Em plena crise, o pensamento inquieta-se e interroga-se; ele pesquisa as causas mais profundas do mal que atinge a nossa vida social, politica, económica e moral.
As correntes de ideias, de sentimentos e interesses chocam brutalmente, e deste choque resulta um estado de perturbação, de confusão e de desordem que paralisa toda a iniciativa e se traduz na incapacidade de encontrarmos soluções para os nossos males.
Portugal perdeu a consciência de si mesmo, da sua origem, do seu génio e do seu papel, de herói intrépido, no mundo. Chegou a hora do despertar, do renascimento, de eliminar a triste herança que os povos do velho mundo nos deixaram, as bafientas formas de opressão monárquicas e teocráticas, a centralização burocrática e administrativa latina, com as habilidades, os subterfúgios da sua politica e dos seus vícios, toda esta corrupção que nos tolda a alma e a mente.
Para reencontrar a unidade moral, a nossa própria consciência, o sentido profundo do nosso papel e do nosso destino, isto é, tudo o que torna uma nação forte, bastaria a nós portugueses eliminar as falsas teorias e os sofismas que nos obscurecem o caminho de ascensão à luz, voltando à nossa própria natureza. Às nossas origens étnicas, ao nosso génio primitivo, numa palavra, à rica e ancestral tradição lusitana e/ou celtibera, agora enriquecida pelo trabalho e o progresso dos séculos.
Um país, uma nação, um povo sem conhecimento, saliência do seu passado histórico, origem e cultura, é como uma árvore sem raízes. Estéril e incapaz de dar frutos.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Os lusitanos e a identidade portuguesa 8/8

