente rápidas e estarem ligadas à água. O pato, o mergulhão ou o guarda-rios são exemplos óbvios, este último em especial dado que é ao mesmo tempo veloz e um símbolo de paz e prosperidade, embora os primeiros sejam mais facilmente avistados aos pares, o que não deixa de ser relevante para o caso de Arentia e Arentio. A lontra é outra possibilidade e talvez ainda o coelho ou a lebre, que mesmo não estando associados à água não deixam de ser um símbolo de rapidez e agilidade, fertilidade e boa sorte. E depois o comportamento sazonal do ou dos animais escolhidos pode acrescentar novos critérios à escolha de uma ou mais datas festivas.

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Os Berrões em Portugal

Berrão

Um Berrão é uma estátua, quase sempre representando um animal, que, apostando na teoria que reúne maior número de adeptos, era antes tida como ídolo protector de determinado sítio. Uma Deidade, espécie de genius loci (o génio ou espírito do lugar) a que uma determinada comunidade, habitualmente uma aldeola, prestava devoção.








Em Trás-os-Montes e na Beira-Alta, há Divindades que não se enquadram em cruzes. São os Berrões, estátuas de animais que se tinham como Deuses locais, congregando gente à volta da mesma comunidade.

Origem do Berrão

Os Berrões (ou Verracos) dos castros VetõesAtribui-se a sua origem aos castros Vetões, tribo indo-europeia de provável raiz pré-celta, e vizinha oriental de lusitanos e galaicos – alguns teóricos falam ainda de uma proveniência vinda dos Dragani, etnia de procedência incerta, podendo até, à falta de grande quantidade de provas históricas, ser antecedente dos Vetões.
De qualquer forma, indo pela via mais consensual que sugere o Berrão como produto de mãos Vetãs, será essa a razão para a grande fatia dos Berrões encontrados estar na raia leste do norte de Portugal, nas províncias de Trás-os-Montes e Beira Alta. Da mesma forma, é igualmente do outro lado da actual fronteira que se regista o maior número de Berrões achados (e por lá chamados Verracos), acompanhando a geografia da Meseta, de terras de Salamanca até às redondezas de Ávila – e esta última deverá ser a cidade magna no que a este assunto diz respeito (veja-se na foto ao lado a enorme concentração que existe junto à cidade espanhola).
Para o sentido da visão, um Berrão não será muito mais do que uma estátua, ainda por cima já desgastada pelo tempo que passou desde que foi feita até aqui, e acredita-se que os tenham começado a construir algures na Idade do Ferro, isto é, há mais de dois mil anos.
Mais um dos Berrões do nordeste português

Os Berrões como Deuses dos lugares

Um Berrão vai muito além do que se vê. Na verdade, ainda nem sabemos bem qual a sua função, embora algumas sugestões nos pareçam próximas da verdade.
Com excepção de uma mão de casos que fogem à norma, todo o Berrão é talhado de uma rocha granítica. Uns quantos, na zona da cabeça, têm dois orifícios onde, muito provavelmente, se enroscavam dois chifres de madeira.
Apresentam formas zoomórficas, de animais que, por todas as mercês que davam aos humanos, eram tidos como sagrados em tempos idos. Neles se enquadram o javali, o porco ou o touro – menos frequentemente pode dar-se o caso do animal esculpido ser diferente das espécies atrás mencionadas, nomeadamente o do urso.
O que parece ser óbvio é que quem os fez quis evidenciar a masculinidade do bicho, sendo os órgãos genitais (quando não dizimados pelo tempo) uma chamada de atenção para qualquer passeante que os veja. Aqui, nesta intencional exibição fálica, poderemos falar numa hipotética funcionalidade do Berrão enquanto amuleto para a fecundidade, ou parceiro sacrificial de oferendas a Deidades.
Esta teoria é reforçada pelos trabalhos arqueológicos em volta do Berrão do Picote, encontrado no sítio onde deveria estar originalmente, ao contrário dos restantes. Com efeito, o Berrão do Picote foi descoberto no centro de um espaço circular onde se acharam ossos de variados animais, ao qual estava anexo um longo corredor, dando a entender que ali era deificada a escultura.
Pode ainda falar-se do Berrão como totem, figura que determinados populi viam como seu guardião supremo, até mesmo como seu antepassado. Nesse sentido, transforma-se numa representação do lugar a que a sua devoção é circunscrita: uma conversão do espírito do lugar em ídolo materializado. É neste contexto que se compreende a sua frequente colocação à entrada dos castros, como Deuses porteiros vigilantes – e este quadro pode ser presenciado, ainda hoje, em Portugal, como acontece em Castelo Mendo.
Há ainda quem alvitre uma função sagrada alternativa, como protector do gado comunitário, ao mesmo tempo que poderia servir para marco geográfico dos sítios mais propícios a uma actividade central destas organizações tribais: o pastoreio. Isso justificaria todos os Berrões encontrados na periferia das fortificações, em zonas de terra fértil, adequadas ao pasto.
É de notar que todas estas possíveis explicações para a existência de Berrões não têm de ser adversárias umas das outras. Pelo contrário. Se de facto encontramos nestes ídolos uma alma de um lugar, é normal que, por essa mesma razão, eles fossem alvo de religiosa admiração por parte da comunidade, e que esta os usasse como amuleto de boa fortuna para as tarefas do quotidiano.
Berrão protector das muralhas de Castelo Mendo