De Província Romana a Reino de Portugal



Viriato morreu, mas não acabou com ele a resistência dos lusitanos, só que precisou de algum tempo para recuperar. Recuperação tanto mais difícil quando os aliados e vizinhos foram submetidos: o cônsul Décio Júnio Bruto, o Calaico, domina (de 138 a 136) as tribos a norte do rio Douro, incluindo os brácaros; e em 133 os celtiberos rendem-se a Cipião Emiliano que toma Numância - e a arrasa. Durante cerca de uma geração houve raras notícias dos lusitanos, a não ser por alguns ataques reprimidos (114 e 113) por Mário. Mas pouco depois (107) estala uma sucessão de batalhas: nesse ano Quinto Servílio Caepius domina uma rebelião dos lusitanos, que se recompõem e em 105 derrotam um exército romano. Mas a submissão dos celtiberos em Numância leva estes antigos aliados a colocarem-se do lado das legiões, que em 101 obtêm pesada  vitória sobre os lusitanos. Mas eles parecem que não perdem fôlego, revoltam-se ainda outra vez contra a opressão romana em 99 - mas no ano seguinte o pretor Lúcio Cornélio Dolabela derrota-os de tal modo que precisaram de tempo para se recompor.
Entretanto Sertório, que governava a província como aliado de Sila, quando Mário toma o poder em Roma retira-se para a África: lá os emissários lusitanos foram procurá-lo, oferecendo-se para se colocar às suas ordens contra o poder do dominador.
Sertório aceita chefiar essas tropas lusitanas e em 81 entra em guerra contra Mário. Porém, apesar de muitas vitórias, Sertório acaba como Viriato: assassinado à traição (em 72). Com ele termina a última grande campanha dos lusitanos contra o domínio romano. Dez anos depois houve uma rebelião de calaicos e lusitanos, que César dominou; e nas campanhas de Pompeu (55 - 49) alguns lusitanos já figuram como auxiliares das suas tropas.
Iniciado o Império, e pacificada a Península, Augusto determina uma maior divisão administrativa: a Hispania Ulterior é dividida em Lusitania e Betica, esta com a capital em Córdova; a Lusitania passa a ser portanto não mais a terra dos lusitanos, mas uma divisão do Império - aliás o nome da nova Província era Lusitania, e a capital, criada por Púbio Carisius e fundada para o efeito, ficava em terras de vetões:
Emerita, hoje Mérida. A fundação foi em 25 a . C. por isso parece mais provável que a criação da Lusitania e Vetonia não tenha sido em 27 como por vezes se indica, mas em 25 ou pouco depois. O território administrativo ficava compreendido entre o Guadiana a sul, e o Atlântico a oeste e norte, incluindo, portanto, junto com os lusitanos não só os vetões, mas também os calaicos e astures; mais tarde a Calécia foi incorporada à Tarraconense, até que Caracala criou aí uma nova província, com a capital em Braga. Na época de Augusto a Península teria uns seis milhões de habitantes; considerando que todo o litoral com excepção do norte era mais habitado que o interior, e que a Lusitania ocupava, sobretudo, terras do oeste, pode supor-se a sua população em torno de um milhão de pessoas, ou pouco mais.
Os lusitanos vão progressivamente saindo da história activa, e entrando na História relatada, como a de Plínio, a de Pompônio Mela, ou a Geografia de Ptolomeu, todas posteriores à rendição final deste povo. Por sua vez estas histórias feitas sobre testemunhos ainda recentes passam a ser objecto de estudo por historiadores que viveram séculos depois, e não só seleccionam como acrescentam comentários feitos na distância do tempo; é curioso ver, por exemplo, como no início do século V a História de Orósio, provavelmente um calaico, censura os romanos pelas suas crueldades contra os lusitanos - como a do cônsul Fábio que reuniu quinhentos líderes lusitanos com promessas de paz e quando os viu desarmados os subjugou e lhes mandou cortar as mãos (Orósio 5, 4) ou ainda a própria traição no assassinato de Viriato. Por isso, diz Orósio, a pacificação final desse povo pelos romanos foi uma victória sem glória (5, 23), facto que é do senso comum.
Na época de Orósio a Península foi invadida (409) por um grande grupo de germanos - e talvez por causa dessa grande invasão é que Orósio deixou Braga e se refugiou junto de Agostinho em Hipona. Os alanos ocuparam a Lusitania, mas por pouco tempo: em 416 a partir da Calécia os suevos estenderam o seu domínio até alcançar a Bética; em 439 Emerita era a capital do reino suevo, que abrangia assim a Lusitânia e a Calécia. Mas os romanos chamaram em seu auxílio os visigodos, que ocupavam a Gália: eles derrotaram os suevos em 456 e no ano seguinte dominavam a Lusitânia. Segundo Idácio, porém, o domínio visigótico era fraco, pois ainda em 459 os suevos saquevam a Lusitânia e aí massacravam romanos. Em 467 ainda os suevos voltaram a atacar e destruíram Conimbriga, importante cidade lusitana no litoral, arrasando as suas muralhas. Dois anos depois suevos e visigodos defrontam-se em Olisipo (Lisboa).
Apesar destes tumultos - e na intenção de contê-los - o rei visigodo Eurico (466- 484) inicia em 470 uma reforma administrativa, e nessa reforma a província da Lusitânia foi extinta. Porém, sabe-se que a Lusitânia como topónimo não desapareceu de todo, porque nos concílios de Toledo no século VI o grupo dos bispos lusitanos manteve certa identidade comum, ao ponto de o Metropolita de Mérida - que no período romano tinha autoridade sobre os outros bispos da região - ter reclamado para sua jurisdição todas as dioceses da antiga Lusitânia, o que lhe foi concedido (656 ?) pelo rei visigodo Recesvindo.
Em 711 os muçulmanos invadiram a Península, que conquistaram quase completamente em seis anos - mas ainda sob o domínio do Islão parece que a Lusitânia manteve sua designação, alterada para Lugidânia; a reconquista cristã começou em 722 em Cangas de Onis, a partir da região dos cântabros e bascos. Até ao final do século IX a Calécia (agora Galícia, em português: Galiza) já estava em poder dos cristãos; no século XI a antiga região de entre Douro e Tejo, núcleo da Lusitânia, era reconquistada: Viseu em 1057, Coimbra em 1064. Finalmente em 1146 Dom Afonso Henriques toma Santarém, em 1147 conquista Lisboa, e logo atravessa o Tejo e penetra no território que fora dos célticos, até chegar quase ao Cinético: a antiga Lusitânia entrava nas brumas da memória, como diz o Hino Nacional Português, para dar lugar ao Reino de Portugal.

Fonte: http://teotonio.ipv.pt/mailinglists/esi_gsr/pdfuTtUmDWjV4.pdf

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