Exemplos de Berrões em Portugal

Como já se disse, é no interior norte que os Berrões invadem as praças e os museus das terras. A vastíssima maioria dos Berrões portugueses são transmontanos. Os que não são, encontram-se a pouca distância, a sul do Rio Douro, e encostados à fronteira com Espanha.
Há os que se aguentaram bem, os que ficaram parcialmente desfeitos com o passar dos séculos, e os que são um mero ensaio do que antes foram – isto para não falar dos que desapareceram. Falaremos abaixo de três dos mais icónicos.
Uma porca que é mais um porco, mostra-se orgulhosa como símbolo de MurçaComeçando pelo mais famoso, o Berrão que toda a gente conhece, mesmo os que não estavam a par desta figura tutelar: a Porca de Murça (foto ao lado). No mínimo, já se ouviu falar nele, não exactamente do Berrão mas do vinho que dele tirou o nome. Mais indo ao Verraco que é o que aqui importa: a Porca de Murça não é uma porca mas sim um porco (os testículos estão bem destacados), e encontra-se no centro da vila de Murça, como estátua identitária da povoação, ou seja, mantendo o papel de totem que tinha no passado. O caso da Porca de Murça é importante por isso mesmo, por ser o orgulho de um povo que lhe presta a devida devoção.
Também a convocar a homogeneidade da comunidade perante si está o Berrão de Bragança, este com duas particularidades – o facto de ser, aparentemente, a escultura de um urso; e o facto de estar perfurado pelo Pelourinho da cidade. Esta comunhão de dois símbolos centrais de um município tornam-se uma intenção feliz de fundir dois lados elementares de qualquer povoado: o do poder aliado à justiça (concentrado no Pelourinho e em tudo o que ele significa) e o espiritual (que tem representação na alma do Berrão).
Por fim, e passando para terras da Beira Alta, os já mencionados Berrões de Castelo Mendo gozam de virem ao mundo em dose dupla, e a sua localização é em tudo conivente com o que aqui foi dito: à entrada da porta do castelo, um do lado direito e outro do lado esquerdo guardam a fortaleza, como se de soldados reais se tratassem.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

A NATURAL E ORIGINAL PROXIMIDADE RELIGIOSA ENTRE O OCIDENTE E A ÍNDIA

"O pensamento religioso da Índia não é, para nós, um pensamento exótico ou estranho. Só a Índia soube preservar a história de uma busca cosmológica, religiosa, mística e filossófica que constituiu a experiência comum de grande parte da humanidade, em especial de um mundo indo-mediterrânico proto-histórico, do qual quase perdemos a recordação, consequência do fanatismo das novas religiões agressivas e colonialistas, como o Budismo, o Cristianismo e o Islão, nas quais a fé cega e proselitismo frequentemente ocuparam o lugar da busca do conhecimento e do humilde respeito diante das misteriosas intenções dos Deuses. 

Antes da chegada destas religiões simplistas e populares, de carácter principalmente social e utilizadas com fins políticos, não existia oposição entre religiões. Os esforços para descobrir o enigma do mundo, para compreender o lugar do ser vivo no Universo e os meios para realizar o seu destino constituíam uma empresa comum, como o constitui hoje em dia a investigação científica dos pensadores de diversas partes do mundo. Só diferiam os relatos lendários, uma sorte de fábulas baseadas em elementos locais, que serviam para ensinar a um povo os elementos da sabedoria, os princípios da filosofia, as virtudes dos heróis e os mistérios dos Deuses. Sem embargo, o seu sentido era claro para todos. 


As indagações dos filósofos acerca da estrutura do Cosmos eram paralelas, e ainda que os nomes outorgados às energias cósmicas fossem diferentes em uma e outra cultura, isso não apresentava maior obstáculo que a diferença de termos científicos nas línguas modernas. Os Deuses representavam os princípios universais, que se podiam representar simbolicamente nas forças da natureza, mas não por pessoas activas que se interessavam directamente no destino ou na acção dos homens. O Varuna hindu correspondia ao Úrano grego, Indra não é senão outro nome de Júpiter. Os soldados de Alexandre iam a Nisa, montanha sagrada de Xiva, a Quem chamaram Diónisos, para venerar o Deus e abraçar os seus irmãos de religião. O Héracles que menciona Megástenes é o Deus-herói Crixna. (...)»

In «Deuses e Mitos da Índia», de Alain Daniélou

terça-feira, 12 de abril de 2016

Arte Pagã Contemporânea - O que é?


- Toda Arte Contemporânea é pagã; respondeu-me um filósofo, surpreendido com a pergunta. Afinal, há muito que as vinculações religiosas não são mais uma necessidade para a arte. Resposta que não me surpreendeu, num primeiro instante, pois a palavra “pagão” passou a assemelhar-se à palavra“ateu”, ganhando o significado daquele que “não é cristão” ou que não recebeu o baptismo. Assim a palavra tem sido compreendida no mundo judaico cristão, mas se retrocedermos um pouco e atentarmos para a etimologia, veremos que paganus significa “do campo” ou ainda “morador do campo”. E também tem o significado extra de "civil", ou seja, pessoa que não mantém relações com o militarismo, o que nos faz lembrar da natural postura anárquica do pagão (no sentido político que é dado à palavra “anarquia”, é claro).

Obviamente usamos o sentido original da palavra "pagão", deixando de lado o seu significado corrompido. Acrescentando-lhe ainda outros significados, já que uma postura pagã frente à vida tem-se vindo a enraizar na sociedade actual, não se restringindo mais nem  à etimologia original, acima referida, invadindo o campo das realizações e reflexões humanas em diversas áreas de actuação. Deixando-se de lado a apropriação da palavra “paganismo” feita pela Igreja, descortina-se um imenso leque de possibilidades. No entanto, a excessiva proficuidade do termo é também um factor que levanta dificuldades, porque, afinal, o que seria Arte Pagã Contemporânea? Um olhar pagão sobre o mundo? Caracterizar-se-ia pela escolha dos suportes? Pelo que é representado? Um determinado estilo? Uma arte engajada? Uma arte interdisciplinar? Definir-se-ia pela decifração de um determinado Imaginário?

Cumpre primeiro procurar definir o que é paganismo na contemporaneidade e observar como a Arte vai se apropriando disso.

Se a alma pagã é a mesma através dos tempos, a sua materialização se insere em outra leitura do mundo; estamos no século XXI. O pagão é um panteísta - os deuses são a natureza do mundo - e, antes de tudo, um animista - as coisas naturais são todas animadas, tem vida. O pensamento pagão é mágico, por excelência. Os deuses pulsam em nós e ao nosso redor. O prazer é lícito, a fruição necessária. O poder do pagão é o exercício pleno da sua vontade. Comprometido com a Natureza, assim como preserva a sua vida, encara o mundo como uma grande rede que a tudo permeia e no qual as suas acções fazem toda a diferença.

A Arte Pagã Contemporânea absorve as tecnologias, os avanços e aprecia a evolução dos tempos. Mas guarda a essência pagã, que existe há milénios. Para ser mais exacto, a alma pagã, o paganismo como filosofia de vida, é Extemporâneo, assim como a Natureza é atemporal, perene em sua magnitude, embora em constante mutação - a única coisa que não muda é a mudança, é bom lembrar. O Paganismo escapa às particularidades do mundo presente exactamente porque não se localiza em lugar algum do tempo; o que a alma pagã tem de mais peculiar, é que pertence a todos os tempos. A palavra "Contemporâneo" neste contexto apenas indica o uso de materiais dos tempos actuais, assim como antes foram usados os materiais do passado: o mármore das esculturas gregas e os pigmentos da pintura rupestre.

Podemos pensar no que nos diz o filósofo Schweppenhäuser, ao se reportar ao distanciamento humano em relação à Natureza:

“O distanciamento da natureza através da moderna racionalidade é o meio de sua dominação, que, entretanto, não produz liberdade, mas sim o retorno violento da natureza esquecida, reprimida. Assim, a dominação da natureza torna-se irmã gémea da sua decadência”.

Absorvemos a tecnologia porque não encaramos a racionalidade como algo separado do corpo, contrariando o ponto de partida dualista do filósofo. E porque os instrumentos são prolongamentos dos nossos gestos. O difícil é a justa medida, saber temperar as necessidades da Terra com a sede pelo domínio tecnológico que, não raro, ultrapassa as fronteiras do permissível. Dominando a Terra e o Corpo, considerados aprisionamentos do Homem, a Alma e o Espírito se soltariam, para cumprir a sua verdadeira Missão: a de uma racionalidade canhestra, ou de uma religiosidade tapada. Este é o império das Religiões, dos inúmeros re-ligares que observamos em ação e dos excessos cometidos em nome da Ciência. O retorno da Natureza esquecida, vilipendiada, é sempre violento, principalmente no âmago, no inconsciente do ser humano. Dominar a natureza é causar o seu estrago e nesse sentido, apesar do didactismo de uma separação entre a realidade e a natureza, é impossível não concordar com Schweppenhäuser.

É uma das funções críticas da Arte reflectir sobre essa questão. Eduard Kac, por exemplo, ao trabalhar com a Arte Bio telemática e a Arte Transgénica, questiona a apropriação do uso da genética em Arte e levanta questões de cunho ético e social que dizem respeito à apropriação excessiva da Natureza pela tecnologia.

O Paganismo Contemporâneo busca repensar o que ainda se costuma ver como dicotomia: corpo e espírito estão juntos e não separados. Ainda dentro de uma lógica e filosofia marxista, cantou a bola o visionário Oswald de Andrade : a vida primitiva integrada na civilização, criando a sua síntese. A vida primitiva de que fala Oswald é, a meu ver, a alma secular pagã.

Existe uma correlação, uma cooperação entre o homem e máquina, que pode ser traduzido em gesto, em Linguagem, em Arte. Então, temos incluídas no paganismo contemporâneo também as propostas de uma arte da cibercultura, uma percepção física de um modelo teórico e a compreensão formal das sensações físicas.

Os deuses não negam a máquina, os avanços, as possibilidades inúmeras da criação humana. Não é mais possível ressentir-se com o que está feito, somos agentes do mundo presente e nos cabe a tarefa de preservar a Terra com inteligência, respeitando e fluindo nos seus ritmos diversos. E procurando coibir abusos contra a Natureza, que também é a nossa Natureza Humana. E a melhor crítica sempre foi, através de todos os tempos, a Arte.

O Paganismo Contemporâneo nesse sentido faz uso do que é essencialmente anárquico, no melhor sentido do termo: auto gestão e responsabilidade.

Procurando responder às questões levantadas no início deste artigo, podemos dizer que se incluem no Paganismo Contemporâneo a EcoArt, a LandArt, a pintura matérica. O uso de materiais naturais, recicláveis e reciclados; nas Artes Plásticas, a paisagem como suporte para intervenções. Na música, os ritmos tribais, a boa World Music, as temáticas autócnes, as danças sagradas, os mantras pessoais. Na literatura, a poesia de fôlego, intensa, muitas vezes desencanada, de sentido libertário - mas concebida com rigor - e identificada com as aspirações do seu tempo. A Arte Pagã Contemporânea se associa aos mitos e ritos e está imbuída de Magia, a sua Mãe, a temática primordial.
Seria então toda Arte Contemporânea, pagã?


Talvez seja muito cedo para definir, muito cedo para vislumbrar ou tentar cercear o que seja uma expressão que encerra três palavras tão abrangentes e complexas.